Nesta coluna semanal, debruço-me sobre os números mais recentes do Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central em 28 de novembro de 2025, com o objetivo de oferecer uma análise técnica e aprofundada do cenário macroeconômico que se desenha para o Brasil. Em um ambiente de incertezas, compreender as expectativas do mercado para os principais indicadores é um exercício fundamental para o planejamento financeiro e a tomada de decisões estratégicas dos leitores nos próximos anos.
O Painel de Controle Macroeconômico
As medianas das expectativas de mercado, compiladas pelo Banco Central, funcionam como um painel de controle das projeções para a economia. A tabela abaixo sintetiza os dados para os anos de 2025 a 2028, que servirão de base para nossa análise.
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Indicador
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2025
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2026
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2027
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2028
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IPCA (%)
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4,43
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4,17
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3,80
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3,50
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PIB (var. %)
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2,16
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1,78
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1,83
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2,00
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Câmbio (R$/US$)
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5,40
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5,50
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5,50
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5,50
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SELIC (% a.a.)
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15,00
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12,00
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10,50
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9,50
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Fonte: Boletim Focus, Banco Central do Brasil, 28 de novembro de 2025.
A Desinflação Lenta e o Custo do Juro
A primeira observação relevante é a trajetória da inflação, medida pelo IPCA. Embora as projeções indiquem uma tendência de queda, o ritmo é notavelmente lento. A expectativa de 4,43% para 2025 situa-se perigosamente próxima do teto da meta de inflação (3,0% com intervalo de tolerância de 1,5 p.p.), e a convergência para o centro da meta só é vislumbrada a partir de 2027. Essa persistência inflacionária, mesmo após um longo ciclo de aperto monetário, é um sintoma de desequilíbrios persistentes na economia.
A consequência direta é a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em patamares extremamente restritivos. A projeção de 15,00% para o final de 2025, a mais elevada desde 2006 [3], impõe um pesado custo à atividade econômica. A política monetária, nesse contexto, atua para contrabalancear uma política fiscal expansionista, em um arranjo que sacrifica o crescimento potencial. A subsecretária de política macroeconômica da Fazenda, Raquel Nadal, já havia apontado em meados de novembro que a política monetária restritiva estava afetando o mercado de crédito bancário [8].
O Crescimento Anêmico e a Âncora Fiscal à Deriva
O ponto mais crítico da análise reside nas projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A expectativa de 2,16% para 2025, seguida por uma desaceleração para 1,78% em 2026, configura o que a teoria econômica denomina "voo de galinha": um crescimento breve e insustentável, que não se converte em desenvolvimento de longo prazo. Esse padrão é reflexo direto da qualidade do estímulo que o gera.
Como aponta o economista Marcos Mendes, o crescimento observado nos últimos anos foi "bombado por estímulos fiscais insustentáveis" [5]. A expansão dos gastos públicos, ao mesmo tempo que impulsiona a demanda no curto prazo, gera um aumento do déficit e da dívida pública. Essa deterioração fiscal mina a confiança dos investidores, o que se reflete na projeção de um câmbio depreciado, estabilizado no patamar elevado de R$ 5,50 a partir de 2026.
A credibilidade do arcabouço fiscal, que deveria servir como âncora para as expectativas, vem sendo minada por sucessivas exceções e pela expansão de gastos extra-teto. Matéria recente da Folha de S.Paulo destaca que a Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP), um indicador mais amplo do déficit, saltou para 8,2% do PIB até setembro de 2025, e que a dívida bruta aumentou quase seis pontos percentuais desde o início de 2023 [2]. Segundo Marcus Pestana, da Instituição Fiscal Independente (IFI), o arcabouço "está se tornando irrelevante" [2].
"É uma questão matemática: gasto é gasto. Não adianta ficar excluindo despesas para cumprir a regra", afirma Pestana [2].
Essa dinâmica cria um ciclo vicioso: o aumento do gasto eleva a dívida, o que exige juros mais altos para seu financiamento e para conter a inflação decorrente do excesso de demanda. Juros altos, por sua vez, freiam o investimento e o consumo, abortando o ciclo de crescimento. O resultado é a estagnação em um patamar de crescimento medíocre, como projetado para 2026 e 2027.
Navegando em Meio à Turbulência
As expectativas de mercado para os próximos anos pintam um quadro desafiador. A combinação de inflação persistente, juros restritivos, desequilíbrio fiscal e crescimento baixo sugere que a economia brasileira está presa em uma armadilha. O crescimento projetado para 2025 parece ser mais um episódio de um voo curto, financiado por uma expansão fiscal insustentável, do que o início de uma trajetória de desenvolvimento robusto.
Para os leitores, o cenário exige cautela. A persistência de juros elevados deve continuar a beneficiar aplicações de renda fixa, mas o ambiente de negócios e o mercado de capitais podem sofrer com a falta de dinamismo da economia e com a percepção de risco fiscal elevado. A ausência de reformas estruturais que enderecem a rigidez do gasto público mantém o país vulnerável e dependente de condições externas favoráveis, limitando o horizonte de prosperidade. A vigilância sobre a execução da política fiscal será, mais do que nunca, a chave para entender os rumos da economia brasileira
Referências
[1] Banco Central do Brasil. (2025, 28 de novembro). Boletim Focus - Medianas das Expectativas de Mercado.
[2] Canzian, F. (2025, 29 de novembro). Arcabouço fiscal de Lula perde relevância.Folha de S.Paulo. Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/11/arcabouco-fiscal-de-lula-perde-relevancia-diante-do-forte-aumento-da-divida-publica.shtml [3] Reuters. (2025, 5 de novembro). Brazil central bank holds rates, signals confidence in.... Recuperado de https://www.reuters.com/world/americas/brazil-central-bank-holds-rates-sticks-very-prolonged-pause-message-2025-11-05/ [4] Agência Brasil. (2025, 6 de novembro). Brazil's Central Bank keeps benchmark interest rate at 15%. Recuperado de https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/economia/noticia/2025-11/brazils-central-bank-keeps-benchmark-interest-rate-15-annum [5] UOL. (2025, 14 de novembro). Marcos Mendes: estímulos fiscais elevam dívida e déficit. BOL. Recuperado de https://www.bol.uol.com.br/economia/2025/11/14/crescimento-foi-bombado-por-estimulos-fiscais-insustentaveis-diz-marcos-mendes.htm [6] G1. (2025, 28 de novembro). Contas públicas têm superávit de R$ 32,4 bilhões em outubro. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/11/28/contas-publicas-tem-superavit-de-r-324-bilhoes-em-outubro-divida-sobe-para-786percent-do-pib.ghtml [7] CNN Brasil. (s.d.). Economistas alertam para alta contínua da dívida pública.... Recuperado de https://www.cnnbrasil.com.br/economia/economistas-alertam-para-alta-continua-da-divida-publica-sob-lula/ [8] Valor Econômico. (2025, 13 de novembro). Política monetária restritiva está afetando crédito bancário, diz Fazenda. Recuperado de https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/11/13/politica-monetaria-restritiva-esta-afetando-credito-bancario-diz-fazenda.ghtml