Há exatas quatro décadas, em 15 de março de 1985, com a posse de José Sarney na Presidência da República, encerrava-se o penoso período de 21 anos do regime militar. Era o início do que se convencionou chamar de Nova República, a tão decantada volta à democracia no Brasil, que se iniciava com a posse do primeiro presidente civil desde João Goulart (1961-1964).
Sarney não foi eleito diretamente pelo povo. Aliás, nem sequer para presidente ele recebeu voto. Ele fora consagrado vice na chapa que tinha como titular Tancredo Neves, que se adoentara na véspera da posse e faleceria em 21 de abril daquele ano sem nunca ter assumido a função. Ambos se elegeram indiretamente em 15 de janeiro de 1985 pelo Colégio Eleitoral – um artifício da ditadura para dar ares de “legalidade”. Receberam 480 votos, ante 180 de Paulo Maluf (PDS), o candidato oficial.
Como quase sempre na história, a mudança de regime foi feita por cima e sem muita consulta ao povo. Tancredo, do oposicionista PMDB, só se elegeu com apoio de boa parte do PDS (Sarney, inclusive era presidente do partido) e com a benção dos inquilinos de saída: os militares.
O governo Sarney foi caótico do ponto de vista social e econômico, mas cumpriu o seu papel de conduzir o Brasil na transição democrática convocando a Constituinte, legalizando partidos, pondo fim na Censura e instaurando um novo arcabouço legal no País, limpando quase a totalidade do entulho autoritário. A democracia plena mesmo tivemos somente a partir de 1989, com a eleição de Fernando Collor de Mello (PRN), o primeiro presidente eleito diretamente pelo povo desde 1960.
Nesses 40 anos, passamos por oito presidentes, dois deles que sofreram impeachment (Collor e Dilma), além de sucessivas crises econômicas e políticas. Recentemente, nossa jovem democracia sofreu solavancos que quase a derrubaram. Ela sobreviveu por pouco, mas ainda está aqui.
Mas a base que formou a Nova República começou a ruir com as manifestações de rua de 2013 e a queda se acentuou com a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) ao poder. O perfil da sociedade brasileira mudou – e isso aliado às novas ferramentas de comunicação e as suas consequências, como as fake news, além do surgimento da nova direita mundial, o que feriu a estrutura construída a partir da posse de Sarney.
A polarização política aumentou muito e se calcificou, pontes de diálogo foram dinamitadas e a praxe agora é a desestabilização de governos. É o poder pelo poder, mesmo que isso implique rupturas institucionais.
A Nova República continua a existir por um fio. E o mais irônico disso é que o grande fiador dela é um político que foi seu opositor em seu início com fortes críticas: Luiz Inácio Lula da Silva (PT).