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Alimentos, biodiversidade e sistemas agrícolas

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Uma proporção substancial da superfície terrestre é utilizada para a produção agrícola, servindo a múltiplos propósitos sociais, pois fornece alimentos, combustível e fibras. Para que haja sustentabilidade na produção agrícola, é fundamental a integração com a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, o que é uma tarefa complexa e multifacetada.

O professor Doreen Gabriel, da Universidade de Leeds, liderou uma equipe que se debruçou na análise do contexto da produção de alimentos versus biodiversidade em sistemas de produção convencionais e orgânicos. Os resultados foram publicados na revista Journal of Applied Ecology. Para identificar os benefícios (maior conservação da biodiversidade) e os custos (redução nos rendimentos) do manejo agrícola, os autores do estudo cotejaram rendimento agrícola com a abundância e densidade de espécies de táxons importantes em campos de cereais de inverno, conduzidos em sistemas orgânicos e convencionais, na Inglaterra.

Menos produtividade, mais biodiversidade: em média, a produção de grãos por unidade de área foi 54% menor em lavouras conduzidas em sistemas orgânicos, comparadas às convencionais. Analisando-se a associação entre rendimento e algumas espécies da biodiversidade (abelhas do gênero Bombus, abelhas solitárias, borboletas, sirfídeos e artrópodes epígeos – aqueles que decompõem matéria orgânica), os autores concluíram não haver diferenças entre sistemas de produção, pois as diferenças observadas puderam ser integralmente atribuídas à menor produtividade nos sistemas orgânicos. A explicação é a maior cobertura de plantas não cultivadas e a maior diversidade de espécies de plantas nas lavouras conduzidas em sistemas orgânicos.

Os autores referenciam que ganhos consideráveis na biodiversidade requerem reduções aproximadamente proporcionais no rendimento em sistemas agrícolas altamente produtivos. Ganha-se por um lado, perde-se por outro.

Em resumo, a biodiversidade das terras agrícolas está relacionada negativamente com o rendimento das culturas. Em vista disso, eles sugerem que, em paisagens agrícolas menos produtivas, os benefícios da biodiversidade podem ser obtidos por meio da concentração das explorações agrícolas orgânicas.

As plantas não cultivadas (que, na agricultura convencional, são chamadas de invasoras), que compõem a biodiversidade, beneficiaram-se substancialmente da agricultura orgânica. Nesse particular, os autores questionam se ganhos relativamente modestos de biodiversidade podem ser justificados pelas reduções substanciais na produção de alimentos utilizando a agricultura orgânica.

Menos rendimento, mais área: essa é uma questão crucial. Os autores apontam que os rendimentos menores dos sistemas de produção orgânicos resultam na utilização de áreas maiores de terra para a produção agrícola (localmente ou em outro local), a um custo de biodiversidade muito maior, como já haviam apontado outros autores (Goklany, na revista Science; e Hodgsonet e colaboradores, na revista Ecology Letters).

Uma das conclusões dos autores é que a agricultura orgânica deve ser encorajada em paisagens com baixo potencial produtivo, onde as diferenças de rendimento entre a agricultura orgânica e a convencional são menores. Em paisagens de alta produtividade, a agricultura orgânica não é uma forma de maximizar, ao mesmo tempo, a biodiversidade e o rendimento. Nesse caso, a maior produtividade (efeito poupa terra ou poupa floresta) pode ser mais benéfica à biodiversidade.

Do ponto de vista do agricultor, a menor produtividade das lavouras orgânicas é compensada pelo preço mais elevado do produto. Já para o consumidor isto pode ser uma limitação, resultando em nichos de consumo de produtos orgânicos que abarcam, essencialmente, as classes mais abastadas da população.

Um alerta importante dos autores: se os serviços ecossistêmicos precisarem ser especificamente mantidos em determinadas regiões de alto potencial produtivo, a indicação dos autores é a criação de reservas naturais conjuminada com políticas públicas de incentivos para manutenção da biodiversidade em paisagens agrícolas.

E aqui chegamos ao ponto que me motivou a escrever esse artigo: se, ao ler a indicação acima, alguém se lembrou do Código Florestal Brasileiro, das reservas legais e das áreas de proteção permanente implementadas legalmente no Brasil, está na direção correta. O Brasil é um exemplo em escala planetária de como integrar adequadamente a produção agrícola e a biodiversidade, bem como produtividade, rentabilidade e sustentabilidade.

Analisando-se a questão do ponto de vista de toda a extensão das propriedades rurais brasileiras, onde convivem áreas agrícolas e áreas de conservação, chegamos a um modelo prático de como obter o equilíbrio entre biodiversidade e produtividade agrícola.

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Quem cuida do cuidador?

14/01/2025 07h45

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Em muitas famílias que têm um membro com Alzheimer ou com alguma condição de dependência, invariavelmente, alguém precisa assumir o papel de cuidador. Esses indivíduos desempenham um papel vital, oferecem suporte emocional, físico e prático a quem mais precisa. Mas, quando o cuidador precisa de cuidados, será que alguém está atento a eles? Principalmente quando o papel de cuidador é entregue a um familiar, este invariavelmente sofre e, por mais que se dedique, não consegue reduzir as perdas do enfermo, principalmente dos portadores de Alzheimer. Este cenário descrevo em “O que Me Falta”, com base em experiências pessoais com a doença. 

Mesmo que os cuidadores sejam profissionais de saúde ou assistentes sociais, todos enfrentam desafios significativos. O desgaste do cuidador ou a síndrome de burnout são realidades preocupantes. Longas horas de trabalho, responsabilidades emocionais e a constante pressão para proporcionar o melhor podem levar à exaustão física e mental.

Sem um suporte adequado, os cuidadores correm o risco de negligenciar a própria saúde e bem-estar. O primeiro passo para apoiar o cuidador é reconhecer a importância do autocuidado. Isso envolve práticas diárias que promovem a saúde física e mental, como alimentação equilibrada, exercícios regulares e momentos de descanso. Além disso, é crucial que eles reservem um tempo para atividades que tragam prazer e relaxamento, como ler um livro, caminhar no parque ou meditar. 

Uma rede de suporte robusta é essencial. Isso pode incluir familiares, amigos e colegas de trabalho que compreendam as dificuldades enfrentadas diariamente. Grupos de apoio e comunidades on-line também desempenham um papel importante, ao oferecer um espaço para compartilhar experiências e trocar conselhos. A sensação de não estar sozinho nessa jornada pode fazer uma diferença significativa. 

O acesso a serviços profissionais de saúde mental é fundamental. Psicólogos, terapeutas e conselheiros podem oferecer orientação e estratégias para lidar com o estresse e as emoções complexas que acompanham o trabalho de cuidado. Sessões regulares de terapia podem proporcionar um espaço seguro para que os cuidadores expressem suas preocupações e encontrem mecanismos de enfrentamento eficazes. 

Empresas e instituições de saúde têm a responsabilidade de implementar políticas que apoiem os cuidadores. Isso pode incluir programas de bem-estar no local de trabalho, horários flexíveis e iniciativas de reconhecimento e valorização. Políticas públicas que garantam acesso a recursos financeiros e serviços de apoio também são cruciais para assegurar que possam continuar seu trabalho essencial sem sacrificar a própria saúde.

Cuidar de quem cuida é uma responsabilidade coletiva. Reconhecer suas necessidades, oferecer suporte e implementar políticas eficazes são passos fundamentais para garantir que aqueles que dedicam suas vidas a dar suporte aos outros recebam o apoio que merecem. Somente assim podemos construir uma sociedade mais equilibrada e compassiva, em que todos, inclusive os cuidadores, possam prosperar.

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Limite nas operações policiais: a última palavra é (necessariamente) do STF?

14/01/2025 07h30

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Nos últimos tempos, casos de violência policial têm ganhado ampla repercussão midiática, gerando impacto substancial na opinião pública. Neste contexto, como tem sido usual nos últimos anos para todo e qualquer assunto de importância no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez mais, foi chamado a se manifestar, arbitrando limites às operações das forças de segurança – dentro do reconhecido papel de guardião da Constituição e dos direitos fundamentais.

É com esta premissa que devemos ler a recente decisão (singular) do ministro Luís Roberto Barroso, que prevê, entre outras determinações, regramento específico para o uso de câmeras corporais por parte dos policiais militares do estado de São Paulo.

Embora seja imperioso reconhecer o importante papel das cortes constitucionais em ambientes institucionais em que o Estado Democrático de Direito ainda está em construção (e o STF, na realidade brasileira, já demonstrou seu relevo neste sentido), é extremamente necessário compreender que todos os demais polos de poder da nação (aqui, já incluídos os membros dos Poderes Legislativo e Executivo) têm, também, o dever de contribuir e zelar pelo cumprimento estrito das balizas constitucionais, em igualdade de condições (do ponto de vista prático) com os membros do Judiciário.

Com efeito, o papel de “guardião da Constituição” não é (ou deveria ser) único e, muito menos, privativo do STF e/ou de seus ministros, especialmente no desempenho de atividade jurisdicional singular.

A imposição de regras minudentes em operações policiais – que, a rigor, supostamente tencionam compatibilizar a equação “atividade estatal x direitos individuais fundamentais” – é construção que depende, também, de conhecimentos especializados e elementos técnicos próprios por parte dos agentes públicos encarregados de operacionalizar a lógica da seguranca pública.

Se, em alguma medida, a política pública de segurança, por exemplo, precisa ser ajustada ou corrigida, por qual razão devemos acreditar que tal papel caiba apenas ao Supremo?

É preciso sempre lembrar, afinal, que, embora com relevante função em nosso sistema de controle do poder, a autocontenção e o comedimento são características essenciais das cortes constitucionais – até mesmo levando em consideração que a fonte de legitimidade de atuação do STF não é oriunda do crivo das urnas.

No contexto das duras e estressantes ações de enfrentamento para a moderação do recrudescimento da violência e da criminalidade, é ainda necessário pontuar que todos nós (agentes públicos e sociedade) estamos atrelados ao devido processo legal.

Assim, é certo que há instrumentos suficientes para que eventuais ilegalidades e abusos sejam regularmente coibidos e punidos – sem que, para isto, partamos do equivocado pressuposto que agentes públicos, necessariamente, ajam de forma dolosa fora da lei e que, portanto, seja necessário tornar o STF árbitro (prévio) de tudo.

Pensar de maneira distinta é, segundo minha análise, conceder alcance apregoado ao Supremo daquele pensado em 1988, hipotecando, assim, nossa democracia para o crivo de 11 pessoas – ainda que bem-intencionadas.

Zelar pela Constituição é, em um ambiente colaborativo de qualidade efetiva, poder e dever de todos, dentro ou fora do Judiciário. Não podemos permitir, isto posto, que os demais polos de poder sejam subtraídos de suas responsabilidades constitucionais.

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