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OPINIÃO

Frederico Valente e Frederico Luis: "O Ribeirão das Botas no Dia Mundial da Água"

Frederico Valente e Frederico Luis: "O Ribeirão das Botas no Dia Mundial da Água"

Redação

22/03/2017 - 01h00
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Frederico Valente - Engenheiro, foi presidente da SANESUL e Secretário Nacional de Saneamento
Frederico Luis de Freitas Jr - Engenheiro, foi foi Secretário Municipal e Estadual de Meio Ambiente

Em meados da década de 70 a SANEMAT iniciou estudos visando solucionar os problemas relativos ao deficit no abastecimento de água de Campo Grande. Diversos mananciais superficiais foram estudados, porém cada um oferecia um problema, enquanto mesmo se sabendo da existência do Aquífero Guarani, não havia no mercado mundial equipamento com capacidade de extrair elevadas vazões em grandes profundidades. Próximo à área urbana da cidade somente o Ribeirão das Botas oferecia vazão suficiente para atender a meta de abastecer toda população prevista para o ano 2000.

Após várias consultas junto à opinião pública, a captação no Ribeirão das Botas foi descartada pela resistência da população, já que esse curso d’água passava pelo hospital de hansenianos. A solução então foi buscar água no Córrego Guariroba, distante 30 km da área urbana a um custo muito maior, de construção e de energia para bombeamento.

Os tempos mudaram, o hoje Hospital São Julião é centro de referência na América Latina, mas o Ribeirão das Botas continua relegado e é o único sem um sistema de proteção legal de que dispõem os outros córregos que abastecem a cidade.

Os principais mananciais de abastecimento de água de Campo Grande foram protegidos via a criação de Áreas de Proteção Ambiental (APAs).

Como unidade de conservação da categoria uso sustentável, a APA permite a  ocupação humana. Este tipo de unidade existe para conciliar a ordenada utilização da área e o uso sustentável dos seus recursos naturais. A ideia do desenvolvimento sustentável direciona toda e qualquer atividade a ser realizada em seus domínios.

APAs podem ser estabelecidas em áreas de domínio público ou privado, pela União, estados ou municípios, sem a necessidade de desapropriação das terras privadas. No entanto, as atividades e usos desenvolvidos nestas estão sujeitos a regras específicas.
A Área de Proteção Ambiental do Córrego Guariroba foi criada em 1995. Ela ocupa uma área de 360 km². O Guariroba é hoje o manancial mais importante de Campo Grande, sendo responsável por cerca de 50% da água que abastece o município. Distante 35 km do centro da Capital, a APA Guariroba pode ser acessada pela BR-262.

Já a Área de Proteção Ambiental do Córrego Lajeado, manancial que fornece, em média, 17% da água que abastece Campo Grande, ocupa 52,37 km², divididos entre áreas urbanas e rurais. Sua APA foi criada em 2001 com o objetivo de recuperar e conservar os recursos hídricos e proteger o ecossistema da região. Distante 10 km do centro da Capital, ela pode ser acessada pelas BR-262, BR-163 ou MS-060.

Também está protegida, a Área de Proteção Ambiental da bacia do Córrego Ceroula - APA do Ceroula - com extensão de aproximadamente 670 km², compreendida pela porção de sua bacia de drenagem existente no território do Município de Campo Grande, foi criada em 2001.

A APA do Ceroula foi criada com as finalidades de recuperar, proteger e conservar os cursos d’água que compõem a bacia do Córrego Ceroula e também de proteger os ecossistemas locais, suas paisagens notáveis, o solo e demais atributos naturais que possam ser considerados relevantes.

A bacia do Ribeirão das Botas tem ao redor de 582 km², com aproximadamente 58% desta área em Campo Grande, sendo cerca de 20 km² no perímetro urbano, e 42% no município de Jaraguari. A vazão média do Botas é de 7,86 m³/s no período de seca e de 8,98 m³/s no período de cheia, sendo este o último grande manancial de superfície que pode ser utilizado para abastecer Campo Grande.

Mesmo considerando que hoje já se tem tecnologia para extração de água do Aquífero Guarani, este deve ser preservado tanto quanto possível para a gerações futuras, daí a importância de se garantir a proteção do ecossistema do Ribeirão das Botas que, segundo “Estudo Quali-Quantitativo do Córrego Ribeirão das Botas em Campo Grande - MS” feito por equipe da UCDB em parceria com a Águas Guariroba, tem capacidade para abastecer 60% da população atual da cidade.

ARTIGOS

O que tem para dizer o MPF?

19/11/2024 07h45

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O que há de ser entendido no silêncio que o Ministério Público Federal (MPF) adotou – quando se calou e se mantém calado – diante da solução que os governos federal e estadual encontraram para pôr fim ao caso da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul?

Como é sabido, a questão abarcava conflitos violentos que vinham acontecendo há décadas entre indígenas e não indígenas. Esses conflitos foram desencadeados a partir da instrução do processo administrativo em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) demarcou – pela ocupação indígena em passado remoto que ela mesmo declarou – um território inteiro de terras particulares em Antônio João, até então, integralmente ocupado, possuído e explorado há quase um século por seus respectivos proprietários. 

O que amparava esses conflitos era a teoria do indigenato, de 1912, do ministro João Mendes, que pela ocupação indígena em passado remoto identificou a TI Ñande Ru Marangatu. Essa forma de identificação de terra indígena tem sido a causa das incontáveis invasões indígenas às terras particulares que ocorreram e que ocorrem todos os dias em MS e em muitas regiões do território nacional.

Lado outro, a Comissão Especial de Autocomposição do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo, o que leva concluir que a mais alta Corte de Justiça concorda com esse modus operandi de se identificar terras indígenas e o adota, como se tanto fosse possível, na solução das causas que julga envolvendo matéria indígena. O exemplo mais recente envolve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC.

Aliás, a Corte faz confusão quando identifica terras indígenas. Ora adota a teoria do indigenato, ora adota a sua própria interpretação, proclamada na assertiva de que a “configuração de terras ‘tradicionalmente ocupadas’ pelos índios já foi pacificada com a edição da Súmula nº 650, que dispõe: ‘Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto’”.

Notadamente, o STF relativizou ainda mais o direito de propriedade constitucional diante da matéria indígena, proclamando que, uma vez constatada a ocupação indígena em passado remoto, não há que se invocar o direito de propriedade, o título translativo nem a cadeia sucessória do domínio como defesa. Em resumo, o posicionamento extremo do Supremo é de que a ocupação indígena – seja ela presente, seja ela em passado remoto (indigenato) – define a terra indígena da União. 

A seu turno, por que o MPF – ferrenho defensor dessa ordem jurídica – deixou que os governos federal e estadual pagassem aos particulares pelas terras indígenas que ocupavam e exploravam no distrito de Campestre, em Antônio João? Com a palavra, o MPF em Mato Grosso do Sul!

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ARTIGOS

A resiliência e a fé

19/11/2024 07h30

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Os desafios diários enfrentados por quem atua na proteção da natureza têm se tornado uma enorme prova de resistência e fé. As condições climáticas extremas, impulsionadas pelas altas temperaturas, ameaçam nossas reservas com o fogo e penalizam a fauna e a flora – já impactadas pela reincidência de incêndios violentos desde 2020.

Percebo que a fauna enfrenta o pior processo de extinção desde o período em que conseguimos a vitória no controle da caça, do tráfico de animais silvestres e da pesca predatória na década de 1980. O cenário atual é de destruição de habitat natural, em que espécies estão sendo dizimadas de forma assustadora, especialmente répteis e insetos. As chamas estão tão intensas que, somadas aos ventos fortes, invadem todos os lugares: locas, copas das árvores, etc, persistindo por meses de forma impiedosa.

Não há dúvidas de que estamos perdendo essa batalha. Somente neste ano já ultrapassamos os 3 milhões de hectares queimados. Esse trágico número foi alcançado mesmo com o empenho de recursos financeiros nas ações de combate, que certamente superam R$ 1 bilhão – entre os investimentos dos governos federal e estadual.

Nunca tivemos – em um histórico de 40 anos – uma infraestrutura de combate tão ampla, incluindo recursos humanos, equipamentos de logística, helicópteros, caminhões e embarcações. É importante destacar o trabalho pioneiro da Famasul, que contabiliza os prejuízos na produção das fazendas no Pantanal, já ultrapassando R$ 50 milhões.

Como podemos ser mais eficientes se nossa capacidade financeira já extrapola seus limites dos desafios e a força humana se mostra insuficiente, em algumas situações até incapaz? Estamos enfrentando algo sem precedentes e que excede nossa capacidade de resposta.

Não devemos nos omitir na identificação dos responsáveis. Eles existem, embora sejam poucos. Ainda assim, acredito que não haverá melhoras significativas na questão comportamental apenas com multas milionárias e possíveis prisões. 

A experiência de outros países, como Portugal e Austrália, nos indica que o ímpeto punitivo não traz uma solução completa. Esses países já lidam com incêndios gigantescos e perdas de vidas humanas em virtude deles há mais de 20 anos.

O mais impressionante – e certamente mais doloroso que as próprias chamas – são as acusações equivocadas e a ignorância de alguns que associam o crescimento dos incêndios às reservas de proteção. Ao contrário, as poucas áreas protegidas no Pantanal (menos de 5%) têm estruturas para evitar incêndios e ações preventivas em seus planos de trabalho, como a presença de brigadas.

Podemos reduzir a escalada dos incêndios ano após ano se implementarmos outras estratégias que não se restrinjam ao combate ao fogo, mas que incluam 
a prevenção. Devemos reconhecer que nossos planos atuais não estão trazendo os resultados esperados e que não será somente o aumento dos investimentos financeiros que nos trará a solução.

O ponto crítico é como um dos biomas mais preservados (cerca de 85%) passou a ser um grande emissor de gás carbônico no País. Os fenômenos naturais são impactados negativamente pelas condições climáticas extremas. Essa situação ameaça nosso bioma e exige novas estratégias que unam ciência e competência para enfrentar esses fenômenos sem precedentes.

Restaurar ao proprietário formas de manejo do fogo pode ser uma alternativa. Eles podem ajudar. Ao mesmo tempo, com mais tecnologia e grupos de ação de combate ao fogo, equipados com boa logística e equipamentos adequados, podemos reduzir o tempo de resposta. Não podemos desistir e precisamos ter fé e resistência para rever nossa relação com o planeta.

Poderíamos, em um gesto responsável, olhar e fazer algo pela nascente do Rio Paraguai. Não sou pessimista, mas talvez apenas a desesperança e o senso de urgência possam nos salvar.

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