Na década de 1980, uma cena circulou pelo mundo: a coleção de sapatos de Imelda Marcos. As câmeras registraram os aposentos da ex-primeira-dama das Filipinas, logo depois que seu marido, o ditador Ferdinand Marcos, fora deposto. Foram encontrados cerca de 3 mil sapatos nos quartos da mansão presidencial. Imelda levou ao extremo algo comum de ser observado: as mulheres, de modo geral, não se contenta com pouco quando o assunto é calçado. Segundo a administradora de empresa catarinense Vanessa Tobias, que fez pesquisa em vários estados ouvindo 518 mulheres, em média, cada uma tem no seu armário cerca 32 sapatos. “Isso independente do nível social. Há casos de mulheres que chegam a ter mais de 200, mas são exceções, assim como aquelas que tem 10, mas a grande maioria tem mais 30”, aponta Vanessa, que fez a pesquisa para dissertação de mestrado. A jornalista Elaine Prado Bechuate, 23 anos, não foi entrevistada por Vanessa, mas poderia, já que suas respostas se encaixariam com precisão aos números obtidos na pesquisa. “Não sei ao certo quantos sapatos tenho, mas, com certeza, são mais de 30 pares. Sou compulsiva quando o assunto é sapato, já cheguei a comprar 5 numa ú n ic a vez , m a s quero esclarecer que depois fiquei muito tempo sem comprar”, defende- se de possível crítica quant o a o hábito consumista. Outra que poderia se enquadrar no perfil detectado pela administradora é a comerciante Aline Alves Marques de Souza, 28 anos. “Passo pela vitrine, se me atrai, compro. Acho o sapato um acessório indispensável e tem que agradar totalmente.Tenho esse fascínio desde a adolescência”, aponta Aline. Foi nesta mesma fase que os sapatos começaram a chamar atenção da advogada Sandrelena Sandim Silva. “Depende da época, compro mais ou compro menos. Não contabilizei quantos tenho no momento, mas deve estar na casa dos 40”. Diz que chegou comprar duas cores diferentes do mesmo modelo e também, assim como as outras entrevistadas, tem a impressão, de que mesmo com grande quantidade de sapatos, na hora de sair, não tem um adequado para o momento. “Isso sempre acontece”, enfatiza. “Com certeza, na hora de sair, muitas vezes, parece que não tem nenhum que vai combinar”, avalia Elaine. No caso dela, outro aspecto chama atenção. “Cheguei a comprar um sapato que somente fui usar quase dois anos depois. Não é difícil acontecer situações desse tipo comigo”. Aline tem 15 sapatilhas coloridas e diz que quando tiver sua filha acha que passará o gosto pelos sapatos. “Já ficou olhando nas lojas sapatos pequenos que ela poderia usar”. A administradora Vanessa diz que o gosto por sapatos também é hereditário. “Minha mãe é uma grande consumidora de sapatos, peguei o gosto. A pesquisa iniciou por minha causa mesmo. Queria entender o meu comportamento com relação aos calçados”. Para ela, as mulheres criam “visões” sobre si mesmas, nas quais idealizam uma situação perfeita e o sapato participa desse processo. “O sapato traz muitas emoções. O mais interessante é a porta para essas emoções pode ser facilmente adquirido em qualquer loja. Se não tem dinheiro para adquirir à vista, a mulher pode fazer à prestação. O apelo dele e muito rápido”, observa Vanessa. O coordenador técnico da Unidade Senac Beleza e Moda e consultor, Julian Medina, diz que a indústria se aproveita desta situação e sempre coloca à disposição do público feminino várias tendências. “O sapato faz parte da natureza da mulher e as indústrias sabem como atuar no desejo delas, lançando sempre novos produtos. A bolsa também é acessório que as mulheres têm fixação”. Julian acredita que o sapato valoriza a imagem da mulher. “Uma roupa usada com sapato novo possibilita um bom ‘look’, mas o contrário não fica bem”, sentencia. Para o designer brasileiro Fernando Pires, o universo dos contos de fadas é o maior culpado por essa obsessão das mulheres. “Desde criança, as mulheres descobrem que, junto com o sapatinho de cristal e o salto alto, vem um príncipe encantado e um castelo”, brinca Pires. A jornalista italiana Paola Jacobbi avalia que, num universo individualista como o da moda, o sapato foge ao padrão estabelecido. “O calçado é democrático, não põe em discussão o corpo. Calçam as gordas, magras, feias ou bonitas, supermodelos ou meras mor t a i s. Você pode se encaixar em qualquer padrão e ter o sapa- to que bem entender”, finaliza.