O pronunciamento infeliz que o deputado estadual João Henrique Catan (PL) fez, na manhã de terça-feira (7), na tribuna da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems), quando exibiu o livro “Mein Kampf” – “Minha Luta”, em português –, do ditador nazista alemão Adolf Hitler, pode acabar lhe custando o mandato.
O grupo Prerrogativas, formado por juristas, advogados e defensores públicos de várias partes do Brasil, informou ontem (8) ao Correio do Estado que pretende anexar a fala do parlamentar sul-mato-grossense à petição protocolada no dia 17 de janeiro deste ano no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na época, a petição solicitava a anulação da diplomação, o impedimento da posse e a instauração de inquérito policial contra o próprio João Henrique Catan e contra os parlamentares Rafael Tavares (PRTB), Dr. Luiz Ovando (PP), Marcos Pollon (PL) e Rodolfo Nogueira (PL) por supostamente terem apoiado, nas suas redes sociais, os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro, em Brasília (DF).
Porém, no dia 29 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, rejeitou o pedido, acatando parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se posicionou contra a solicitação.
A manifestação foi assinada pelo subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, alegando que os deputados tinham prerrogativas constitucionais, imunidade formal e material, conforme previsto na Constituição, desde a diplomação que aconteceu em dezembro.
O ministro do STF também negou o pedido de abertura de um novo inquérito policial contra os deputados, alegando ausência de justa causa, e determinou o envio dos documentos anexados ao processo para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para que o Conselho de Ética tome as providências cabíveis. Moraes justificou também que já tramitam na Suprema Corte alguns inquéritos para apurar responsabilidades de todos os envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro, incluindo alguns parlamentares citados na ação.
FATO NOVO
No entendimento do coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, o pronunciamento de João Henrique Catan, que foi transmitido ao vivo pelo canal de televisão da Alems, é um fato novo, que corrobora o ataque frontal que a democracia brasileira sofreu por criminosos que invadiram e destruíram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o prédio do STF, podendo reforçar, agora, a cassação do mandato.
Ele frisou que os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro deste ano causaram danos ao patrimônio histórico, na tentativa absurda de desestabilizar a Estado de Direito e, por meio de um golpe de Estado, estabelecer um regime de exceção, impedindo o exercício do mandato pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que foi democraticamente eleito e devidamente diplomado e empossado no dia 1º de janeiro.
“Ouvi todo o discurso do deputado estadual e considerei um desastre completo. Pirotecnia que queimou o próprio orador e mostrou o grau de despreparo cultural do atual quadro de parlamentares do Brasil. Não se deve falar em nazismo, a não ser para condená-lo com veemência como uma das maiores aberrações da história da humanidade”, disse Marco Aurélio, ressaltando que Adolf Hitler foi o responsável por um regime totalitário que dizimou milhões de judeus na Europa.
O advogado destacou ainda que, no Brasil, a apologia ao nazismo é crime previsto em lei com pena de reclusão, segundo a qual é crime o uso dos símbolos nazistas ou a propaganda desse regime.
“Infelizmente, a democracia representativa permite que personagens de obtusa inteligência e culturalmente indigentes sejam eleitos. A fala do deputado envergonha o parlamento a que pertence e despreza a vida de mais de seis milhões de pessoas assassinadas pelo regime liderado pelo autor do livro, cujo nome me recuso a declinar”, argumentou.
REINCIDENTE
O deputado estadual João Henrique Catan é reincidente em ações que podem ser classificadas de quebra de decoro parlamentar, pois, em maio do ano passado, ele realizou disparos com uma pistola, diretamente de um estande de tiros, durante uma sessão remota, enquanto votava pela aprovação de um projeto de lei, de sua autoria, que legitimava os colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) como atividade de risco.
Na ocasião, enquanto anunciava os argumentos do seu voto, o parlamentar disparou sua pistola várias vezes e afirmou que os disparos eram uma “advertência ao comunismo”.
Ele acabou apenas sendo repreendido pelo então presidente da Casa de Leis, deputado estadual Paulo Corrêa (PSDB), e o Conselho de Ética não chegou a ser acionado para analisar o comportamento lamentável do parlamentar.
Apesar dessa reincidência, na manhã de ontem, o deputado estadual Pedro Kemp (PT) afirmou que a fala de Catan repercutiu de forma equivocada e que em momento nenhum o colega elogiou o líder nazista Adolf Hitler.
“Longe de defender o deputado, porque eu tenho muitas diferenças com ele, mas o Catan não fez apologia ao nazismo, ao Hitler e nem ao livro”, argumentou.
O deputado petista sugeriu que o colega do PL quis comparar o fato de o requerimento dele não ter sido aprovado por orientação do governo. “Ele quis comparar o governador a Hitler, que tentou calar o parlamento alemão”, afirmou.
Para Pedro Kemp, o erro de Catan foi ter utilizado o livro em sua defesa. “O que eu achei que foi infeliz da parte dele foi utilizar aquele livro. Livro que já foi até proibida a circulação e a venda. De fato, é um livro que incita o ódio”, declarou.
Em entrevista coletiva, também ontem, Catan afirmou que se trata de uma “fake news” e que processará veículos de comunicação da mídia nacional, como revista Veja, UOL, Band, Jornal Metrópoles e IstoÉ.
“Tenho capas dizendo que eu exaltei Hitler, quando a minha fala é inteira antagônica. Eu mostrei que o parlamento europeu após a vitória dos aliados, na 2ª Guerra Mundial, assumiu o protagonismo do país, quer dizer, a saída foi democrática, a saída foi o parlamento”, afirmou.
Segundo o deputado, mostrar o livro foi uma forma de chamar a atenção para a atuação do governo de Mato Grosso do Sul.
Durante a sessão, Catan comparou ações do governo de Eduardo Riedel (PSDB) com atitudes nazistas e criticou o chefe do Executivo estadual.
“Eu disse: essa construção maciça da base de apoio do governo aqui está ateando fogo nas funções do parlamento, sem a gente precisar esperar ver queimar esse prédio, e cair em ruínas”, explicou.
O governo do Estado havia orientado sua base a votar contra um requerimento de João Henrique Catan, que visava detalhar as contratações com cargos comissionados do Estado.




