A Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) entrou com recurso contra a decisão judicial que determinou a suspensão de pagamento e aplicação de multas dos últimos 12 meses em Campo Grande, usando de “muleta” as mortes nas ruas de Campo Grande, para dar continuidade no contrato com o Consórcio Cidade Morena sem que houvesse aditivo, que se encerrou no dia 5 de setembro do ano passado, e não foi publicada uma renovação.
No pedido de efeito suspensivo, a pasta reforça que a manutenção da decisão do juiz Flávio Renato Almeida Reyes é prejudicial à segurança e saúde da população, visto que os radares eletrônicos agem como um fiscalizador e, consequentemente, um agente atenuante de atitudes erradas no trânsito campo-grandense.
“A sua manutenção acarreta grave e irreparável dano à ordem, à segurança e à saúde pública, configurando o chamado periculum in mora reverso. Que coloca em risco a segurança viária e a vida da população. A ausência de fiscalização contínua e eficaz levará a um aumento previsível de acidentes, lesões e óbitos, configurando um dano público muito maior do que aquele supostamente evitado”, afirma a Agetran.
Segundo levantamento enviado pela própria agência municipal à reportagem, do dia 1º de janeiro a 18 de setembro deste ano, Campo Grande registrou 45 mortes no trânsito, dos quais 33 eram motociclistas, 9 pedestres, 2 motoristas e um passageiro. Até o momento, os meses de maio e julho foram os mais fatais, com sete óbitos cada.
Em comparação com o mesmo período do ano passado, nos nove primeiros meses de 2024, ocorreram 55 mortes nas ruas campo-grandenses decorrentes de acidentes, 18% a menos do que o registrado este ano. Porém, é importante ressaltar que este mês ainda não chegou ao fim, então, esta diferença de um ano para outro pode diminuir.
Ainda na argumentação, a pasta explica que o monitoramento eletrônico auxilia em operações, ações e atividades das forças especiais, como a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil e Guarda Civil Metropolitana, o que a Agetran descreve ser um grande prejuízo à segurança da Capital.
“A fiscalização de trânsito, seja por meio eletrônico ou manual, é um serviço público essencial, vinculado ao poder de polícia, cujo objetivo primordial é a segurança viária. Suspender essa atividade, ainda que provisoriamente, é colocar em risco a incolumidade física de motoristas, motociclistas e pedestres, ou seja, de toda a população, e fere o princípio da finalidade da Agetran”, afirma a pasta no decorrer da argumentação no pedido de efeito suspensivo.
A Agetran ainda afirma que sua função é apenas acessória neste processo de multas, e que a aplicação delas é de responsabilidade do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul (Detran-MS).
Diante disso, a pasta afirma que a decisão judicial é “materialmente inexequível, além de juridicamente equivocada”. “A competência exclusiva para a aplicação das penalidades administrativas e lançamento de pontuação nos prontuários de condutores é do Detran-MS, o que evidencia a ilegitimidade da Agetran e a impossibilidade prática de cumprimento da decisão”.

ESSENCIAL?
Durante diversos trechos do recurso, a Agetran afirma que a fiscalização de trânsito é uma atividade essencial para a vida humana, como observado em alguns pontos mencionados nesta reportagem. Porém, o advogado e subscritor da ação popular movida pelo ex-prefeito e vereador Marquinhos Trad (PDT), Valdir Custódio, não concorda com essa descrição da pasta sobre a atividade dos radares eletrônicos.
“O serviço de fiscalização eletrônica não é um serviço essencial. Serviço essencial é aquele que se destina a toda a população de uma forma ampla e restrita e que impacta diretamente na saúde das pessoas. Então, quando a gente fala de coleta de lixo, quando a gente fala de transporte, a gente tá falando de saúde, de bem-estar, de segurança sanitária. Trânsito, a Agetran pode muito bem continuar cuidando da segurança do trânsito, da segurança viária, com a equipe de agentes e com a estrutura material que ela tem”, explica.
Além disso, o advogado voltou a “bater na tecla” de que é necessário uma concessão para que seja legal essa cobrança feita pelos radares, o que não teria sido feito desde o dia 5 de setembro do ano passado, quando o contrato entre a Prefeitura de Campo Grande e o Consórcio Cidade Morena chegou ao fim.
“Essa concessão já expirou, o contrato já venceu, e realizar a delegação desse poder de polícia sem a existência de um instrumento contratual válido é uma ilegalidade e é uma improbidade administrativa flagrante. Aplicar uma multa com o objeto da delegação de um poder de fiscalização em matéria de trânsito, sem a existência de um contrato válido, é uma ilegalidade, é um absurdo e é uma afronta ao cidadão de bem campo-grandense”, destaca Valdir Custódio ao Correio do Estado.
CONTEXTO
De 2018 a 2024, a gestão desses equipamentos em Campo Grande foi feita pelo Consórcio Cidade Morena, que anotou o máximo de aditivos permitidos no período, sete no total, que somaram R$ 54.820.284,75.
Porém, no dia 5 de setembro do ano passado, este contrato terminou. Mesmo assim, os radares continuaram multando os campo-grandenses após o término do acordo, mas sem nenhuma oficialização de renovação no prazo, o que seria ilegal.
Em maio, a Prefeitura de Campo Grande lançou a licitação para empresas interessadas em administrar o monitoramento eletrônico da cidade, com gasto estimado em R$ 50.255.742,97. Três meses depois, a empresa paulista Serget Mobilidade Viária venceu o processo licitatório, com um lance de R$ 47.994.235,00, um deságio de 4,5% em relação ao previsto pelo executivo.
Curiosamente, esta “nova empresa” vencedora não é tão nova assim. O Consórcio Cidade Morena era formado por três empresas: Perkons SA, Fiscal Tecnologia e Automação e Serget Mobilidade Viária Ltda. Ou seja, a gestão dos radares passou das mãos de três empresas, para apenas uma delas.
Os radares de Campo Grande foram desligados no último dia de agosto. Os aparelhos foram desligados para que haja a troca para os novos equipamentos da empresa vencedora. Portanto, em teoria, as infrações no trânsito estão sendo autuadas apenas pelos Guardar, visto que o monitoramento eletrônico está fora do ar.




