Ele relatou ao Diário Online o esforço da Casa de Candomblé Ilê Afro Axé Orixá, que participa desde o início das manifestações, juntamente com entidades ligadas à cultura afro-descendente na cidade como o Imnegra (Instituto da Mulher Negra do Pantanal), IMKOP (Instituto Madê Korê Odara do Pantanal), grupo de capoeira Cordão de Ouro, a seccional da FECAMS (Federação de Cultos Afro-brasileiros e Ameríndios de Mato Grosso do Sul) e Acoglet (Associação de Gays Lésbicas e Travestis) para sensibilizarem a maior autoridade católica local a repensar a decisão. Segundo o babalorixá na última sexta-feira, 23 de dezembro, após uma reunião na sede do Imnegra, uma delegação foi escolhida para dialogar com o bispo diocesano de Corumbá, Dom Martinez Alvarez.
"Fomos até à casa do bispo que nos recebeu muito bem, entretanto, ele manteve a decisão de não permitir a realização da missa, inclusive recebi uma pergunta dele me questionando por que não lavávamos a escadaria da igreja evangélica. Lembrei ao bispo que não foi o evangélico que pegou o negro contra a vontade dele e o batizou na época do Brasil colônia, tirando o nome original para substituir pelo nome derivado do santo católico do dia do batismo. Lembrei que quem lavava as igrejas, quem bordava as vestimentas dos sacerdotes católicos, quem colhia as uvas para se transformarem no vinho da consagração eram os negros", disse, e aproveitou para também fazer questionamentos.
"Eu me senti discriminado e pergunto: será que é porque é uma religião afro-descendente? Será porque são as vestes afro-brasileiras que visto? Ou será que é porque é a religião que mais agrega o público LGBT?", argumentou Clemílson. "Ele deixou claro que não aceita nossas roupas dentro da igreja e daí eu pergunto será que quando estou com um determinado tipo de roupa, esse Deus não me enxerga? Esse Deus não consegue me enxergar atrás de uma roupa? Eu creio que ele consegue enxergar meu coração, a bondade que tem dentro de mim", ponderou o babalorixá que reforçou o propósito da lavagem precedida da missa na igreja.
"Era para mostrar para o nosso público que acredita num Deus vivo, a unificação de duas religiões ou pelo menos o respeito de uma pela outra em busca de tirar os jovens das coisas ruins. Nós tínhamos conseguido fazer isso em Corumbá, com o apoio do prefeito, da Fundação de Cultura do Pantanal de Corumbá, e principalmente, da comunidade católica", ressaltou ao destacar que há 4 anos a celebração da missa e a lavagem da escadaria entraram para o calendário de eventos da cidade.
"Quando começamos era algo pequeno apenas 30 fiéis, hoje, cerca de 1.500 pessoas participam direta ou indiretamente. De antemão me preocupei muito com a população da cidade, do estado, e hoje posso falar do Brasil porque muita gente está vindo como, ano passado, tínhamos moçambicano, japonês, vendo a missa com a lavagem. Jornais de outras cidades e hoje, peço à comunidade, principalmente, a católica que esteja lá porque a missa era considerada um momento de unificação", conclamou. O babalorixá afirmou que a atitude da Diocese motivou a organização de uma movimentação contra os atos discriminatórios na cidade.
"Após a lavagem vamos marcar outra reunião com todos os presidentes de ONG's para sensibilizar contra a discriminação. Vai ser um retrocesso a favor da discriminação, da discórdia de povos se nós aceitarmos isso de forma calada", disse ao informar que uma passeata está prevista para ocorrer na primeira quinzena de janeiro.
Bispo diocesano mantém decisão
Procurado pela reportagem do Diário, o bispo diocesano Dom Martinez afirmou ter se reunido com os representantes de religiões de entidades que zelam pela cultura afro-brasileira e manteve seu posicionamento já detalhado em matéria publicada neste mesmo jornal no dia 15 de dezembro.
"Quando tomamos uma decisão, ela não é leviana, é fruto de ponderação. Tomamos não pensando em voltar atrás. Repito que, com base na opinião de alguns fieis, e no que acontece na Bahia, que também não abre as portas (da igreja), nós decidimos por não realizar a missa no dia 30 de dezembro na igreja Matriz. Nós não queremos ser diferentes do Brasil, não queremos inventar moda", declarou.
O bispo aproveitou para esclarecer que não confere ao padre da igreja Matriz a decisão celebrar ou não a missa."Os horários de missa, não somente nessa igreja, mas em todas as comunidades quem decide é o pároco, entretanto, sobre a missa do dia 30, na Nossa Senhora da Candelária, já havia a orientação e pela repercussão da decisão, o caso foi parar num canal de TV onde o padre deu uma entrevista, o que levou muita gente a pensar que a decisão foi dele, mas a decisão foi minha", assumiu.
Em entrevista anterior, o bispo disse que "com as religiões de cunho africano, a comunhão conosco não chegou ao ponto de compartir a eucaristia. Não é que haja animosidade, em absoluto, mas nosso nível de comunhão ainda não é tão profundo para podermos compartir a eucaristia que, para nós, é momento de comunhão mais profundo dentro da igreja católica".
A reportagem também entrou em contato com a administração da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, que informou que não realiza missa para o cortejo de candomblecistas no dia dedicado ao santo. Segundo a administração, o padre recepciona o cortejo com uma réplica da imagem do Nosso Senhor do Bonfim, abrindo o átrio (área externa cercada) da igreja, onde acontece a lavagem das escadarias.