Há 54 anos, quando foram fechadas as comportas da hidrelétrica de Mimoso, no Rio Pardo, no município de Ribas do Rio Pardo, formou-se um lago de 1.540 hectares, que se estende por quase 40 quilômetros rio acima. De alguns meses para cá, porém, um fenômeno nunca antes visto tem assustado proprietários da região. Boa parte deste imenso lago está tomado por plantas aquáticas.
Proprietários de imóveis da região ouvidos pelo Correio do Estado não escondem seu espanto com a rapidez com que estas plantas se desenvolveram nos últimos meses. Nestas décadas todas nunca foi visto nada parecido e de uma hora para outra o gigantes lago praticamente sumiu, relata um deles.
Para efeito de comparação sobre o tamanho do lago e da grande quantidade de plantas, o Lago do Amor, em Campo Grande, tem em torno de 7 hectares. Ou seja, o lago de Mimoso equivale a cerca de 220 Lagos do Amor.
Embora não exista laudo apontando as causas do problema, técnicos do Imasul que percorreram a região nas últimas duas semanas admitiram a possibilidade de o crescimento destas plantas aquáticas ter ligação com o despejo de dejetos da fábrica de celulose da Suzano no Rio Pardo.
A represa fica a cerca de 40 quilômetros rio abaixo do local onde está a fábrica de celulose. Na megafárbica, a maior do mundo, foram investidos R$ 22,3 bilhões e são produzidas 2,55 milhões de toneladas de celulose por ano.
Toda a água utilizada pela fábrica é retirada do Rio Pardo e os rejeitos são novamente despejados no leito, que é represado alguns quilômetros abaixo.
A estação de tratamento de esgoto da fábrica tem capacidade para 9,5 mil metros cúbicos por hora (9,5 milhões de litros). Ou seja, diariamente a fábrica capta em torno de 200 milhões de litros de água e 90% disso é devolvido para o rio depois do processo de branqueamento da fibra de madeira.
O volume de água utilizado na fábrica equivale a cerca de 70% de toda a água tratada distribuída em Campo Grande diariamente. Quer dizer, a fábrica da Suzano produz quase o mesmo tanto de esgoto que todos os 900 mil habitantes de Campo Grande juntos.
Por conta da necessidade do uso de grandes volumes de água, todas as fábricas de celulose são construídas às margens de grandes rios. A unidade da Arauco, em Inocência, que vai utilizar 250 milhões de litros de água por dia, está sendo erguida às margens do Rio Sucuriu. As unidades da Suzano e da Eldorado, em Três Lagoas, estão às margens do Rio Paraná. A de Bataguassu, da Bracell, ficará às margens do Rio Paraná.
Na concessão do licenciamento da Suzano em Ribas do Rio Pardo, a empresa garantiu que trataria os efluentes para evitar contaminação da água. A própria empresa explica que faz a captação abaixo do local onde ocorre o despejo dos dejetos para demonstrar que estes rejeitos estão corretamente filtrados e purificados antes de serem despejados no Rio Pardo.
A fábrica está oficialmente em operação desde julho de 2024. Coincidência ou não, a proliferação acelerada das aquáticas começou depois desta data, relatam proprietários de imóveis que costumavam utilizar o lago para esportes aquáticos e que agora estão impedidos de fazê-lo.
Dezenas de famílias investiram em casas de campo às margens do lago ao longo das últimas três décadas. Em vídeo que pode ser visto abaixo, um destes proprietários faz um apelo às autoridades para que providências sejam adotadas (veja o vídeo).
VISTORIA
Os técnicos do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) que percorreram ranchos e fazendas da região nas últimas semanas relataram aos moradores que não descartaram a possibilidade de as plantas serem uma consequência do despejo deste esgoto da fábrica, já que ele é rico em nutrientes (principalmente fósforo) que facilitam o crescimento desta vegetação.
Porém, segundo os proprietários, estes mesmos técnicos também destacaram que o rápido assoreamento do lago, que não tem elo direto com a fábrica da Suzano, pode ser outro fator determinante para explicar o fenômeno da proliferação acelerada das plantas.
E, se existe assoreamento, explicaram os técnicos do Imasul aos proprietários, é sinal de que existem atividades agrícolas rio acima que não existiam anos antes. E, estas atividades agrícolas, explicaram, provavelmente utilizam uma série de fertilizantes, os quais também podem estar causando o fenômeno da multiplicação das plantas.
Porém, estas atividades agrícolas também estão, em sua maioria, diretamente ligadas à produção de eucaliptos e de celulose que tomou conta da região nos últimos anos.
Segundo Andrei Luiz, morador de Ribas do Rio Pardo, as plantas tomaram conta de pelo menos 20 quilômetros do lago. Elas se concentram principalmente no pé da barragem, mas quase toda a represa está tomada, destaca ele.
Elas podem ser vistas desde a foz do rio São Félix, um dos afluentes do Rio Pardo que deságua no rio maior em torno de 20 quilômetros acima do local onde estão instaladas as turbinas com capacidade para gerar 29,5 MW de energia elétrica.
Dependendo da velocidade e da direção dos ventos, estas plantas se deslocam de um local para outro, mas o fenômeno é assustador e preocupante o tempo todo em praticamente todo o lago.
Ao todo, o lago tem 37 quilômetros de extensão e capacidade para represar 71,6 bilhões de litros de água, conforme previsão feita à época da inauguração da Usina Mimoso, em 1971. Por conta do assoreamento, porém, este volume de água é bem menor atualmente.
O grande volume de plantas ameaça até mesmo o funcionamento da hidrelétrica. Conforme nota divulgada na quinta-feira (2) pelos controladores da usina, a empresa recebeu autorização do Imasul para aumentar a vazão de água em seu reservatório para que parte destas plantas seja levada pela correnteza rio abaixo.
Em nota, a empresa responsável pela hidrelétrica, informou que a usina deverá executar a liberação controlada de água para dispersar as plantas acumuladas no reservatório e preservar tanto a operação da usina quanto o equilíbrio do ecossistema local.
O que dia a Suzano
A companhia reafirma seu compromisso com a segurança e a qualidade no tratamento de efluentes em todas as suas unidades. Na Unidade de Ribas do Rio Pardo, todos os efluentes industriais são tratados na Estação de Tratamento de Efluentes (ETE), retornando ao rio Pardo com qualidade que não apenas atende, mas é mais restritiva que os limites legais vigentes e cujos resultados são entregues e monitorados pelo órgão ambiental responsável.
Para demonstrar nosso compromisso com a conservação dos recursos naturais, destacamos que o sistema de captação de água da unidade está localizado a jusante do ponto de lançamento dos efluentes tratados. Isso significa que utilizamos a própria água que devolvemos ao rio, garantindo sua qualidade.
A companhia ressalta ainda o seu compromisso com práticas florestais sustentáveis e responsáveis, garantindo que o uso de fertilizantes em nossas plantações de eucalipto não representa nenhum risco para os rios ou lençóis freáticos. Os fertilizantes são aplicados de forma controlada e subsuperficial, o que significa que são colocados abaixo da superfície do solo. Essa técnica, aliada à dosagem precisa, assegura que os nutrientes sejam utilizados de maneira eficiente pelas plantas, eliminando perdas e evitando qualquer possibilidade de contaminação das águas.
Em particular, o fósforo (P), um dos nutrientes essenciais, possui uma mobilidade extremamente baixa no solo. Ele se adere fortemente às partículas de argila, o que praticamente elimina o risco de ser levado para os cursos d'água. Além disso, nossas práticas de conservação do solo são reconhecidas como referência no
combate à erosão. O cultivo mínimo do solo, uma técnica amplamente adotada, contribui significativamente para a preservação da estrutura do solo e a prevenção de processos erosivos. Ressaltamos, ainda, que nossas operações florestais são conduzidas com o mais alto padrão de responsabilidade ambiental e possuem
certificação FSC (Forest Stewardship Council) e Ceflor, garantindo que seguimos rigorosos critérios de manejo sustentável.”
(Nota da Suzano incluida na reportagem às 10:45 horas do dia 05)
Confira o antes e depois




