Você já pensou que a crise da Previdência poderia ter um impacto menor sobre o erário público se a saúde do trabalhador não fosse negligenciada? Já imaginou que, antes de chegar ao pedido de aposentadoria ou de auxílio-doença, milhares de brasileiros sofrem por anos com adoecimento precoce e recorrente?
Essas questões têm sido ignoradas historicamente. Pouco se fala sobre isso, dando-se ênfase apenas ao problema – o deficit previdenciário –, sem buscar soluções para suas causas, o que ajudaria a minimizar danos individuais que resultam em uma alta fatura para todos. Como mostram os dados, esse enredo poderia ser outro se a saúde ocupacional fosse tratada como prioridade.
Somente em junho deste ano, mais de 330 mil brasileiros maiores de 18 anos solicitaram ao governo o afastamento de suas atividades profissionais. Desse total, 76% dos benefícios concedidos pelo INSS foram motivados por doenças, um número que se repete mês após mês, com pequenas variações, compondo um ciclo silencioso de alto impacto econômico e social.
Lesões por esforço repetitivo, dores lombares e doenças crônicas recorrentes ocupam o topo do ranking dos motivos de afastamento. Com elas, aparecem os transtornos mentais e comportamentais que, segundo pesquisas recentes, entre 2006 e 2021, levaram mais de 3,2 milhões de brasileiros a pedirem o afastamento do trabalho, número que disparou após 2019, sendo mais um reflexo da pandemia de Covid-19.
Contra essa distorção, a medicina do trabalho, frequentemente lembrada apenas nas fases de admissão e demissão de funcionários, é uma importante aliada para preservar a saúde do brasileiro e do Brasil. Por sua capacitação e preparo, o médico do trabalho pode liderar dentro das empresas o esforço rumo à prevenção de agravos e transtornos que afetam a saúde do trabalhador.
Neste caso, esse especialista ocupa papel estratégico, que não se resume a atestar capacidade laboral ou emitir laudos para o INSS. Com o devido apoio, cabe a ele trazer para dentro das empresas (públicas e privadas) um olhar amplo e resolutivo sobre prevenção e combate a cenários de risco, que faz a diferença entre um colaborador saudável e um que, com o tempo, engrossará as estatísticas da Previdência.
Esse papel a ser exercido pelo médico do trabalho começa, entre outros pontos, pelo mapeamento de riscos ocupacionais, avaliação de dificuldades ergonômicas, planejamento de pausas programadas, análise de riscos psicossociais e acompanhamento sistemático de sinais e sintomas relacionados à saúde mental, tanto individual quanto a resultante das relação em grupo.
Assim, a presença efetiva do médico do trabalho dentro das organizações significa uma salvaguarda contra o adoecimento (físico e mental), estimulando práticas saudáveis e prevenindo e combatendo aquelas que induzem ao agravamento de quadros: ações claras e embasadas que ajudam a entender a real condição do trabalhador.
Para que o País reduza os quase 300 mil afastamentos mensais em razão das doenças será preciso ir além da reforma previdenciária. É preciso apostar na saúde ocupacional, não por um impositivo legal, mas como estratégia e investimento. A prevenção custa menos, funciona melhor e, acima de tudo, respeita quem move a economia: o trabalhador.
Com o rompimento desse ciclo perverso que hoje gera tantos prejuízos, o Brasil verá surgir ambientes que valorizam a saúde e acolhem o trabalhador em sofrimento, reduzindo demissões, aumentando o produtividade e fortalecendo a cultura organizacional.Sem dúvidas, esses são os diferenciais competitivos.
Esse é um desafio estrutural que exige ações em diferentes frentes, não se podendo ignorar a relevância da medicina do trabalho dentro desse processo de reconhecimento de que saúde e desempenho caminham juntos.
Sem dúvida, esse será o primeiro passo, de muitos outros, para trazer transformações profundas às relações entre empregados e empregadores e reduzir, significativamente, o impacto do adoecimento nas instituições públicas e privadas.
No fim das contas, tudo isso deixa claro que, com apoio e adequado posicionamento estratégico, a medicina do trabalho faz muito bem à saúde do Brasil.


