Artigos e Opinião

EDITORIAL

Dever de agir do poder público no transporte

Quando o transporte coletivo entra em colapso, não se trata somente de ônibus atrasados ou tarifas em discussão, tratase de direito à cidade, eficiência do gasto público e respeito ao usuário

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Em Campo Grande, o imbróglio envolvendo o Consórcio Guaicurus e a possibilidade de intervenção escancara um problema que se arrasta há anos e que, agora, exige decisões à altura da gravidade do cenário.

Concessões de transporte coletivo são, por natureza, contratos de longo prazo, exigem equilíbrio econômicofinanceiro, metas de qualidade, fiscalização contínua e mecanismos de correção de rota. O problema começa quando esse tripé se rompe.

Em Campo Grande, a sensação é de que o contrato envelheceu mal: frota aquém do esperado, intervalos irregulares, superlotação, falhas recorrentes e um sistema que parece não acompanhar a dinâmica urbana de uma capital em expansão.

Ao longo do tempo, o debate público ficou refém de um pinguepongue previsível. De um lado, o concessionário aponta desequilíbrios financeiros, aumento de custos, queda de demanda e necessidade de recomposição.

De outro lado, o poder público e a sociedade cobram cumprimento de obrigações, qualidade mínima e transparência. O resultado é conhecido: quem paga a conta, diariamente, é o usuário.

Transporte coletivo não é um serviço qualquer. Ele conecta pessoas ao trabalho, à educação e à saúde, reduz desigualdades e influencia diretamente a produtividade urbana. Quando falha, os efeitos se espalham: atrasos no comércio, evasão escolar, perda de renda, aumento do uso de veículos individuais e pressão adicional sobre o trânsito.

Por isso, a discussão sobre o Consórcio Guaicurus não pode ser reduzida a uma disputa contratual fria. Tratase de avaliar se o serviço prestado atende ao interesse público e se o modelo vigente ainda consegue entregar o que a cidade precisa.

A palavra “intervenção” costuma causar arrepio, e não sem razão. Mal conduzida, ela pode gerar insegurança jurídica, afastar investimentos e criar passivos ainda maiores. Intervenção não é confisco nem ruptura automática do contrato.

É um instrumento previsto em lei para situações em que o serviço essencial está comprometido. Permite garantir continuidade, apurar responsabilidades, corrigir falhas graves e, se necessário, preparar o terreno para uma transição mais eficiente, seja ela a retomada pelo próprio concessionário, seja uma nova licitação.

O debate, portanto, não deve ser “intervir ou não intervir”, mas como, quando e com quais garantias. Nenhuma intervenção se sustenta somente pelo clamor popular.

Ela precisa estar amparada em fatos objetivos, por exemplo, descumprimento reiterado de metas contratuais, especialmente aquelas ligadas à qualidade do serviço, risco à continuidade da operação, seja por incapacidade financeira, operacional ou de gestão, e falta de transparência, dificultando a fiscalização e o controle social.

Se esses elementos estiverem presentes, e devidamente comprovados, o poder concedente não somente pode, como deve agir.

Há, contudo, um risco real: transformar a intervenção em improviso administrativo. Sem planejamento, ela pode resultar em piora no sistema, e quem pagará a conta será novamente o usuário.

Não se confunda intervenção com autoritarismo. O poder concedente tem de conseguir conduzir um debate técnico, transparente e orientado pelo interesse público, mesmo diante de pressões políticas, econômicas e judiciais.

É comum que o usuário seja citado em discursos, mas raramente colocado no centro das decisões. Transporte coletivo eficiente não é luxo, é política pública básica.

ARTIGOS

Os aposentados e o fator previdenciário

Quem já estava aposentado pelo teto da época, que era de 10 salários mínimos, hoje R$ 15 mil, não percebe mais do que R$ 4 mil

10/12/2025 07h45

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Pior que os descontos em folha dos aposentados é a Lei do Fator Previdenciário, aprovada em 1999 pelo Congresso Nacional, logo após a reforma da Previdência aprovada em 1998, e que já provocou um rombo de 65% no valor dos benefícios de quem já estava aposentado, não respeitando sequer os direitos adquiridos. Resultado disso: empobrecimento e mortes causadas por depressão.

Quem já estava aposentado pelo teto da época, que era de 10 salários mínimos, hoje R$ 15 mil, não percebe mais do que R$ 4 mil.

As dificuldades ano a ano, com as perdas salariais, os levaram à pobreza. Já não conseguiam pagar o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) do velho carro, e muito menos o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) da casa adquirida ao longo da vida laboral.

Foram forçados a se desfazerem dos bens que possuíam, passando a morar de aluguel em pequenas casas de periferia ou a se submeterem a aceitar abrigo em casas de parentes ou amigos.

Contudo, é do nosso conhecimento que se encontra dormindo na gaveta da presidência da Câmara o PL 4.434/2008 , sem que tenha sido colocado para discussão no plenário da Casa. Note-se que esse Projeto de Lei já foi aprovado pelo Senado.

O Fator Previdenciário fere frontalmente os princípios dos direitos humanos, um verdadeiro massacre, e o Estado brasileiro, que deveria proteger seus idosos, com essa lei perversa acabou deixando-os na vala da miséria e, sem exageros, praticou um verdadeiro holocausto àqueles que trabalharam e contribuíram regiamente para os cofres da Previdência na esperança de terem uma velhice digna.

Porém, ao contrário, quem ainda sobrevive sofre a humilhação de morar de favor em casas de parentes ou instituições de caridade.

Suas excelências continuam fazendo cara de paisagem, agora com discursos inflamados por conta de mais um escândalo de desvios de dinheiro do INSS e dos seus miseráveis aposentados, mas sabem agir com rapidez quando o assunto é de interesse corporativo.

É bom saber que os aposentados atingidos pelo Fator Previdenciário chegam a 12 milhões e, apesar de idosos, ainda fazem questão de votar. A lei do retorno é infalível, senhores. Cumpram com seus deveres, sejam humanos e reparem esse mal que envergonha o nosso País: o desprezo pelos idosos.

ARTIGOS

O mundo mais autoritário

Sobe também o número de democracias falhas, um modelo híbrido que abriga componentes de regimes autocráticos e democráticos

10/12/2025 07h30

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A constatação é triste: 72% da população mundial vive hoje em países não democráticos, ditaduras ou autocracias eleitorais. Na última década, as ditaduras subiram de 22 para 33, enquanto os sistemas democráticos caíram de 44 para 32.

Sobe também o número de democracias falhas, um modelo híbrido que abriga componentes de regimes autocráticos e democráticos, em que ocorrem falhas na aplicação de princípios e valores, como liberdade de imprensa, independência entre os Poderes, repressão policial, ameaças de golpes, integridade do sistema eleitoral, entre outros.

Tal constatação tem como fonte uma pesquisa feita pelo Instituto V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia.

A escalada autoritária é uma ameaça ao equilíbrio entre as nações. Nos últimos tempos, o planeta vive sob o temor de que uma nova Guerra Fria, que poderá ser o estopim de um conflito de proporções mortíferas para a humanidade.

China e Rússia, unidos na estratégia de eliminar o poderio ocidental, capitaneado pelos Estados Unidos, e tendo como pano de fundo a tragédia que se abate sobre a Ucrânia, empurram o planeta na direção do precipício.

Semana passada, vimos Vladimir Putin, o todo poderoso mandatário-mor da Rússia, falar alto: “Se a Europa quiser guerra, estamos prontos”.

Afinal, o que ocorre com as democracias? Estão morrendo? Assistem, inertes, ao desvanecimento de sua base? Não têm resistido ao volume crescente da violência, que invade os ares da liberdade? A luta do poder pelo poder, sem as luzes das ideologias e doutrinas, seria uma volta ao nosso passado ancestral?

São questões cruciais. Que já mereceram análises de cientistas políticos. A afamada obra “Como as democracias morrem”, dos professores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, faz importante observação para entendermos a vida contemporânea.

A tese principal dos dois autores é a de que os sistemas são corrompidos por meio da perversão do processo legal, significando que os governos legitimamente eleitos subvertem os meios que os levaram ao poder.

Na América Latina, basta ver os golpes militares: no Brasil (1964), na Argentina (1966), no Chile (1973), no Uruguai (1976) e os movimentos de tendência golpista, que ocorrem aqui e ali, a escancarar a instabilidade das instituições representativas, a militarização da vida política e cerceamento da liberdade política e de expressão.

Até a maior democracia ocidental, a norte-americana, tem sofrido ameaças, a partir da eleição de Donald Trump e sua pregação antidemocrática. Ali, nunca se viu tanta pregação contra os eixos da democracia.
A crise, como se sabe, é crônica, se arrasta há tempos. E onde estão suas raízes?

Norberto Bobbio, o cientista social e político italiano, em sua clássica obra, “O Futuro da Democracia”, levanta a questão: as democracias não têm cumprido seus compromissos para com as comunidades.

Promessas não cumpridas caracterizam uma sociedade pluralista, com seus vários centros de poder, com o domínio das oligarquias que procuram preservar suas tradições e, ainda, com a força do poder invisível, que age nos subterrâneos do poder visível, representado pelo Estado.

Basta ver a expansão das gangues e do crime organizado, hoje presentes em praticamente todos os países da América Latina. Calcula-se que cerca de 40% dos homicídios globais estão ligados ao crime organizado e à violência de gangues, que são prevalentes nas três Américas.

A incultura política campeia. Bobbio é enfático: a apatia política chega a envolver cerca da metade dos que têm direito ao voto. É pouco. Em nosso Brasil, a imensa maioria do eleitorado ainda vegeta no terreno que se chama de “cidadania passiva”.

As promessas não têm sido cumpridas por causa dos obstáculos e desafios impostos por uma sociedade que saiu de uma economia familiar para uma economia de mercado, ou seja, uma economia planificada, que abriu a era do “governo dos técnicos”, e trouxe, em seu arcabouço, sérios problemas, como desemprego, inflação, aumento das desigualdades, competição desvairada, violência.

O rendimento do estado Democrático sofre queda e, em muitos países, os sistemas governativos tornam-se ingovernáveis. As tensões entres Poderes (caso do Brasil) contribuem para a instabilidade institucional.

As ingerências de um Poder sobre outro se tornam constantes, a ponto de se considerar que funções Legislativas são absorvidas pelo Poder Judiciário, como ocorre, hoje, por nossas bandas. Basta olhar para a recente querela entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Senado e sua acusação recíproca de invasão de competências.

O STF até parece uma gigantesca delegacia de polícia, a julgar vândalos. O Poder Executivo, por sua vez, encabresta o Poder Legislativo, com sua articulação para cooptar parlamentares com liberação de recursos e outros meios de atração, como cargos e espaços na estrutura administrativa.

Em um ensaio alentado, os professores e pesquisadores Fernando Limongi e Angelina Figueiredo explicam: “o padrão organizacional do Legislativo brasileiro é bastante diferente do norte-americano. Os trabalhos legislativos no Brasil são altamente centralizados e se encontram ancorados na ação dos partidos.

Ademais, enquanto o presidente norte-americano possui limitados poderes legislativos, o brasileiro é um dos mais poderosos do mundo... da mesma forma, não é possível desconsiderar os poderes legislativos do presidente.”

O fato é que o exercício da governança se torna cada vez mais complexo. Os interesses grupais e individuais suplantam as demandas coletivas. A conquista do poder, a qualquer custo, é a meta que transforma a política em uma arena de lutas.

Sob essa paisagem conflituosa, golpes, insurreições, movimentos de ruptura, ancorados nos quartéis e nas armas, são os novos componentes que corroem os vãos e desvãos das democracias, tornando o mundo mais autoritário.

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