O Bolsa Família é um programa que se consolidou como uma das principais políticas públicas do Brasil contemporâneo. Criado com o propósito de combater a pobreza e reduzir a fome, o programa tornou-se símbolo de uma agenda social que atravessou governos de diferentes espectros ideológicos.
Embora tenha ganhado forma e notoriedade no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, nos anos 2000, sua origem remonta ao fim da década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, com o então Bolsa Escola – embrião da política de transferência de renda que viria a se transformar no modelo unificado do Bolsa Família.
Desde então, o programa sobreviveu a sucessivas mudanças de gestão, ajustes fiscais, crises econômicas e até a alternância de poder entre partidos historicamente rivais.
Nem mesmo o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), que o rebatizou de Auxílio Brasil, ousou extingui-lo. E, após a pandemia de Covid-19, o benefício retornou ao nome original, reafirmando sua importância na proteção social das famílias em situação de vulnerabilidade.
Essa permanência, por si só, é um sinal inequívoco de que o Bolsa Família veio para ficar – não como uma bandeira partidária, mas como uma política de Estado, necessária e inegociável para um País que ainda convive com desigualdades profundas.
Contudo, a consolidação de um programa social não o torna imune a falhas ou a distorções. Ao contrário, quanto mais amplo e duradouro ele se torna, maior deve ser a responsabilidade do Estado em garantir sua integridade. O Bolsa Família precisa urgentemente de aperfeiçoamentos, especialmente no campo do controle e da fiscalização. É inaceitável que um programa destinado a erradicar a miséria seja desvirtuado por fraudes, cadastros irregulares ou má gestão de recursos públicos.
Nesta edição, mostramos que a Polícia Federal de Mato Grosso do Sul desmantelou um esquema criminoso que fraudava o benefício, permitindo que até cidadãos estrangeiros recebessem indevidamente os pagamentos mensais.
Casos como esse não são isolados – e expõem falhas graves no sistema de triagem e verificação de beneficiários. O problema está, em grande parte, na estrutura do Cadastro Único (CadÚnico), que, apesar de ser o instrumento central de registro das famílias, permanece vulnerável a informações falsas e à falta de integração entre bancos de dados municipais, estaduais e federais.
É imperativo modernizar esse sistema. O País precisa de um cadastro social digitalizado, integrado e constantemente auditado, com cruzamento automático de informações fiscais, trabalhistas e migratórias.
Também é fundamental ampliar o controle sobre as prefeituras e seus Centros de Referência da Assistência Social (Cras), que são as portas de entrada do programa. A atuação local é essencial, mas não pode prescindir de supervisão técnica e de transparência nos cadastros.
O Bolsa Família deve continuar como um instrumento de justiça social, mas não pode ser refúgio para irregularidades. A confiança pública no programa depende da capacidade do governo em garantir que o benefício chegue a quem realmente precisa – e apenas a essas pessoas.
Zerar a miséria é um objetivo nobre, mas que exige seriedade, tecnologia e rigor na execução.


