Artigos e Opinião

ARTIGO

Em louvor da sombra

Por: Daniel Medeiros - Doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades

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Terminei a releitura do pequeno ensaio do escritor japonês Junichiro Tanizaki, escrito em 1933, sobre suas impressões a respeito das novidades tecnológicas que se espalhavam pelo Japão, particularmente a energia elétrica: a luz elétrica anestesiou-nos, deixou-nos insensíveis aos inconvenientes gerados por seu uso excessivo. O autor, um dos mais importantes do século 20, reflete sobre as perdas que a luz feérica das lâmpadas provoca nos ambientes e muda a forma como realizamos as tarefas do dia a dia.

Ele destaca vários dos momentos do dia a dia, desde o uso do banheiro até a cerimônia do chá ou o consumo das refeições. Com a predominância do branco e do claro, muitas das belezas translúcidas da laca dos potes e mesmo da suculência dos caldos perdiam a beleza que só podia ser percebida e usufruída na penumbra e nas sombras. 
 

Junichiro não rejeita o progresso como um reclamão reacionário. Mas aponta para as opções que foram adotadas sem levar em consideração as perdas estéticas, desde as canetas modernas até a cor das paredes dos hospitais. “Como seria se essas mudanças tivessem sido pensadas pelos japoneses, e não pelos ocidentais?”, pergunta Tanizaki. Mas então consola-se. Não há remédio para o progresso. O problema é a memória dos velhos, que insiste em comparar os tempos e suas novidades.

Penso que, da mesma forma que o escritor japonês, nós, velhos no século 21, temos boas razões para lamentar as mudanças dos tempos, com seus incrementos tecnológicos, particularmente os que eliminam o contato humano, tão comuns na nossa juventude: a fila do banco, o caixa do supermercado, a atendente ao telefone, para reclamarmos sobre qualquer coisa.

Hoje, e cada vez mais, temos diante de nós um avatar visual ou sonoro, fingindo ser simpático e atencioso, quando é, na verdade, apenas um conjunto de dados. De nada valem os gracejos que aprendemos ao longo da vida, chistes tão sedutores nas conversas com estranhos, provocando aquele riso que começa amizades e descontrai qualquer ambiente. Meu pai, com seus 84 anos, ainda tenta fazê-lo por onde vai, e cada vez mais é recebido com estranheza e mesmo com certa rispidez, principalmente pelos jovens, desacostumados com essa intrigante forma de relacionamento humano: o jogar conversa fora.

O jogo de sombras que tanto fascina Tanizaki, por colocar em relevo o que interessa e deixar de lado o que não precisamos ver, hoje está praticamente extinto. Nossa sociedade é a da transparência total, da visibilidade nauseante, na qual nenhum momento de nossa existência é deixada de fora das redes sociais, em busca dos likes reconfortantes para as vidas sem sentido. Ao contrário, diz Junichiro: quem insiste em contemplar a feiúra encoberta expulsa a beleza aparente com a mesma presteza daquele que ilumina o nicho com uma lâmpada de 100 velas.

E foi exatamente o que fizemos. Jogamos luz em tudo, automatizamos tudo, sob o pretexto de que assim teremos tempo para viver em todos os lugares, pois tudo está esclarecido e sinalizado.

Porém, onde esconderemos o que não queremos que vejam? Onde guardaremos nossos pensamentos proibidos, até para nós mesmos? A lógica de que tudo fica mais fácil quando tudo é mais rápido e acessível esqueceu de que nós, particularmente com o passar da idade, não queremos rapidez, mas o vagar dos minutos e das horas em contemplação de belezas conhecidas e aconchegantes, embora elas quase não existam mais.

Eliminar até a sombra das árvores é, no mínimo, cruel, diz Junichiro em seu ensaio.

Parece que o deserto é o destino das novas gerações. Um deserto de significados e de experiências, de emoções e de lembranças. Uma vida como um dia ensolarado que não termina nunca.
Isto é, o horror. 

EDITORIAL

Judiciário não é palco nem mercado

Restringir a atuação como coach e impor limites a determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental

13/12/2025 07h15

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A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, de proibir que magistrados atuem como coaches, seja nas redes sociais ou fora delas, não é apenas correta como necessária.

Trata-se de um freio institucional que chega em boa hora a um Judiciário que, nos últimos anos, tem convivido com excessos de exposição, vaidade e práticas que colocam em xeque a sobriedade exigida da magistratura.

Não é de hoje que esse limite vem sendo testado.

Há cerca de dois anos, causou perplexidade o caso de um ex-juiz federal que passou a vender cursos na internet ensinando “táticas” para ganhar recursos judiciais. O paradoxo salta aos olhos: quem julgava recursos passou a faturar dinheiro “por fora” ensinando advogados a vencê-los.

Ainda que se alegue liberdade profissional após deixar a toga, a prática é, no mínimo, eticamente questionável e contribui para corroer a confiança da sociedade na imparcialidade do sistema de Justiça.

A medida de Fachin reconhece um problema real: tem faltado comedimento à parte da magistratura brasileira.

Em tempos de redes sociais, palestras remuneradas e cursos de viés mercadológico, alguns juízes parecem ter esquecido uma máxima antiga, simples e ainda extremamente atual: o lugar em que o magistrado mais deve falar é nos autos.

A autoridade da toga não se constrói com likes, seguidores ou discursos performáticos, mas com decisões técnicas, fundamentadas e discretas.

Restringir a atuação como coach e impor limites à determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental. Não se trata de censura nem de cerceamento da liberdade intelectual, mas de preservação da função jurisdicional.

O juiz não é um influenciador digital, tampouco um vendedor de fórmulas de sucesso processual. É agente do Estado, investido de poder para decidir conflitos com independência e imparcialidade.

Isso, porém, não significa defender um Judiciário hermético ou alheio à sociedade. Ao contrário: as cortes precisam, sim, se comunicar melhor nestes novos tempos, explicar decisões complexas, dialogar institucionalmente com a população e prestar contas de seu funcionamento. Comunicação institucional é necessária; autopromoção individual, não.

No fim das contas, o que está em jogo é o respeito à própria instituição. O Judiciário é, talvez, o Poder que mais precisa ser respeitado para que a democracia funcione. E esse respeito não é um privilégio – é uma obrigação que começa dentro de casa.

Seriedade, sobriedade e autocontenção não são virtudes acessórias para magistrados; são requisitos essenciais para quem exerce uma das funções mais sensíveis do Estado.

ARTIGOS

Novas regras do Banco Central sobre ativos virtuais: um marco de maturidade regulatória

Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo

12/12/2025 07h45

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Em 10 de novembro, o Banco Central do Brasil deu um passo histórico ao publicar as Resoluções BCB nº 519, nº 520 e nº 521, que inauguram um novo ciclo de regulação do mercado de ativos virtuais no País.

Com essas normas, o Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).

Mais do que um conjunto técnico de regras, essas resoluções representam um amadurecimento institucional do sistema financeiro brasileiro diante da realidade cripto. Até então, o setor operava em uma zona cinzenta regulatória, com supervisão limitada e grande diferenças de informações entre prestadores e usuários.

Agora, o País passa a estabelecer bases claras para a operação de Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Psav), além de definir, pela primeira vez, o tratamento cambial para operações internacionais com criptoativos.

A Resolução BCB nº 519/2025 impõe um padrão de governança que coloca as Psav sob um nível de exigência comparável ao das instituições financeiras. Exige-se segregação patrimonial, controles internos robustos e políticas de PLD/FT equivalentes às do sistema bancário.

Essa medida mitiga riscos de uso indevido dos recursos dos clientes e reduz o espaço para fraudes e práticas abusivas. Pontos sensíveis em um setor historicamente marcado por volatilidade e escândalos.

Já a Resolução BCB nº 520/2025 institui o processo de autorização prévia para funcionamento das Psav, com vedações expressas à oferta de crédito e à captação de recursos de clientes qualificados.

O objetivo é proteger investidores e garantir que as operações com criptoativos não contaminem o sistema financeiro tradicional com riscos de liquidez e solvência. A exigência de sede no Brasil e critérios rigorosos de idoneidade e gestão de riscos também reforçam o compromisso com a responsabilidade corporativa e a transparência operacional.

Por sua vez, a Resolução BCB nº 521/2025 corrige uma lacuna importante ao enquadrar as operações internacionais com criptoativos, como operações de câmbio, sempre que houver conversão de moeda ou transferência internacional de valores.

Essa regra coloca as transações de cripto sob a mesma lente de compliance cambial que rege outras formas de movimentação financeira internacional, prevenindo brechas para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Para bancos e instituições financeiras, o novo marco regulatório representa tanto uma oportunidade quanto uma responsabilidade. A integração dos serviços com ativos virtuais ao portfólio bancário passa a ser viável, desde que sejam obedecidos os novos parâmetros de segurança, segregação de recursos e reporte regulatório.

Ao mesmo tempo, essas instituições terão de repensar suas estruturas de governança e compliance para acomodar o ecossistema cripto dentro de uma lógica de controle prudencial.

Alguns pontos, entretanto, merecem atenção especial: a vedação de crédito com recursos próprios em operações cripto, a segregação total de fundos de clientes, o reforço dos controles de PLD/FT, e o tratamento cambial obrigatório em transações internacionais.

Tais exigências sinalizam que o Banco Central, de maneira mais que devida e assertiva, pretende equilibrar o incentivo à inovação com a blindagem contra riscos sistêmicos e ilícitos financeiros.

Contudo, o período de adaptação será curto. As regras entram em vigor a partir de 2 de fevereiro de 2026 e as obrigações adicionais de reporte internacional passam a valer a partir de 4 de maio de 2026.

Empresas que já atuam no mercado precisam, portanto, iniciar imediatamente seus processos de adequação, revisando estruturas societárias, sistêmicas, políticas de custódia e mecanismos de compliance.

Por fim, as novas resoluções não devem ser vistas como um freio à inovação, mas como um sinal evidente de maturidade regulatória do País.

Ao oferecer um ambiente seguro, transparente e supervisionado, o Banco Central cria as condições para que o Brasil se consolide como um polo confiável de desenvolvimento em blockchain e ativos digitais. É o início de uma nova era em que a confiança institucional passa a ser o ativo mais valioso do universo cripto.

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