Quantos servidores públicos acordam todos os dias com o estômago embrulhado antes de ir trabalhar? Quantos seguem, exaustos, fingindo normalidade, mesmo quando o ambiente virou fonte diária de medo, tensão e humilhação?
Essas situações não são exceção. São sintomas dos riscos psicossociais que se espalham silenciosamente pelos órgãos públicos: assédio moral, microgerenciamento, excesso de tarefas sem apoio, falta de reconhecimento, ausência de voz e isolamento emocional. Tudo aquilo que adoece sem deixar hematoma.
A NR-01, atualizada pelo Ministério do Trabalho, reconheceu o que o serviço público há muito ignora: o sofrimento também é um risco de trabalho.
A norma exige que as instituições identifiquem e controlem fatores que afetam a saúde mental e o bem-estar, equiparando o dano psicológico a qualquer outro dano ocupacional. É um avanço silencioso, mas profundo, porque traz à luz algo que sempre existiu, mas poucos quiseram ver.
Ainda assim, muitos órgãos tratam o tema como burocracia de papel.
Criam programas, produzem campanhas, publicam cartilhas, mas a cultura continua tóxica.
É como pintar paredes mofadas sem resolver o vazamento.
De nada adianta o discurso da integridade se o ambiente segue marcado por medo, humilhação e silêncio.
O servidor precisa de lideranças emocionalmente preparadas, capazes de unir empatia e firmeza, e não de chefias que confundem autoridade com autoritarismo.
Precisa de espaços de fala seguros e gestores que saibam agir quando o sofrimento aparece, e não apenas quando ele explode. Porque o verdadeiro compromisso institucional não é reagir à crise, é prevenir o colapso humano.
Bem-estar e felicidade no trabalho não são luxo. São indicadores de boa governança. Um servidor que se sente respeitado, ouvido e valorizado entrega mais, pensa melhor e se orgulha do que faz.
Mas, no serviço público, o bem-estar ainda é visto como algo “extra”, e não como condição de eficiência.
Ignorar os riscos psicossociais custa caro: eleva afastamentos, reduz produtividade e mina a confiança institucional.
E confiança é a base de tudo. Sem ela, o cidadão deixa de acreditar no Estado, e o servidor, em si mesmo.
Valorizar o servidor público é criar ambientes de escuta e de confiança, onde o diálogo e a cooperação substituam o medo e o silêncio.
É esse o espírito da NR-01: prevenir antes de remediar, cuidar antes de punir.
O sofrimento emocional ainda é invisível. Não aparece em relatórios, mas está lá – nas licenças médicas, nas crises silenciosas, nos olhares de quem perdeu o brilho de servir.
Cuidar da saúde psicológica do servidor é ato de gestão, ética e respeito. É reconhecer que o serviço público só será forte se quem o sustenta estiver bem.
Nenhum programa de integridade será efetivo enquanto o medo continuar sendo a principal política de engajamento.
Neste Dia do Servidor Público, mais do que homenagens, precisamos de coerência. De governos que cuidem de quem cuida da sociedade. De líderes que inspirem confiança e criem ambientes em que o trabalho não adoeça – floresça.
Porque a integridade institucional começa dentro de casa: no modo como tratamos quem veste o crachá e carrega o Estado nos ombros todos os dias.


