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Lei Magnitsky, anistia e o custo internacional das crises institucionais

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A política costuma se iludir com a ideia de que conflitos institucionais são assuntos domésticos, resolvidos dentro das fronteiras nacionais e imunes a interferências externas. A aplicação recente da Lei Magnitsky ao Brasil desmonta essa crença. Pela primeira vez de forma explícita, uma disputa entre Poderes, com epicentro no Supremo Tribunal Federal (STF), passou a gerar consequências financeiras, diplomáticas e pessoais no plano internacional. Não se trata mais de retórica ideológica ou pressão simbólica: trata-se de sanção concreta, com efeitos reais sobre ativos, circulação financeira e mobilidade internacional de autoridades brasileiras.

A gênese da Lei Magnitsky ajuda a compreender a gravidade do momento. Criada nos Estados Unidos em 2012 para punir os responsáveis pela morte do advogado russo Sergei Magnitsky, a legislação foi ampliada em 2016 com o Global Magnitsky Act, adquirindo caráter extraterritorial. Desde então, qualquer autoridade de qualquer país pode ser alvo de sanções administrativas norte-americanas se envolvida em corrupção significativa ou graves violações de direitos humanos. O ponto central é que não se exige condenação judicial prévia: basta a convicção política e administrativa do Executivo americano, operacionalizada pelo Departamento do Tesouro (Ofac) e pelo Departamento de Estado.

O mecanismo é conhecido entre especialistas como uma forma de “morte civil financeira”. O bloqueio de ativos não se limita a bens localizados nos Estados Unidos, ele expulsa o sancionado do sistema financeiro dolarizado, inviabilizando operações bancárias internacionais, cartões de crédito, contratos e até relações comerciais indiretas. A isso se soma a proibição de vistos, que atinge também familiares próximos. É uma sanção silenciosa, mas devastadora, capaz de constranger Estados sem disparar um único míssil.

Durante anos, o Brasil esteve à margem desse instrumento. O cenário mudou neste ano, quando ações do STF passaram a ser classificadas, por setores do governo e do Congresso dos EUA, como práticas de censura estatal e perseguição política. A inclusão de autoridades brasileiras na lista de sanções representou um divisor de águas: o Judiciário nacional deixou de ser apenas intérprete da Constituição e passou a ser observado como ator político com impacto internacional.

A retirada do nome do ministro Alexandre de Moraes da lista financeira do Ofac, em dezembro deste ano, foi lida por muitos como absolvição. Não foi. Trata-se de um gesto diplomático discricionário, reversível a qualquer momento. O bloqueio financeiro caiu, mas a restrição migratória permanece e o risco de “snapback” é real. Basta uma nova escalada institucional, especialmente se associada à percepção de censura ou desrespeito ao Legislativo, para que as sanções retornem de forma imediata – possivelmente ampliadas.

É nesse contexto que a Lei da Anistia e de redução de penas para os envolvidos nos atos do 8 de Janeiro ganha centralidade. Do ponto de vista técnico-penal, o efeito é claro: crimes políticos são anistiados, penas são drasticamente reduzidas e, na prática, a maior parte dos réus não teria mais pena a cumprir, seja por detração, seja por extinção da punibilidade. O impacto jurídico é imediato; o impacto político, explosivo.

O verdadeiro ponto de inflexão, porém, está na reação institucional. Se o STF optar por suspender ou derrubar a anistia aprovada pelo Congresso, abrirá um choque frontal entre Poderes. Internamente, isso reacende a crise de legitimidade e amplia a polarização. Externamente, fornece combustível para a narrativa de autoritarismo judicial já acolhida por setores influentes em Washington. A consequência provável não é apenas retórica: é a reativação, e possivelmente a ampliação, das sanções da Lei Magnitsky.

O debate, portanto, transcende o mérito moral ou político da anistia. Trata-se de avaliar o custo institucional de cada escolha. Ao Supremo cabe decidir não apenas como guardião da Constituição, mas como ator consciente de que suas decisões hoje produzem efeitos para além do território nacional. A soberania, neste cenário, já não é um escudo absoluto.

O Brasil entrou em uma fase em que disputas internas passaram a ter preço internacional. Ignorar esse dado é ingenuidade; desconsiderá-lo, imprudência. A questão que se impõe não é se o País gosta ou não dessa realidade, mas como vai lidar com ela sem comprometer, ao mesmo tempo, a estabilidade democrática interna e sua posição no sistema global.

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Consumo sustentável no Natal: por que queremos fazer diferente, mas repetimos velhos padrões?

24/12/2025 07h45

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Entra ano, sai ano e você está lendo um outro texto sobre “todo ano”. Sim, repetimos os mesmos rituais. Rituais são importantes, mas quando engessam nossos comportamentos comprometendo a saúde do planeta, merecem ser repensados.

Pense nas notícias que apontam o aumento das compras de Natal, enquanto as redes sociais exibem discursos apaixonados pela ideia de sustentabilidade. Há intenções bonitas por toda parte: consumir menos, reciclar mais, trocar presentes artesanais. Mas, quando chega dezembro, o fluxo arrasta todo mundo para o mesmo lugar; e quem planejou um Natal minimalista sai do shopping com três sacolas e uma boa desculpa.

Se isso parece familiar, é porque é mesmo! O Natal é um terreno emocional poderoso, em que a gente caminha entre presentes que funcionam como gestos simbólicos importantes – e qualquer tentativa de reduzir consumo parece, no fundo, uma declaração afetiva arriscada. “Se eu não der um presente, será que a pessoa vai achar que não me importo?” A mente interpreta essa dúvida como ameaça social e empurra a decisão para o lado que garante nosso pertencimento, não nossa sustentabilidade.

Talvez seja por isso que muitas famílias até mencionam a ideia da troca simbólica, mas na hora h alguém aparece com lembrancinhas extras “só para não ficar chato”. É a velha lógica do comportamento automático, em que o esperado pela tradição pesa mais do que aquilo que a pessoa acredita ser o ideal. E a conveniência completa o ciclo. Quando a alternativa sustentável exige mais esforço, tempo ou coordenação, a mente escolhe o caminho fácil. Afinal, dezembro já é cheio demais!

Não é só isso. Existe o fenômeno da compensação emocional. A pessoa recicla embalagens e, com isso, sente que ganhou “créditos” para consumir sem culpa. É o famoso “eu fiz minha parte, agora mereço”. A consciência alivia, mas o padrão permanece intocado. Ao mesmo tempo, cresce o mercado do “natal sustentável” vendendo novos objetos para diminuir o excesso de objetos. É um paradoxo quase poético: compramos ferramentas para reduzir compras. Uma engenharia emocional sofisticada, e bem pouco eficiente.

Influenciadores minimalistas ganham espaço, mas ainda disputam atenção com campanhas natalinas que ativam nostalgia, pertencimento e emoção forte. A mensagem implícita é que amor se mede em quantidade de caixas, e não em qualidade das trocas (já sabemos disso também, mas afinal estamos revivendo o ritual reflexivo do fim do ano). Existe saída? Certamente que sim, mas ela não começa na prateleira. Começa na negociação afetiva. Sustentabilidade natalina depende de redefinir simbolismos, conversar com a família sobre combinações possíveis e estabelecer limites antes do gatilho emocional dos últimos dias do ano.

Presentes podem mudar de forma sem perder significado. Quando todo mundo entender que o afeto não está no objeto – e sim na intenção e na história que o acompanha –, a rigidez do ritual é que precisa ser revisada.

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Natal: espírito do tempo e sua influência na política

24/12/2025 07h30

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O Natal é, antes de tudo, um tempo simbólico. Um marco no calendário que convida à pausa, à reflexão e ao reencontro com valores que, no cotidiano, ficam soterrados pela pressa, pelo conflito e pelo excesso de ruído. Num mundo marcado por tensões crescentes, polarizações profundas e debates cada vez mais agressivos, o espírito do Natal nos provoca a olhar para além das diferenças e a resgatar aquilo que nos une como sociedade.

Neste contexto, tenho insistido numa ideia simples, mas poderosa: mais gestão e menos polarização. Tal expressão não nasce da negação do debate político, tampouco do apagamento das divergências –que são naturais e até saudáveis num regime democrático. Ela surge da constatação de que o excesso de confronto, de ódio e de disputas estéreis tem afastado a política de sua finalidade maior: melhorar de forma concreta a vida das pessoas.

Falar em mais gestão é tratar de problemas reais do dia a dia, de serviços públicos que funcionam, de cidades mais humanizadas, de políticas públicas baseadas em planejamento, evidências e responsabilidade. É compreender que o cidadão comum não acorda preocupado com rótulos ideológicos, mas com o transporte que não chega, com a fila da saúde, com a qualidade (ou não) da escola dos filhos, com a segurança da sua rua e com as oportunidades de trabalho. Gestão é, portanto, um exercício permanente de escuta, de técnica e de compromisso com resultados.

Por outro lado, falar em menos polarização é reconhecer que o clima constante de antagonismo corrói a confiança social, fragiliza as instituições e dificulta a construção de soluções coletivas. A polarização excessiva transforma o adversário em inimigo, substitui o diálogo pelo ataque e empobrece o debate público. Quando isso acontece, todos perdem: a política, em qualidade; a Democracia, em densidade; e a sociedade, em coesão.

É justamente neste ponto que o espírito natalino se torna tão atual e necessário. O Natal nos lembra valores universais, como empatia, solidariedade, fraternidade e diálogo, e que não pertencem a um campo ideológico específico, a “um lado”, mas à própria condição humana. O gesto de acolher, de ouvir o outro e de buscar pontes em vez de muros carrega força transformadora, que ultrapassa o âmbito pessoal e alcança o espaço público.

Quando transportamos este sentimento para a Política, estamos falando de uma prática mais madura e responsável, capaz de reconhecer diferenças sem transformá-las em ódio; de discordar sem desumanizar; de competir sem destruir.

Que possamos aproveitar este tempo simbólico para desacelerar, rever posturas e repensar prioridades. Que o espírito do Natal nos inspire a construir uma sociedade menos agressiva, mais justa e mais solidária. Que esta época do ano nos lembre que o caminho do diálogo, da boa gestão e do compromisso com o bem comum é sempre o mais difícil – e, justamente por isso, o mais necessário.

Que o Natal renove em todos nós a esperança de que é possível fazer diferente – e, acima de tudo, fazer melhor e com mais empatia, solidariedade e humanidade.

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