Artigos e Opinião

crônica

Maria Adélia Menegazzo: "Os tigres e os poemas"

Maria Adélia Menegazzo: "Os tigres e os poemas"

Maria Adélia Menegazzo

07/04/2015 - 00h00
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Com frequência, pessoas me perguntam: Quem, afinal, lê poemas? O que leva alguém a procurar por este tipo de texto? Gostaria de ter respostas prontas para estas perguntas, mas elas seriam tão variadas que provavelmente não haveria espaço suficiente para apresentá-las. 

Assim sendo, vou me restringir a um aspecto da questão: o que entendo por este tipo de texto. O poema como o silêncio aflito da página em branco de Mallarmé, de Drummond, de Gullar e tantos outros.

O leitor que em geral prefere revistas e jornais  associa o termo “poema” àquele objeto literário decorrente da prática tradicional de forma fixa e do esquema de rimas, passível de ser decorado e repetido à exaustão, como “batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão e a menininha, quando dorme, põe a mão no coração”. Simples assim, poucos hão de querer uma  poesia que apenas rima alhos com bugalhos. 

Na base de toda esta história reside, evidentemente, a busca pelo prazer decorrente da leitura. Num ensaio famoso dos anos 1970, “O prazer do texto”, o filósofo-semiólogo francês Roland Barthes estabelecia a diferença entre texto de prazer e texto de fruição. O texto de prazer, afirmava, é aquele que nos alegra porque não rompe com aquilo a que estamos  acostumados: “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure!”. Conforta. Faz bem ao coração.  

Já o texto de fruição põe em dúvida nossas bases históricas, nossa tradição. Acaba com nosso conforto de reconhecer o que está escrito.  Destitui a linguagem de suas normas  mais comuns subvertendo-as: “Minhocas arejam a terra, poetas, a linguagem”.

Não se estabelece com essa diferença valores. Se o leitor já reconheceu, sabe que Vinícius de Morais não é melhor que Manoel de Barros e vice-versa. Mas o poema de Vinícius, o “Soneto da fidelidade”, tem sido lido, relido, dito, cantado e decantado há décadas. Daí o prazer e o conforto: sabemos cantar e podemos jurar que “De tudo ao meu amor serei atento”. 

É, praticamente, sinônimo de poesia. Ninguém nega. Já o verso de Manoel de Barros aponta para outra direção. É diferente porque raramente é referencial e tem a linguagem como tema; diferente de Vinícius que, exagerando, fazia um  poema para cada caso de amor. 

Para Manoel, “há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos. Outras de palavras. Poetas e tontos se compõem de palavras.” Por isso, “o sentido  normal das palavras não faz bem ao poema”. Daí a surpresa, o desconforto e a fruição. Para alguns, o abandono da leitura. Para ler poemas é preciso estar disposto, com a alma aberta tanto quanto os olhos. 

“Tudo será difícil de dizer: a palavra real nunca é suave”, profetiza Orides Fontela, poetisa que se recusa ao diálogo repetitivo do dia a dia, impondo novas imagens e relações. 

Cria, deste modo, uma outra escritura, ao lado da contemporânea poesia de invenção, escrita, segundo o também poeta Cláudio Daniel, na “zona de sombra, no espaço à margem” das palavras. Lau Siqueira, um desses inventores, alerta aos predadores da utopia: “dentro de mim morreram muitos tigres/os que ficaram/no entanto/são livres”.

EDITORIAL

Judiciário não é palco nem mercado

Restringir a atuação como coach e impor limites a determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental

13/12/2025 07h15

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A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, de proibir que magistrados atuem como coaches, seja nas redes sociais ou fora delas, não é apenas correta como necessária.

Trata-se de um freio institucional que chega em boa hora a um Judiciário que, nos últimos anos, tem convivido com excessos de exposição, vaidade e práticas que colocam em xeque a sobriedade exigida da magistratura.

Não é de hoje que esse limite vem sendo testado.

Há cerca de dois anos, causou perplexidade o caso de um ex-juiz federal que passou a vender cursos na internet ensinando “táticas” para ganhar recursos judiciais. O paradoxo salta aos olhos: quem julgava recursos passou a faturar dinheiro “por fora” ensinando advogados a vencê-los.

Ainda que se alegue liberdade profissional após deixar a toga, a prática é, no mínimo, eticamente questionável e contribui para corroer a confiança da sociedade na imparcialidade do sistema de Justiça.

A medida de Fachin reconhece um problema real: tem faltado comedimento à parte da magistratura brasileira.

Em tempos de redes sociais, palestras remuneradas e cursos de viés mercadológico, alguns juízes parecem ter esquecido uma máxima antiga, simples e ainda extremamente atual: o lugar em que o magistrado mais deve falar é nos autos.

A autoridade da toga não se constrói com likes, seguidores ou discursos performáticos, mas com decisões técnicas, fundamentadas e discretas.

Restringir a atuação como coach e impor limites à determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental. Não se trata de censura nem de cerceamento da liberdade intelectual, mas de preservação da função jurisdicional.

O juiz não é um influenciador digital, tampouco um vendedor de fórmulas de sucesso processual. É agente do Estado, investido de poder para decidir conflitos com independência e imparcialidade.

Isso, porém, não significa defender um Judiciário hermético ou alheio à sociedade. Ao contrário: as cortes precisam, sim, se comunicar melhor nestes novos tempos, explicar decisões complexas, dialogar institucionalmente com a população e prestar contas de seu funcionamento. Comunicação institucional é necessária; autopromoção individual, não.

No fim das contas, o que está em jogo é o respeito à própria instituição. O Judiciário é, talvez, o Poder que mais precisa ser respeitado para que a democracia funcione. E esse respeito não é um privilégio – é uma obrigação que começa dentro de casa.

Seriedade, sobriedade e autocontenção não são virtudes acessórias para magistrados; são requisitos essenciais para quem exerce uma das funções mais sensíveis do Estado.

ARTIGOS

Novas regras do Banco Central sobre ativos virtuais: um marco de maturidade regulatória

Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo

12/12/2025 07h45

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Em 10 de novembro, o Banco Central do Brasil deu um passo histórico ao publicar as Resoluções BCB nº 519, nº 520 e nº 521, que inauguram um novo ciclo de regulação do mercado de ativos virtuais no País.

Com essas normas, o Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).

Mais do que um conjunto técnico de regras, essas resoluções representam um amadurecimento institucional do sistema financeiro brasileiro diante da realidade cripto. Até então, o setor operava em uma zona cinzenta regulatória, com supervisão limitada e grande diferenças de informações entre prestadores e usuários.

Agora, o País passa a estabelecer bases claras para a operação de Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Psav), além de definir, pela primeira vez, o tratamento cambial para operações internacionais com criptoativos.

A Resolução BCB nº 519/2025 impõe um padrão de governança que coloca as Psav sob um nível de exigência comparável ao das instituições financeiras. Exige-se segregação patrimonial, controles internos robustos e políticas de PLD/FT equivalentes às do sistema bancário.

Essa medida mitiga riscos de uso indevido dos recursos dos clientes e reduz o espaço para fraudes e práticas abusivas. Pontos sensíveis em um setor historicamente marcado por volatilidade e escândalos.

Já a Resolução BCB nº 520/2025 institui o processo de autorização prévia para funcionamento das Psav, com vedações expressas à oferta de crédito e à captação de recursos de clientes qualificados.

O objetivo é proteger investidores e garantir que as operações com criptoativos não contaminem o sistema financeiro tradicional com riscos de liquidez e solvência. A exigência de sede no Brasil e critérios rigorosos de idoneidade e gestão de riscos também reforçam o compromisso com a responsabilidade corporativa e a transparência operacional.

Por sua vez, a Resolução BCB nº 521/2025 corrige uma lacuna importante ao enquadrar as operações internacionais com criptoativos, como operações de câmbio, sempre que houver conversão de moeda ou transferência internacional de valores.

Essa regra coloca as transações de cripto sob a mesma lente de compliance cambial que rege outras formas de movimentação financeira internacional, prevenindo brechas para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Para bancos e instituições financeiras, o novo marco regulatório representa tanto uma oportunidade quanto uma responsabilidade. A integração dos serviços com ativos virtuais ao portfólio bancário passa a ser viável, desde que sejam obedecidos os novos parâmetros de segurança, segregação de recursos e reporte regulatório.

Ao mesmo tempo, essas instituições terão de repensar suas estruturas de governança e compliance para acomodar o ecossistema cripto dentro de uma lógica de controle prudencial.

Alguns pontos, entretanto, merecem atenção especial: a vedação de crédito com recursos próprios em operações cripto, a segregação total de fundos de clientes, o reforço dos controles de PLD/FT, e o tratamento cambial obrigatório em transações internacionais.

Tais exigências sinalizam que o Banco Central, de maneira mais que devida e assertiva, pretende equilibrar o incentivo à inovação com a blindagem contra riscos sistêmicos e ilícitos financeiros.

Contudo, o período de adaptação será curto. As regras entram em vigor a partir de 2 de fevereiro de 2026 e as obrigações adicionais de reporte internacional passam a valer a partir de 4 de maio de 2026.

Empresas que já atuam no mercado precisam, portanto, iniciar imediatamente seus processos de adequação, revisando estruturas societárias, sistêmicas, políticas de custódia e mecanismos de compliance.

Por fim, as novas resoluções não devem ser vistas como um freio à inovação, mas como um sinal evidente de maturidade regulatória do País.

Ao oferecer um ambiente seguro, transparente e supervisionado, o Banco Central cria as condições para que o Brasil se consolide como um polo confiável de desenvolvimento em blockchain e ativos digitais. É o início de uma nova era em que a confiança institucional passa a ser o ativo mais valioso do universo cripto.

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