Com frequência, pessoas me perguntam: Quem, afinal, lê poemas? O que leva alguém a procurar por este tipo de texto? Gostaria de ter respostas prontas para estas perguntas, mas elas seriam tão variadas que provavelmente não haveria espaço suficiente para apresentá-las.
Assim sendo, vou me restringir a um aspecto da questão: o que entendo por este tipo de texto. O poema como o silêncio aflito da página em branco de Mallarmé, de Drummond, de Gullar e tantos outros.
O leitor que em geral prefere revistas e jornais associa o termo “poema” àquele objeto literário decorrente da prática tradicional de forma fixa e do esquema de rimas, passível de ser decorado e repetido à exaustão, como “batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão e a menininha, quando dorme, põe a mão no coração”. Simples assim, poucos hão de querer uma poesia que apenas rima alhos com bugalhos.
Na base de toda esta história reside, evidentemente, a busca pelo prazer decorrente da leitura. Num ensaio famoso dos anos 1970, “O prazer do texto”, o filósofo-semiólogo francês Roland Barthes estabelecia a diferença entre texto de prazer e texto de fruição. O texto de prazer, afirmava, é aquele que nos alegra porque não rompe com aquilo a que estamos acostumados: “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure!”. Conforta. Faz bem ao coração.
Já o texto de fruição põe em dúvida nossas bases históricas, nossa tradição. Acaba com nosso conforto de reconhecer o que está escrito. Destitui a linguagem de suas normas mais comuns subvertendo-as: “Minhocas arejam a terra, poetas, a linguagem”.
Não se estabelece com essa diferença valores. Se o leitor já reconheceu, sabe que Vinícius de Morais não é melhor que Manoel de Barros e vice-versa. Mas o poema de Vinícius, o “Soneto da fidelidade”, tem sido lido, relido, dito, cantado e decantado há décadas. Daí o prazer e o conforto: sabemos cantar e podemos jurar que “De tudo ao meu amor serei atento”.
É, praticamente, sinônimo de poesia. Ninguém nega. Já o verso de Manoel de Barros aponta para outra direção. É diferente porque raramente é referencial e tem a linguagem como tema; diferente de Vinícius que, exagerando, fazia um poema para cada caso de amor.
Para Manoel, “há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos. Outras de palavras. Poetas e tontos se compõem de palavras.” Por isso, “o sentido normal das palavras não faz bem ao poema”. Daí a surpresa, o desconforto e a fruição. Para alguns, o abandono da leitura. Para ler poemas é preciso estar disposto, com a alma aberta tanto quanto os olhos.
“Tudo será difícil de dizer: a palavra real nunca é suave”, profetiza Orides Fontela, poetisa que se recusa ao diálogo repetitivo do dia a dia, impondo novas imagens e relações.
Cria, deste modo, uma outra escritura, ao lado da contemporânea poesia de invenção, escrita, segundo o também poeta Cláudio Daniel, na “zona de sombra, no espaço à margem” das palavras. Lau Siqueira, um desses inventores, alerta aos predadores da utopia: “dentro de mim morreram muitos tigres/os que ficaram/no entanto/são livres”.


