Artigos e Opinião

EDITORIAL

Mobilidade em risco no momento mais crítico

Em dezembro, quando a cidade deveria estar focada em avançar economicamente e aquecer o comércio, o risco de paralisação do transporte coletivo soa como um alerta vermelho

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A ameaça de paralisação do transporte coletivo em pleno fim de ano é tudo o que Campo Grande não precisava enfrentar. Em um período naturalmente sensível para a economia – com comércio aquecido, maior demanda por serviços e intensa circulação de pessoas –, qualquer instabilidade se transforma em prejuízo social e financeiro.

A cidade depende do funcionamento do sistema de ônibus para manter seu ritmo, e qualquer incerteza coloca em risco não apenas o deslocamento diário da população, mas também o desempenho econômico de diversos setores. A engrenagem urbana, especialmente em dezembro, não tolera paradas bruscas.

O Consórcio Guaicurus, responsável pelo transporte coletivo da Capital, afirma que enfrenta dificuldades financeiras severas e que não dispõe de recursos para pagar o 13º salário de motoristas e demais funcionários. Alega atrasos em repasses de subsídios públicos, que são parte importante da equação econômica do sistema.

Por trás da disputa técnica entre governo, prefeitura e consórcio, há um fato concreto: se os ônibus param, quem paga a conta é o cidadão – aquele que depende do transporte para trabalhar, estudar, acessar serviços de saúde ou simplesmente fazer suas compras de fim de ano.

É preciso compreender que a paralisação do transporte coletivo não afeta apenas quem usa o ônibus. O impacto econômico é profundo e imediato. Sem mobilidade, trabalhadores podem faltar, empresas reduzem fluxo, o comércio perde movimento e serviços deixam de ser prestados.

A suspensão da frota significa atrasos em entregas, queda no faturamento e um ciclo negativo que se espalha rapidamente pela economia local. Em um momento em que Campo Grande tenta equilibrar sua atividade econômica e superar dificuldades após a pandemia e a crise fiscal, o risco de colapso do transporte coletivo é preocupante.

No centro do impasse estão os repasses públicos – atrasados, segundo o consórcio – em um período crítico, tanto para o governo do Estado quanto para a prefeitura. O Estado enfrenta diminuição no ritmo da arrecadação, algo que afeta diretamente sua capacidade de ampliar aportes.

A prefeitura, por sua vez, vive um quadro de aperto financeiro evidente, inclusive com dificuldades para honrar seu próprio 13º salário. Não é a melhor combinação para um sistema que depende fortemente do equilíbrio entre tarifas e subsídios para funcionar.

O transporte coletivo, por sua natureza, exige previsibilidade. Quando esse elemento desaparece, todo o sistema fica vulnerável. A população, já acostumada a enfrentar ônibus lotados, longas esperas e limitações estruturais, não pode ser penalizada novamente por questões administrativas ou disputas financeiras.

É momento de responsabilidade de todas as partes: o consórcio precisa demonstrar transparência sobre suas contas; o poder público precisa oferecer clareza sobre repasses e obrigações; e ambos precisam agir com rapidez para evitar que a cidade pare.

Em dezembro, quando Campo Grande deveria estar focada em avançar economicamente, aquecer o comércio e garantir a normalidade da rotina urbana, o risco de paralisação do transporte coletivo soa como um alerta vermelho.

Não se trata de um problema setorial, mas de uma ameaça ao funcionamento da cidade como um todo. A solução precisa ser imediata, dialogada e comprometida com a continuidade do serviço. A população não pode – e não deve – ser a parte mais prejudicada dessa equação.

ARTIGOS

Trump e Maduro: uma questão de legitimidade

O campo para debate a respeito da conduta das duas figuras políticas é fértil e tende a ativar muitas paixões

05/12/2025 07h45

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O tensionamento da relação entre Estados Unidos e Venezuela nos últimos tempos tem produzido uma série de reflexões sobre os motivos (reais ou alegados) acerca de tal panorama e o impacto que a disputa pode produzir no Brasil em termos geopolíticos, dado o posicionamento do governo federal atual sobre a situação e, especificamente, sobre os mandatários Donald Trump e Nicolás Maduro. Em última análise, a questão diz respeito ao conceito de legitimidade, ponto que merece alguma discussão.

A noção de que algo é legítimo se refere ao fato de que uma determinada situação está de acordo com o direito ou com a concepção social de justiça, ou seja, além da mera aferição formal de legalidade. Assim sendo, o campo para debate a respeito da conduta das duas figuras políticas é fértil e tende a ativar muitas paixões.

Primeiramente, há que se verificar a legitimidade do mandato presidencial de Maduro para, na sequência, refletir acerca da legitimidade da ação de Trump em relação à Venezuela. Ainda que sejam assuntos teoricamente independentes, parece difícil negar a vinculação existente entre os assuntos, com maior ou menor relevância, a depender da ótica do analista.

A eleição presidencial na Venezuela, ocorrida em 2024, colocou diante de Nicolás Maduro a oposicionista María Corina Machado, que foi impedida de concorrer, sendo substituída por Edmundo González Urrutia como figura principal de contraponto ao presidente durante o pleito.

Sob acusação da oposição e de observadores internacionais de falta de clareza na contagem de votos, não houve o reconhecimento da vitória de Maduro, que está no cargo desde 2012, primeiro interinamente (em substituição a Hugo Chávez) e, depois, por meio de eleições, realizadas em 2013 e 2018, mas a última vitória também havia sido objeto de muita discussão em decorrência da suspeita de fraude.

Nos últimos meses, sob o argumento de combate ao tráfico de drogas na América Latina, o governo norte-americano tem aumentado a pressão sobre maduro, alegando que ele teria ligação com o Cartel de los Soles, inclusive estabelecendo uma recompensa de US$ 50 milhões por informações aptas a levar à captura do atual presidente venezuelano.

A chegada do gigantesco porta-aviões USS Gerald Ford à região do Mar do Caribe reforçou a tensão e a possibilidade de que uma atitude mais drástica possa ocorrer a qualquer momento. A caracterização de grupos criminosos ligados ao narcotráfico como terroristas, responsáveis por efeitos nocivos no território norte-americano, é utilizada como argumento por Trump para justificar a ação mais incisiva.

O Brasil, como principal potência regional da América do Sul, é claramente agente interessado no desenrolar dos fatos, pois o conflito envolve a nação mais forte militar, política, cultural e economicamente do mundo e um país fronteiriço.

A grande questão é que está se aproximando, cada vez mais, o momento em que o posicionamento brasileiro pode trazer consequências concretas mais efetivas ao País, do ponto de vista político e econômico, muito além da questão da ampliação das tarifas.

A legitimidade de Maduro e Trump com relação a suas ações é pressuposto inafastável para a consideração desse complexo contexto internacional. O Brasil não pode se furtar a tomar uma posição em relação a isso em algum momento, pois muitos dos agentes envolvidos têm ligação com o País, seja historicamente ou por meio de organismos internacionais.

Ainda que, algumas vezes, certas figuras influentes politicamente queiram passar a falsa impressão de que determinadas situações complexas possam ser resolvidas de modo simples, com uma conversa, é evidente que o caso envolvendo Trump e Maduro pode ter implicações muito sérias para a sociedade brasileira, dado o problema nacional envolvendo o narcotráfico.

ARTIGOS

Nova lei da prisão preventiva: entre a eficiência processual e a garantia individual

Inovação mais sensível está na positivação de critérios objetivos que orientam a conversão do flagrante em prisão preventiva na audiência de custódia

05/12/2025 07h30

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A sanção da Lei nº 15.272, em 26 de novembro de 2025, representa um marco na evolução do processo penal brasileiro e inaugura uma fase de pragmatismo legislativo na gestão da segregação cautelar.

Ao alterar dispositivos estruturais do Código de Processo Penal, notadamente os artigos 310 e 312, o legislador tenta resolver uma tensão histórica: conferir objetividade aos critérios de prisão preventiva sem ignorar a necessidade de contenção da criminalidade reiterada.

Trata-se de uma reengenharia dos requisitos do periculum libertatis, que exige dos operadores do direito uma leitura menos automática e mais conectada à realidade social do risco apresentado pelo custodiado.

A inovação mais sensível está na positivação de critérios objetivos que orientam a conversão do flagrante em prisão preventiva na audiência de custódia. O novo § 5º do artigo 310 retira o magistrado de uma zona de conforto subjetiva, impondo um roteiro de análise vinculado à reiteração delitiva e à gravidade concreta da conduta.

Ao prever que a prática de crimes durante a tramitação de inquéritos ou ações penais, bem como a reincidência específica após liberação anterior, são vetores para o encarceramento, o dispositivo desafia diretamente a jurisprudência consolidada, especialmente a Súmula nº 444 do STJ.

A opção legislativa é clara: priorizar a tutela da ordem pública em uma dimensão de proteção imediata, mitigando, ainda que de forma excepcional e cautelar, a rigidez absoluta do princípio da não-culpabilidade para interromper ciclos criminais habituais.

A reforma também aprimora o conceito de periculosidade no artigo 312 ao afastar, de modo definitivo, a fundamentação baseada na gravidade abstrata do delito. A exigência de demonstração concreta do modus operandi, da participação em organização criminosa ou da natureza lesiva dos materiais apreendidos – como o potencial ofensivo de armamentos ou a variedade de entorpecentes – eleva o padrão de motivação judicial.

O movimento é ambivalente: de um lado, fornece instrumentos legais para manter presos indivíduos de comprovada periculosidade; de outro, protege o sistema contra a prisionização automática e baseada apenas na tipificação penal, exigindo risco real e individualizado à ordem pública.

No eixo da produção de prova e da inteligência investigativa, a criação do artigo 310-A moderniza o aparato estatal ao tornar obrigatório o requerimento de coleta de material biológico para identificação genética em casos de crimes violentos, sexuais ou praticados por organizações criminosas armadas.

A medida alinha o Brasil a práticas internacionais contemporâneas, afastando impasses doutrinários sobre autoincriminação em nome da precisão científica e da resolução de cold cases.

A tecnologia passa a compor a cadeia de custódia desde a prisão, fortalecendo o lastro probatório e reduzindo a margem de erro, tanto para condenações injustas quanto para absolvições decorrentes de falta de materialidade.

Assim, a Lei nº 15.272/2025 não deve ser lida sob a ótica simplificadora do punitivismo, mas como uma tentativa de racionalizar o sistema de justiça criminal. O texto legal entrega ao juiz de garantias e ao juiz da instrução parâmetros claros para justificar a medida extrema da privação de liberdade, restringindo o voluntarismo judicial.

A aplicação prática, contudo, especialmente no tocante à valoração de inquéritos em andamento como indicativo de risco, inevitavelmente estimulará debates constitucionais intensos.

Caberá às Cortes Superiores modular esses dispositivos, garantindo que a busca por eficiência e segurança pública não sufoque as garantias fundamentais que estruturam o Estado democrático de direito.

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