O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu, nesta semana, uma das decisões sociais mais relevantes dos últimos anos, ao reconhecer, por unanimidade, 11 votos a zero, que mulheres vítimas de violência doméstica que ficam temporariamente incapacitadas para o trabalho têm direito ao benefício por incapacidade temporária do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Ao julgar o Tema nº 1.370, a Corte afirmou que a proteção previdenciária não pode ser negada justamente no momento em que a vulnerabilidade se torna mais extrema.
Atuamos neste processo como amicus curiae, contribuindo com o debate constitucional e social que sustentou esse entendimento.
A decisão representa muito mais do que a fixação de um precedente jurídico. Trata-se de um avanço civilizatório. Durante décadas, o sistema previdenciário brasileiro operou sob uma lógica excessivamente estreita, segundo a qual apenas incapacidades diretamente relacionadas ao trabalho justificariam a proteção do Estado.
O STF rompeu com essa visão e reafirmou um princípio fundamental: a Previdência Social existe para amparar pessoas em situação de vulnerabilidade, e a violência doméstica é uma das formas mais graves e silenciosas de produzir incapacidade.
Ao reconhecer que agressões sofridas no ambiente doméstico podem gerar consequências físicas e psicológicas tão incapacitantes quanto um acidente de trabalho, o Supremo enfrentou uma omissão histórica.
Negar o benefício nesses casos significava impor à vítima uma segunda violência, desta vez institucional, ao deixá-la sem renda, sem autonomia e sem condições mínimas de subsistência justamente quando mais precisa de proteção.
A Corte também foi cuidadosa ao estabelecer critérios objetivos para a concessão do benefício, exigindo ordem judicial para o afastamento, perícia que comprove a incapacidade e limite máximo de seis meses de pagamento.
A decisão, portanto, concilia sensibilidade social com responsabilidade fiscal e segurança jurídica, afastando qualquer narrativa de privilégio ou benefício indiscriminado.
O julgamento do Tema nº 1.370 envia ainda uma mensagem clara à sociedade: a violência doméstica não é um problema privado, restrito à esfera íntima das famílias. É uma questão pública, com impactos diretos sobre o sistema de saúde, o mercado de trabalho e a Previdência Social.
Ignorar esses efeitos é perpetuar o ciclo de dependência econômica que mantém muitas mulheres presas à violência.
Ao garantir o benefício por incapacidade temporária, o STF reafirma a Previdência como instrumento de proteção social, e não como simples mecanismo de contenção de despesas.
Demonstra que o Estado não pode se afastar quando a violência destrói, ainda que temporariamente, a capacidade laboral de uma mulher. Garantir renda, nesses casos, é garantir dignidade, autonomia e a possibilidade real de reconstrução da vida.
O Tema nº 1.370 entra para a história não apenas como um marco jurídico relevante, mas como um gesto institucional de humanidade. Em um país onde milhares de mulheres ainda sofrem violência em silêncio, o Supremo deixou uma mensagem inequívoca: quando a violência incapacita, o dever do Estado é amparar, nunca abandonar.


