Artigos e Opinião

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O Direito torto

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Definitivamente o Direito está torto.  Quase noventa milhões de processos pendentes de solução,  uma morosidade inexplicável. Justiça gratuita é para inglês ver.

Muitos mecanismos protelatórios, um ritual burocrático capaz de cansar qualquer alma bem intencionada, uma precariedade no acesso,  salários altíssimos,  penduricalhos para a casta jurídica desconexos com a realidade, uma estranha cumplicidade com os cartórios, entre outros aspectos,  colocam o Estado

Democrático de Direito numa situação muito delicada quanto a credibilidade neste modelo social, colocando o cidadão jurisdicionado num beco sem saída.

A situação está assim: os direitos e deveres não se tornam plenos sem um advogado; pobres não conseguem acesso as suas necessidades elementares sem o Estado.

O tempo do cidadão é diferente do tempo dos órgãos públicos.  O cidadão tem pressa. O funcionário público tem a estabilidade e as normas burocráticas. Um desencontro entre o tempo de um e de outro? 

Vivemos num Estado Democrático de Direito. Isso  significa que da Constituição  Federal emana todo o regramento jurídico que conduz os comportamentos coletivos.

O Estado é seu vigilante moderador.  Tanto um quanto o outro flexibilizam seus saberes e práticas de modo a acompanhar a evolução da sociedade.

Está assentado em dois pilares fundamentais: democracia e direitos.  Mas, o que  queremos realçar neste texto é a necessidade da participação popular nos destinos da coletividade e com seus direitos garantidos de forma a fundamentar e proteger o pleno exercício da cidadania.

Caso contrário nasce um distanciamento prejudicial entre  o cidadão tutelado e o Estado, em detrimento de seus serviços constitucionais.

Quando o regime democrático começa a desinteressar o cidadão de participar da vida político-social,  é um sinal de alerta, pois provoca um afastamento do Bem Comum e uma exacerbação do individualismo.

Quando o Direito possui tantas normas jurídicas, que termina por dificultar ou burocratizar o estabelecimento da justiça social de forma célere e efetiva, na verdade está colaborando com a injustiça.

Quando um pequeno segmento da sociedade se beneficia muito mais dos mecanismos reguladores do Estado em detrimento de outros segmentos mais vulneráveis,  temos injustiça política e social.

Bom lembrar que esta equação parece ser resolvida com uma publicidade nos meios de comunicação de massa e mutirões. 

Nesse sentido, podemos dizer, metaforicamente, que o Direito está torto, traduzido  por uma inadequação entre regras comuns à todos e sua aplicabilidade igualitária, na garantia de contar com seus direitos protegidos.

Talvez por causa de uma desigualdade de acesso ao poder regulador do Estado,  através dos serviços oferecidos. Um doente desajuste entre o que está acordado no contrato social e o que é concretamente realizado. É nesse ponto que nascem os paradoxos.

E eles são o começo,  o meio e o fim da fragilização e posterior decadência de um determinado modelo social. Será que não estamos vendo esse filme? 

Duas coisas  óbvias ajudam a entender  melhor essa crise no pleno acesso ao Estado Democrático de Direito. Quando no serviço publico a necessidade dos contribuintes são maiores do que a disponibilidade dos serviços oferecidos, cria-se uma espécie de mantra “são as normas“, querendo explicar esse distanciamento entre o tempo do cidadão e o tempo do serviço publico.

Quando na população escutamos outra espécie de mantra perigoso “É assim mesmo“, temos a expressão do comodismo instalado. Ambiente favorável para o surgimento de discursos milagreiros de todos os gêneros. Fermento da polarização ideológica. Os partidos políticos se locupletam disso. 

Por volta do ano de 1921, Rui Barbosa deixou registrado que  “Justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”. E paga pelos jurisdicionados, sobre os quais não pode ser atribuída a decadência do charmoso Estado Democrático de Direito.

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ARTIGOS

O que tem para dizer o MPF?

19/11/2024 07h45

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O que há de ser entendido no silêncio que o Ministério Público Federal (MPF) adotou – quando se calou e se mantém calado – diante da solução que os governos federal e estadual encontraram para pôr fim ao caso da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul?

Como é sabido, a questão abarcava conflitos violentos que vinham acontecendo há décadas entre indígenas e não indígenas. Esses conflitos foram desencadeados a partir da instrução do processo administrativo em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) demarcou – pela ocupação indígena em passado remoto que ela mesmo declarou – um território inteiro de terras particulares em Antônio João, até então, integralmente ocupado, possuído e explorado há quase um século por seus respectivos proprietários. 

O que amparava esses conflitos era a teoria do indigenato, de 1912, do ministro João Mendes, que pela ocupação indígena em passado remoto identificou a TI Ñande Ru Marangatu. Essa forma de identificação de terra indígena tem sido a causa das incontáveis invasões indígenas às terras particulares que ocorreram e que ocorrem todos os dias em MS e em muitas regiões do território nacional.

Lado outro, a Comissão Especial de Autocomposição do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo, o que leva concluir que a mais alta Corte de Justiça concorda com esse modus operandi de se identificar terras indígenas e o adota, como se tanto fosse possível, na solução das causas que julga envolvendo matéria indígena. O exemplo mais recente envolve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC.

Aliás, a Corte faz confusão quando identifica terras indígenas. Ora adota a teoria do indigenato, ora adota a sua própria interpretação, proclamada na assertiva de que a “configuração de terras ‘tradicionalmente ocupadas’ pelos índios já foi pacificada com a edição da Súmula nº 650, que dispõe: ‘Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto’”.

Notadamente, o STF relativizou ainda mais o direito de propriedade constitucional diante da matéria indígena, proclamando que, uma vez constatada a ocupação indígena em passado remoto, não há que se invocar o direito de propriedade, o título translativo nem a cadeia sucessória do domínio como defesa. Em resumo, o posicionamento extremo do Supremo é de que a ocupação indígena – seja ela presente, seja ela em passado remoto (indigenato) – define a terra indígena da União. 

A seu turno, por que o MPF – ferrenho defensor dessa ordem jurídica – deixou que os governos federal e estadual pagassem aos particulares pelas terras indígenas que ocupavam e exploravam no distrito de Campestre, em Antônio João? Com a palavra, o MPF em Mato Grosso do Sul!

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ARTIGOS

A resiliência e a fé

19/11/2024 07h30

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Os desafios diários enfrentados por quem atua na proteção da natureza têm se tornado uma enorme prova de resistência e fé. As condições climáticas extremas, impulsionadas pelas altas temperaturas, ameaçam nossas reservas com o fogo e penalizam a fauna e a flora – já impactadas pela reincidência de incêndios violentos desde 2020.

Percebo que a fauna enfrenta o pior processo de extinção desde o período em que conseguimos a vitória no controle da caça, do tráfico de animais silvestres e da pesca predatória na década de 1980. O cenário atual é de destruição de habitat natural, em que espécies estão sendo dizimadas de forma assustadora, especialmente répteis e insetos. As chamas estão tão intensas que, somadas aos ventos fortes, invadem todos os lugares: locas, copas das árvores, etc, persistindo por meses de forma impiedosa.

Não há dúvidas de que estamos perdendo essa batalha. Somente neste ano já ultrapassamos os 3 milhões de hectares queimados. Esse trágico número foi alcançado mesmo com o empenho de recursos financeiros nas ações de combate, que certamente superam R$ 1 bilhão – entre os investimentos dos governos federal e estadual.

Nunca tivemos – em um histórico de 40 anos – uma infraestrutura de combate tão ampla, incluindo recursos humanos, equipamentos de logística, helicópteros, caminhões e embarcações. É importante destacar o trabalho pioneiro da Famasul, que contabiliza os prejuízos na produção das fazendas no Pantanal, já ultrapassando R$ 50 milhões.

Como podemos ser mais eficientes se nossa capacidade financeira já extrapola seus limites dos desafios e a força humana se mostra insuficiente, em algumas situações até incapaz? Estamos enfrentando algo sem precedentes e que excede nossa capacidade de resposta.

Não devemos nos omitir na identificação dos responsáveis. Eles existem, embora sejam poucos. Ainda assim, acredito que não haverá melhoras significativas na questão comportamental apenas com multas milionárias e possíveis prisões. 

A experiência de outros países, como Portugal e Austrália, nos indica que o ímpeto punitivo não traz uma solução completa. Esses países já lidam com incêndios gigantescos e perdas de vidas humanas em virtude deles há mais de 20 anos.

O mais impressionante – e certamente mais doloroso que as próprias chamas – são as acusações equivocadas e a ignorância de alguns que associam o crescimento dos incêndios às reservas de proteção. Ao contrário, as poucas áreas protegidas no Pantanal (menos de 5%) têm estruturas para evitar incêndios e ações preventivas em seus planos de trabalho, como a presença de brigadas.

Podemos reduzir a escalada dos incêndios ano após ano se implementarmos outras estratégias que não se restrinjam ao combate ao fogo, mas que incluam 
a prevenção. Devemos reconhecer que nossos planos atuais não estão trazendo os resultados esperados e que não será somente o aumento dos investimentos financeiros que nos trará a solução.

O ponto crítico é como um dos biomas mais preservados (cerca de 85%) passou a ser um grande emissor de gás carbônico no País. Os fenômenos naturais são impactados negativamente pelas condições climáticas extremas. Essa situação ameaça nosso bioma e exige novas estratégias que unam ciência e competência para enfrentar esses fenômenos sem precedentes.

Restaurar ao proprietário formas de manejo do fogo pode ser uma alternativa. Eles podem ajudar. Ao mesmo tempo, com mais tecnologia e grupos de ação de combate ao fogo, equipados com boa logística e equipamentos adequados, podemos reduzir o tempo de resposta. Não podemos desistir e precisamos ter fé e resistência para rever nossa relação com o planeta.

Poderíamos, em um gesto responsável, olhar e fazer algo pela nascente do Rio Paraguai. Não sou pessimista, mas talvez apenas a desesperança e o senso de urgência possam nos salvar.

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