Artigos e Opinião

EDITORIAL

O paralelo entre o consórcio e a Enel

A greve dos motoristas de ônibus, motivada pela incapacidade financeira do concessionário de honrar os salários de seus empregados, é o fundo do poço de um contrato problemático

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A população de Campo Grande caminha para viver uma semana lamentável na prestação de serviços essenciais, em especial no transporte público.

A iminência de paralisações, a insegurança sobre a continuidade das linhas e o desgaste cotidiano enfrentado pelos usuários expõem, de forma escancarada, um sistema que já vinha dando sinais claros de esgotamento. O que se vê agora não é um episódio isolado, mas o ápice de uma crise que se arrasta há anos.

A greve dos motoristas de ônibus, motivada pela incapacidade financeira do concessionário de honrar o pagamento dos salários de seus empregados, representa o fundo do poço de um contrato problemático.

Um contrato que resulta em um serviço aquém do esperado, marcado por frota envelhecida, atrasos constantes, superlotação e uma satisfação baixíssima da população. Quando trabalhadores deixam de receber e usuários ficam sem transporte, fica evidente que o modelo fracassou.

A situação revelada durante a greve escancara uma verdadeira falência contratual. Não se trata apenas de um colapso financeiro, mas também de uma falência de credibilidade junto aos usuários, às instituições e ao próprio poder concedente.

O paralelo com a crise vivida pela concessionária de energia elétrica Enel, em São Paulo, é inevitável. Assim como ocorreu no setor elétrico paulista, o problema deixou de ser apenas técnico ou pontual e passou a comprometer a confiança no serviço prestado e na capacidade de resposta da concessionária.

A demonstração mais clara desse cenário lamentável foi a intervenção da Justiça no Consórcio Guaicurus, decidida nesta semana. Ainda que se discuta se a intervenção será, de fato, efetivada ou em que moldes ocorrerá, o simples fato de o Judiciário ser chamado a intervir já evidencia a gravidade da situação.

Quando contratos de concessão chegam a esse ponto, é sinal de que todos os mecanismos de fiscalização e correção falharam ao longo do caminho.

Independentemente do desfecho jurídico, o que se impõe é a necessidade urgente de mudar a forma de prestar o serviço de transporte público em Campo Grande. Não se resolve um problema estrutural com medidas improvisadas, paliativos ou decisões baseadas em achismos.

É indispensável uma ampla revisão do modelo, com estudos técnicos consistentes, um desenho financeiro sustentável e metas claras de qualidade e eficiência.

Há cerca de dois anos, o governo do Estado, que tem acumulado experiência em parcerias público-privadas, dispôs-se a auxiliar o Município na busca por soluções. Não está claro, até agora, se essa ajuda foi efetivamente buscada ou aproveitada pela administração municipal.

O fato é que oportunidades de cooperação técnica e institucional não podem ser desperdiçadas quando está em jogo um serviço essencial para a vida urbana.

O que está absolutamente claro é que algo precisa ser feito – e com urgência. Mais do que uma greve de motoristas, a situação vivida nesta semana é um grito coletivo por melhoria do transporte público.

É o clamor de trabalhadores que querem receber em dia, de usuários que exigem dignidade e de uma cidade que não pode continuar refém de um sistema falido. Ignorar esse alerta é condenar Campo Grande a repetir, indefinidamente, os mesmos erros e as mesmas crises.

ARTIGOS

Greve de ônibus em Campo Grande expõe falhas de gestão e fragilidade institucional

Quando um serviço essencial entra em colapso, evidencia-se a ausência de planejamento, de fiscalização eficiente e de mecanismos de mediação capazes de prevenir crises que afetam diretamente a vida da população

17/12/2025 07h45

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A greve de ônibus em Campo Grande vai além de um impasse pontual entre trabalhadores, empresas e poder público, ela escancara a precariedade da gestão atual e a fragilidade das instituições responsáveis por garantir a prestação adequada dos serviços públicos.

Quando o transporte coletivo – um serviço essencial – entra em colapso, evidencia-se a ausência de planejamento, de fiscalização eficiente e de mecanismos de mediação capazes de prevenir crises que afetam diretamente a vida da população.

As instituições que deveriam zelar pela entrega de valor à sociedade falham ao permitir que conflitos previsíveis cheguem a esse nível. A gestão pública, ao não exercer seu papel regulador com firmeza e transparência, transfere para o cidadão o custo da ineficiência administrativa.

A falta de diálogo estruturado, de contratos bem fiscalizados e de políticas de mobilidade consistentes cria um ambiente de instabilidade permanente, no qual greves se tornam recorrentes e quase naturalizadas.

O impacto econômico é imediato e amplo. Trabalhadores enfrentam dificuldades para chegar aos seus empregos, empresas perdem produtividade, o comércio registra queda no movimento e serviços essenciais operam de forma precária.

A economia como um todo sai perdendo, pois a interrupção do transporte coletivo afeta cadeias produtivas inteiras e aprofunda desigualdades, penalizando principalmente quem depende exclusivamente do ônibus para se deslocar.

Além disso, a paralisação traz consequências diretas para a saúde e o bem-estar de todos. Com a dificuldade de deslocamento, equipes responsáveis pelos serviços de asseio e conservação também são prejudicadas, resultando em deterioração das condições sanitárias em diversos ambientes, como escolas, supermercados, condomínios, etc.

Esse cenário favorece a proliferação de doenças, aumenta riscos ambientais e compromete a qualidade de vida.

Mais grave ainda é o prejuízo à cidadania. O direito de ir e vir é comprometido, assim como o acesso a serviços básicos, e a população passa a perceber o Estado como incapaz de cumprir sua função básica de garantir serviços públicos de qualidade.

Isso corrói a confiança nas instituições e reforça a sensação de abandono e descrédito na gestão pública.

A greve de ônibus, portanto, não deve ser vista apenas como um problema trabalhista ou operacional, mas como um sintoma de falhas estruturais.

Superar esse cenário exige uma gestão mais profissional, instituições fortalecidas, transparência nos contratos e um compromisso real com a entrega de valor ao cidadão. Sem isso, crises semelhantes continuarão a se repetir, com custos sociais, econômicos e sanitários cada vez mais elevados.

ARTIGOS

Mulheres vítimas de violência doméstica têm vitória histórica no STF

Negar o benefício nesses casos significava impor à vítima uma segunda violência, desta vez institucional, ao deixá-la sem renda, sem autonomia e sem condições mínimas de subsistência justamente quando mais precisa de proteção

17/12/2025 07h30

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O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu, nesta semana, uma das decisões sociais mais relevantes dos últimos anos, ao reconhecer, por unanimidade, 11 votos a zero, que mulheres vítimas de violência doméstica que ficam temporariamente incapacitadas para o trabalho têm direito ao benefício por incapacidade temporária do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Ao julgar o Tema nº 1.370, a Corte afirmou que a proteção previdenciária não pode ser negada justamente no momento em que a vulnerabilidade se torna mais extrema.

Atuamos neste processo como amicus curiae, contribuindo com o debate constitucional e social que sustentou esse entendimento.

A decisão representa muito mais do que a fixação de um precedente jurídico. Trata-se de um avanço civilizatório. Durante décadas, o sistema previdenciário brasileiro operou sob uma lógica excessivamente estreita, segundo a qual apenas incapacidades diretamente relacionadas ao trabalho justificariam a proteção do Estado.

O STF rompeu com essa visão e reafirmou um princípio fundamental: a Previdência Social existe para amparar pessoas em situação de vulnerabilidade, e a violência doméstica é uma das formas mais graves e silenciosas de produzir incapacidade.

Ao reconhecer que agressões sofridas no ambiente doméstico podem gerar consequências físicas e psicológicas tão incapacitantes quanto um acidente de trabalho, o Supremo enfrentou uma omissão histórica.

Negar o benefício nesses casos significava impor à vítima uma segunda violência, desta vez institucional, ao deixá-la sem renda, sem autonomia e sem condições mínimas de subsistência justamente quando mais precisa de proteção.

A Corte também foi cuidadosa ao estabelecer critérios objetivos para a concessão do benefício, exigindo ordem judicial para o afastamento, perícia que comprove a incapacidade e limite máximo de seis meses de pagamento.

A decisão, portanto, concilia sensibilidade social com responsabilidade fiscal e segurança jurídica, afastando qualquer narrativa de privilégio ou benefício indiscriminado.

O julgamento do Tema nº 1.370 envia ainda uma mensagem clara à sociedade: a violência doméstica não é um problema privado, restrito à esfera íntima das famílias. É uma questão pública, com impactos diretos sobre o sistema de saúde, o mercado de trabalho e a Previdência Social.

Ignorar esses efeitos é perpetuar o ciclo de dependência econômica que mantém muitas mulheres presas à violência.

Ao garantir o benefício por incapacidade temporária, o STF reafirma a Previdência como instrumento de proteção social, e não como simples mecanismo de contenção de despesas.

Demonstra que o Estado não pode se afastar quando a violência destrói, ainda que temporariamente, a capacidade laboral de uma mulher. Garantir renda, nesses casos, é garantir dignidade, autonomia e a possibilidade real de reconstrução da vida.

O Tema nº 1.370 entra para a história não apenas como um marco jurídico relevante, mas como um gesto institucional de humanidade. Em um país onde milhares de mulheres ainda sofrem violência em silêncio, o Supremo deixou uma mensagem inequívoca: quando a violência incapacita, o dever do Estado é amparar, nunca abandonar.

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