Artigos e Opinião

EDITORIAL

O preço que impede o jovem de dirigir

O Brasil pode adotar modelos mais acessíveis e igualmente rigorosos para a emissão da CNH, como ocorre em outros países, onde o foco está na segurança e na prática

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Tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Brasil, em especial em Mato Grosso do Sul, tornou-se um desafio que beira o impossível para muitos jovens. O levantamento publicado nesta edição mostra que o Estado tem uma das CNHs mais caras do País, e isso não é apenas uma curiosidade estatística: é um retrato de como um direito de mobilidade e uma ferramenta de inserção profissional se transformaram em artigo de luxo. Já passa da hora de o País discutir seriamente como baratear o processo de habilitação e devolvê-lo à sua função original: formar motoristas capacitados, sem excluir socialmente quem não pode pagar.

O alto custo da CNH atinge o cidadão justamente no momento em que ele é mais vulnerável financeiramente: a juventude. É entre os 18 anos e os 25 anos que a maioria tenta ingressar no mercado de trabalho, cursar a faculdade, iniciar a vida adulta. É também nessa fase que se descobre o peso das taxas, das aulas obrigatórias, dos exames e das burocracias, que, somados, tornam a obtenção da carteira inviável para quem não tem apoio familiar ou reserva financeira. Para muitos, o sonho de dirigir – e, mais do que isso, de trabalhar – fica adiado por tempo indeterminado.

Há tempos tirar a CNH deixou de ser sinônimo de comprar o primeiro carro. Hoje, ela é antes de tudo um instrumento de acesso a oportunidades. Motoristas de aplicativo, entregadores, vendedores, profissionais de manutenção, operadores logísticos e tantos outros dependem da habilitação, não como símbolo de status, mas como requisito para gerar renda. Grandes empresas exigem a carteira mesmo para cargos administrativos ou comerciais que envolvem deslocamentos. Em alguns casos, o simples fato de não ter CNH elimina o candidato de um processo seletivo. Ou seja: o custo da habilitação não apenas pesa no bolso, ele também fecha portas.

A ironia é que o Estado, que deveria incentivar a capacitação e a formalização, acaba impondo uma barreira que segrega. Um curso completo de autoescola pode ultrapassar facilmente a casa dos R$ 3 mil em Mato Grosso do Sul, e ainda há as taxas de exames, laudos médicos e psicológicos, custos de renovação e eventuais reprovações. Soma-se a isso a falta de programas permanentes de incentivo, como o CNH Social – política que, quando existe, é limitada e atinge um número muito pequeno de beneficiados. O resultado é que dirigir legalmente se tornou privilégio.

Flexibilizar as regras e reduzir o custo da CNH não significa comprometer a qualidade da formação. O Brasil pode adotar modelos mais acessíveis e igualmente rigorosos, como ocorre em outros países, onde o foco está na segurança e na prática, e não em um emaranhado de taxas e obrigações que beneficiam mais o sistema do que o aluno. É possível reduzir a carga horária teórica, digitalizar parte das etapas, revisar exigências desnecessárias e abrir espaço para parcerias com escolas públicas e programas de qualificação profissional.

O trânsito brasileiro, um dos mais letais do mundo, não precisa de menos formação, precisa de formação mais eficiente e inclusiva. Tornar o processo acessível é investir em motoristas conscientes e em jovens com mais chances de construir uma vida autônoma. O que não faz sentido é manter um modelo que transforma a CNH em símbolo de desigualdade. O acesso à habilitação deveria ser um caminho para a cidadania, não um privilégio de quem pode pagar. Enquanto isso não mudar, o volante continuará distante das mãos de quem mais precisa dele.

EDITORIAL

Judiciário não é palco nem mercado

Restringir a atuação como coach e impor limites a determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental

13/12/2025 07h15

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A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, de proibir que magistrados atuem como coaches, seja nas redes sociais ou fora delas, não é apenas correta como necessária.

Trata-se de um freio institucional que chega em boa hora a um Judiciário que, nos últimos anos, tem convivido com excessos de exposição, vaidade e práticas que colocam em xeque a sobriedade exigida da magistratura.

Não é de hoje que esse limite vem sendo testado.

Há cerca de dois anos, causou perplexidade o caso de um ex-juiz federal que passou a vender cursos na internet ensinando “táticas” para ganhar recursos judiciais. O paradoxo salta aos olhos: quem julgava recursos passou a faturar dinheiro “por fora” ensinando advogados a vencê-los.

Ainda que se alegue liberdade profissional após deixar a toga, a prática é, no mínimo, eticamente questionável e contribui para corroer a confiança da sociedade na imparcialidade do sistema de Justiça.

A medida de Fachin reconhece um problema real: tem faltado comedimento à parte da magistratura brasileira.

Em tempos de redes sociais, palestras remuneradas e cursos de viés mercadológico, alguns juízes parecem ter esquecido uma máxima antiga, simples e ainda extremamente atual: o lugar em que o magistrado mais deve falar é nos autos.

A autoridade da toga não se constrói com likes, seguidores ou discursos performáticos, mas com decisões técnicas, fundamentadas e discretas.

Restringir a atuação como coach e impor limites à determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental. Não se trata de censura nem de cerceamento da liberdade intelectual, mas de preservação da função jurisdicional.

O juiz não é um influenciador digital, tampouco um vendedor de fórmulas de sucesso processual. É agente do Estado, investido de poder para decidir conflitos com independência e imparcialidade.

Isso, porém, não significa defender um Judiciário hermético ou alheio à sociedade. Ao contrário: as cortes precisam, sim, se comunicar melhor nestes novos tempos, explicar decisões complexas, dialogar institucionalmente com a população e prestar contas de seu funcionamento. Comunicação institucional é necessária; autopromoção individual, não.

No fim das contas, o que está em jogo é o respeito à própria instituição. O Judiciário é, talvez, o Poder que mais precisa ser respeitado para que a democracia funcione. E esse respeito não é um privilégio – é uma obrigação que começa dentro de casa.

Seriedade, sobriedade e autocontenção não são virtudes acessórias para magistrados; são requisitos essenciais para quem exerce uma das funções mais sensíveis do Estado.

ARTIGOS

Novas regras do Banco Central sobre ativos virtuais: um marco de maturidade regulatória

Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo

12/12/2025 07h45

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Em 10 de novembro, o Banco Central do Brasil deu um passo histórico ao publicar as Resoluções BCB nº 519, nº 520 e nº 521, que inauguram um novo ciclo de regulação do mercado de ativos virtuais no País.

Com essas normas, o Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).

Mais do que um conjunto técnico de regras, essas resoluções representam um amadurecimento institucional do sistema financeiro brasileiro diante da realidade cripto. Até então, o setor operava em uma zona cinzenta regulatória, com supervisão limitada e grande diferenças de informações entre prestadores e usuários.

Agora, o País passa a estabelecer bases claras para a operação de Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Psav), além de definir, pela primeira vez, o tratamento cambial para operações internacionais com criptoativos.

A Resolução BCB nº 519/2025 impõe um padrão de governança que coloca as Psav sob um nível de exigência comparável ao das instituições financeiras. Exige-se segregação patrimonial, controles internos robustos e políticas de PLD/FT equivalentes às do sistema bancário.

Essa medida mitiga riscos de uso indevido dos recursos dos clientes e reduz o espaço para fraudes e práticas abusivas. Pontos sensíveis em um setor historicamente marcado por volatilidade e escândalos.

Já a Resolução BCB nº 520/2025 institui o processo de autorização prévia para funcionamento das Psav, com vedações expressas à oferta de crédito e à captação de recursos de clientes qualificados.

O objetivo é proteger investidores e garantir que as operações com criptoativos não contaminem o sistema financeiro tradicional com riscos de liquidez e solvência. A exigência de sede no Brasil e critérios rigorosos de idoneidade e gestão de riscos também reforçam o compromisso com a responsabilidade corporativa e a transparência operacional.

Por sua vez, a Resolução BCB nº 521/2025 corrige uma lacuna importante ao enquadrar as operações internacionais com criptoativos, como operações de câmbio, sempre que houver conversão de moeda ou transferência internacional de valores.

Essa regra coloca as transações de cripto sob a mesma lente de compliance cambial que rege outras formas de movimentação financeira internacional, prevenindo brechas para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Para bancos e instituições financeiras, o novo marco regulatório representa tanto uma oportunidade quanto uma responsabilidade. A integração dos serviços com ativos virtuais ao portfólio bancário passa a ser viável, desde que sejam obedecidos os novos parâmetros de segurança, segregação de recursos e reporte regulatório.

Ao mesmo tempo, essas instituições terão de repensar suas estruturas de governança e compliance para acomodar o ecossistema cripto dentro de uma lógica de controle prudencial.

Alguns pontos, entretanto, merecem atenção especial: a vedação de crédito com recursos próprios em operações cripto, a segregação total de fundos de clientes, o reforço dos controles de PLD/FT, e o tratamento cambial obrigatório em transações internacionais.

Tais exigências sinalizam que o Banco Central, de maneira mais que devida e assertiva, pretende equilibrar o incentivo à inovação com a blindagem contra riscos sistêmicos e ilícitos financeiros.

Contudo, o período de adaptação será curto. As regras entram em vigor a partir de 2 de fevereiro de 2026 e as obrigações adicionais de reporte internacional passam a valer a partir de 4 de maio de 2026.

Empresas que já atuam no mercado precisam, portanto, iniciar imediatamente seus processos de adequação, revisando estruturas societárias, sistêmicas, políticas de custódia e mecanismos de compliance.

Por fim, as novas resoluções não devem ser vistas como um freio à inovação, mas como um sinal evidente de maturidade regulatória do País.

Ao oferecer um ambiente seguro, transparente e supervisionado, o Banco Central cria as condições para que o Brasil se consolide como um polo confiável de desenvolvimento em blockchain e ativos digitais. É o início de uma nova era em que a confiança institucional passa a ser o ativo mais valioso do universo cripto.

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