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O setor nuclear brasileiro em 2025: por que seguimos parados enquanto o planeta avança?

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Encerramos este ano com a clareza de que o setor nuclear brasileiro vive um ponto de inflexão. Talvez o mais determinante desde a criação do Programa Nuclear Brasileiro, ainda nos anos 1970. Pela primeira vez em décadas, acumulamos avanços legislativos, regulatórios e institucionais que recolocam a energia nuclear no centro da estratégia nacional de desenvolvimento, segurança energética e transição climática. Mas, ao mesmo tempo, seguimos presos a entraves históricos que impedem o País de transformar potencial em realidade. É justamente dessa combinação de conquistas e desafios que surge a urgência por um novo ciclo de decisões.

Ao longo do ano, o Brasil finalmente deu passos concretos para reposicionar a fonte nuclear. A inclusão da energia nuclear no Programa de Transição Energética e sua entrada na Taxonomia Sustentável Brasileira simbolizam não apenas um reconhecimento técnico, mas uma mudança de mentalidade no próprio governo federal, que passou a enxergar a energia firme e de baixo carbono como um pilar essencial da descarbonização. A atuação da Abdan como representante do Fase no Plante e no Fonte reforçou nossa contribuição direta na formulação de políticas públicas estruturantes. Ao mesmo tempo, o debate sobre a inclusão da fonte nuclear nas Zonas de Processamento de Exportação e nos incentivos para data centers mostrou que o País começa a conectar energia, neoindustrialização e digitalização, três dimensões que precisam caminhar juntas.

No cenário internacional, este foi um ano de afirmação do Brasil no concerto global da energia nuclear. Lideramos a missão brasileira na World Nuclear Exhibition, fortalecendo parcerias com países estratégicos, reforçando nossa presença nas discussões da AIEA e levando o debate à plataforma climática mais importante do planeta, a COP30, onde a energia nuclear conquistou espaço e maturidade inéditos no discurso de transição energética. Isso evidencia que, quando o Brasil atua com consistência técnica e clareza institucional, sua voz é ouvida.

Mas o mesmo ano que apresentou avanços históricos também escancarou fragilidades profundas. Seguimos sem um Programa Nuclear Brasileiro atualizado, o documento em vigor ainda é o de 1977. Os principais instrumentos de planejamento, como o PDE e o PNE, continuam falhos ao valorizar as fontes firmes, insistindo em premissas que não refletem a dinâmica energética atual. A governança do setor permanece fragmentada. A Autoridade Nacional de Segurança Nuclear ainda caminha para assumir plenamente seu papel regulatório, enquanto parte das normas permanece ancorada em estruturas anteriores à Constituição de 1988.

Além disso, enfrentamos uma batalha permanente de comunicação, pois o setor nuclear brasileiro ainda sofre com percepções antigas, narrativas ultrapassadas e resistência social alimentada por desinformação.

E, no centro de tudo isso, permanece o símbolo máximo da hesitação nacional: Angra 3. Chegamos ao fim deste ano com mais um pedido de novo estudo, enquanto o mundo acelera. Hoje, 416 reatores estão em operação globalmente, e 63 estão em construção. A China avança em ritmo exponencial, a Europa revisa antigas decisões, os Estados Unidos retomam seu programa com vigor e a demanda energética impulsionada por IA, digitalização, hidrogênio de baixo carbono e data centers cria um cenário em que a energia firme deixou de ser apenas necessária, ela se tornou estratégica. Abandonar Angra 3 seria um erro histórico, e insistir na indefinição é igualmente danoso. Concluir a usina com governança robusta, modelo econômico moderno e decisão política clara é a única alternativa racional.

O mundo avança enquanto o Brasil hesita. Mas o País não precisa, e não deve ficar parado. Temos capacidade industrial, domínio tecnológico, corpo técnico qualificado, experiência comprovada e recursos naturais suficientes para garantir todo o ciclo do combustível. Temos também, agora, avanços legislativos estratégicos e articulação institucional madura. O que falta é decisão e coragem.

Este ano mostrou que o Brasil está preparado. E 2026 precisa ser o ano em que o País escolhe finalmente avançar. Não existe transição energética segura, confiável e de baixo custo sem energia nuclear. E não existe soberania energética sem um programa nuclear forte, moderno e estável. Este é o momento de reconhecer que, para olhar para o futuro, não podemos repetir os velhos clichês do passado. O Brasil tem a oportunidade real de se posicionar entre as nações que entendem seu tempo histórico. O setor nuclear está pronto. Resta saber se o País também está.

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Como democratizar o acesso à IA pode mudar a economia brasileira

26/12/2025 07h45

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A inteligência artificial (IA) deixou de ser promessa futurista e se tornou um motor de transformação econômica atual. Estimativas de especialistas indicam que a adoção da IA pode adicionar até 13 pontos porcentuais ao PIB brasileiro até 2035, um impacto que ilustra não apenas o potencial da tecnologia, mas também a urgência de torná-la acessível a todas as pessoas e empresas. Afinal, os ganhos não podem ficar restritos a grandes corporações: precisam ser compartilhados com todo o ecossistema produtivo.

Esse movimento já está em andamento. Dados do IBGE mostram que a indústria nacional tem avançado na incorporação da inteligência artificial em processos produtivos. E não se trata de uma realidade distante das pequenas empresas: estudos recentes apontam que 61% das PMEs brasileiras já utilizam algum tipo de ferramenta de IA. A transformação digital, portanto, não é e nem deve ser exclusividade de gigantes.

O desafio está na profundidade do uso. Embora a adoção esteja em curso, a maior parte das PMEs ainda explora a IA apenas para funções operacionais básicas. Segundo a AWS, 80% das PMEs brasileiras utilizam a tecnologia de maneira limitada, enquanto apenas 10% conseguem avançar para usos mais sofisticados, como análises preditivas ou automação estratégica. Isso revela um paradoxo: a tecnologia já chegou até elas, mas seu potencial permanece subutilizado.

É aqui que a democratização se torna essencial. Tornar a IA acessível não significa apenas disponibilizar ferramentas, mas também garantir conhecimento, capacitação e integração estratégica para que empresas de todos os portes consigam extrair valor real da tecnologia. Democratizar a inteligência artificial é reduzir desigualdades entre grandes e pequenas empresas, equilibrar a competitividade e, sobretudo, acelerar a modernização de um país em que a maioria dos negócios é formada por PMEs.

Por fim, vale concluir que a inteligência artificial já mostrou que pode transformar a forma como trabalhamos e produzimos. O próximo passo é garantir que essa mudança alcance a todos. Pois esse é o caminho para que o Brasil realize plenamente o potencial de crescimento que já está ao nosso alcance.

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Lei Magnitsky, anistia e o custo internacional das crises institucionais

26/12/2025 07h30

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A política costuma se iludir com a ideia de que conflitos institucionais são assuntos domésticos, resolvidos dentro das fronteiras nacionais e imunes a interferências externas. A aplicação recente da Lei Magnitsky ao Brasil desmonta essa crença. Pela primeira vez de forma explícita, uma disputa entre Poderes, com epicentro no Supremo Tribunal Federal (STF), passou a gerar consequências financeiras, diplomáticas e pessoais no plano internacional. Não se trata mais de retórica ideológica ou pressão simbólica: trata-se de sanção concreta, com efeitos reais sobre ativos, circulação financeira e mobilidade internacional de autoridades brasileiras.

A gênese da Lei Magnitsky ajuda a compreender a gravidade do momento. Criada nos Estados Unidos em 2012 para punir os responsáveis pela morte do advogado russo Sergei Magnitsky, a legislação foi ampliada em 2016 com o Global Magnitsky Act, adquirindo caráter extraterritorial. Desde então, qualquer autoridade de qualquer país pode ser alvo de sanções administrativas norte-americanas se envolvida em corrupção significativa ou graves violações de direitos humanos. O ponto central é que não se exige condenação judicial prévia: basta a convicção política e administrativa do Executivo americano, operacionalizada pelo Departamento do Tesouro (Ofac) e pelo Departamento de Estado.

O mecanismo é conhecido entre especialistas como uma forma de “morte civil financeira”. O bloqueio de ativos não se limita a bens localizados nos Estados Unidos, ele expulsa o sancionado do sistema financeiro dolarizado, inviabilizando operações bancárias internacionais, cartões de crédito, contratos e até relações comerciais indiretas. A isso se soma a proibição de vistos, que atinge também familiares próximos. É uma sanção silenciosa, mas devastadora, capaz de constranger Estados sem disparar um único míssil.

Durante anos, o Brasil esteve à margem desse instrumento. O cenário mudou neste ano, quando ações do STF passaram a ser classificadas, por setores do governo e do Congresso dos EUA, como práticas de censura estatal e perseguição política. A inclusão de autoridades brasileiras na lista de sanções representou um divisor de águas: o Judiciário nacional deixou de ser apenas intérprete da Constituição e passou a ser observado como ator político com impacto internacional.

A retirada do nome do ministro Alexandre de Moraes da lista financeira do Ofac, em dezembro deste ano, foi lida por muitos como absolvição. Não foi. Trata-se de um gesto diplomático discricionário, reversível a qualquer momento. O bloqueio financeiro caiu, mas a restrição migratória permanece e o risco de “snapback” é real. Basta uma nova escalada institucional, especialmente se associada à percepção de censura ou desrespeito ao Legislativo, para que as sanções retornem de forma imediata – possivelmente ampliadas.

É nesse contexto que a Lei da Anistia e de redução de penas para os envolvidos nos atos do 8 de Janeiro ganha centralidade. Do ponto de vista técnico-penal, o efeito é claro: crimes políticos são anistiados, penas são drasticamente reduzidas e, na prática, a maior parte dos réus não teria mais pena a cumprir, seja por detração, seja por extinção da punibilidade. O impacto jurídico é imediato; o impacto político, explosivo.

O verdadeiro ponto de inflexão, porém, está na reação institucional. Se o STF optar por suspender ou derrubar a anistia aprovada pelo Congresso, abrirá um choque frontal entre Poderes. Internamente, isso reacende a crise de legitimidade e amplia a polarização. Externamente, fornece combustível para a narrativa de autoritarismo judicial já acolhida por setores influentes em Washington. A consequência provável não é apenas retórica: é a reativação, e possivelmente a ampliação, das sanções da Lei Magnitsky.

O debate, portanto, transcende o mérito moral ou político da anistia. Trata-se de avaliar o custo institucional de cada escolha. Ao Supremo cabe decidir não apenas como guardião da Constituição, mas como ator consciente de que suas decisões hoje produzem efeitos para além do território nacional. A soberania, neste cenário, já não é um escudo absoluto.

O Brasil entrou em uma fase em que disputas internas passaram a ter preço internacional. Ignorar esse dado é ingenuidade; desconsiderá-lo, imprudência. A questão que se impõe não é se o País gosta ou não dessa realidade, mas como vai lidar com ela sem comprometer, ao mesmo tempo, a estabilidade democrática interna e sua posição no sistema global.

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