Encerramos este ano com a clareza de que o setor nuclear brasileiro vive um ponto de inflexão. Talvez o mais determinante desde a criação do Programa Nuclear Brasileiro, ainda nos anos 1970. Pela primeira vez em décadas, acumulamos avanços legislativos, regulatórios e institucionais que recolocam a energia nuclear no centro da estratégia nacional de desenvolvimento, segurança energética e transição climática. Mas, ao mesmo tempo, seguimos presos a entraves históricos que impedem o País de transformar potencial em realidade. É justamente dessa combinação de conquistas e desafios que surge a urgência por um novo ciclo de decisões.
Ao longo do ano, o Brasil finalmente deu passos concretos para reposicionar a fonte nuclear. A inclusão da energia nuclear no Programa de Transição Energética e sua entrada na Taxonomia Sustentável Brasileira simbolizam não apenas um reconhecimento técnico, mas uma mudança de mentalidade no próprio governo federal, que passou a enxergar a energia firme e de baixo carbono como um pilar essencial da descarbonização. A atuação da Abdan como representante do Fase no Plante e no Fonte reforçou nossa contribuição direta na formulação de políticas públicas estruturantes. Ao mesmo tempo, o debate sobre a inclusão da fonte nuclear nas Zonas de Processamento de Exportação e nos incentivos para data centers mostrou que o País começa a conectar energia, neoindustrialização e digitalização, três dimensões que precisam caminhar juntas.
No cenário internacional, este foi um ano de afirmação do Brasil no concerto global da energia nuclear. Lideramos a missão brasileira na World Nuclear Exhibition, fortalecendo parcerias com países estratégicos, reforçando nossa presença nas discussões da AIEA e levando o debate à plataforma climática mais importante do planeta, a COP30, onde a energia nuclear conquistou espaço e maturidade inéditos no discurso de transição energética. Isso evidencia que, quando o Brasil atua com consistência técnica e clareza institucional, sua voz é ouvida.
Mas o mesmo ano que apresentou avanços históricos também escancarou fragilidades profundas. Seguimos sem um Programa Nuclear Brasileiro atualizado, o documento em vigor ainda é o de 1977. Os principais instrumentos de planejamento, como o PDE e o PNE, continuam falhos ao valorizar as fontes firmes, insistindo em premissas que não refletem a dinâmica energética atual. A governança do setor permanece fragmentada. A Autoridade Nacional de Segurança Nuclear ainda caminha para assumir plenamente seu papel regulatório, enquanto parte das normas permanece ancorada em estruturas anteriores à Constituição de 1988.
Além disso, enfrentamos uma batalha permanente de comunicação, pois o setor nuclear brasileiro ainda sofre com percepções antigas, narrativas ultrapassadas e resistência social alimentada por desinformação.
E, no centro de tudo isso, permanece o símbolo máximo da hesitação nacional: Angra 3. Chegamos ao fim deste ano com mais um pedido de novo estudo, enquanto o mundo acelera. Hoje, 416 reatores estão em operação globalmente, e 63 estão em construção. A China avança em ritmo exponencial, a Europa revisa antigas decisões, os Estados Unidos retomam seu programa com vigor e a demanda energética impulsionada por IA, digitalização, hidrogênio de baixo carbono e data centers cria um cenário em que a energia firme deixou de ser apenas necessária, ela se tornou estratégica. Abandonar Angra 3 seria um erro histórico, e insistir na indefinição é igualmente danoso. Concluir a usina com governança robusta, modelo econômico moderno e decisão política clara é a única alternativa racional.
O mundo avança enquanto o Brasil hesita. Mas o País não precisa, e não deve ficar parado. Temos capacidade industrial, domínio tecnológico, corpo técnico qualificado, experiência comprovada e recursos naturais suficientes para garantir todo o ciclo do combustível. Temos também, agora, avanços legislativos estratégicos e articulação institucional madura. O que falta é decisão e coragem.
Este ano mostrou que o Brasil está preparado. E 2026 precisa ser o ano em que o País escolhe finalmente avançar. Não existe transição energética segura, confiável e de baixo custo sem energia nuclear. E não existe soberania energética sem um programa nuclear forte, moderno e estável. Este é o momento de reconhecer que, para olhar para o futuro, não podemos repetir os velhos clichês do passado. O Brasil tem a oportunidade real de se posicionar entre as nações que entendem seu tempo histórico. O setor nuclear está pronto. Resta saber se o País também está.



