Alguns homens já nascem para a posteridade. Há neles um talento, um chamado, uma vocação de origem inexplicável que lhes impõem a grandeza como destino. Essa estranha convicção forja suas personalidades e os obriga a exteriorizá-la em suas obras e feitos. A liderança lhes é natural, sua força incomum, sua trajetória odisseia. Encarnam, neles próprios, o espírito de seu tempo. Assim foi, como poucos foram, Pedro Pedrossian.
Do menino tímido de Miranda, da velha cidade empoeirada por onde passava a ferrovia – rasgando com o apito agressivo da locomotiva seu atraso –, irromperia o engenheiro audacioso, irrequieto, de rara obstinação. Miranda seria para sempre seu santuário e, de forma um tanto paradoxal, forneceria a metáfora do subdesenvolvimento contra o qual lutaria toda sua vida. O homem de Miranda viveria dividido entre o sentimento de protegê-la e superá-la.
A “herança generosa” – como ele definia a sorte de ter lá nascido –, seria a explicação por ele inventada para justificar sua própria generosidade. Pai, marido, irmão, avô, bisavô, amigo, companheiro de pescarias – tantas pessoas numa só –, sua presença foi dádiva para quem com ele conviveu. O amor endivida até nos tornar eternamente cativos de sua lembrança.
Contaminado pela força de suas próprias ideias, seria escravo da ideologia do progresso, da beleza de seus projetos, do orgulho de suas universidades, das estradas que abria para o futuro. Daria poderes ao parque, fazendo-o símbolo de uma era em que se podia sonhar com um Estado-modelo, e de onde se produziriam – na fantasia – as soluções para tantos problemas do povo escolhido.
A política foi a ele um meio, um instrumento por onde a régua e o compasso do engenheiro – esta sim, sua verdadeira natureza – poderia mover alavancas, erguer estruturas, e por fim edificar uma nova identidade e autoestima. Sua maior obra não foi de ferro ou concreto, foi fazer-se intérprete da vontade coletiva de um povo, dar vazão as aspirações adormecidas de uma geração de pessoas que queria, sem realmente saber, emancipar-se. O despertar deste inconsciente seria, para sempre, a argamassa de seu carisma.
A história seria imperfeita – como todas são na vida real –, cheia de idas e vindas, de caminhos tortuosos, em meio aos quais inventaria hospitais, escolas, teatros, e um sem-fim de expressões de genialidade. Acabou por misturar a sua própria vida com a de milhões de pessoas, tornando-as protagonistas da construção de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul.
A mim, que tive a honra e a responsabilidade de carregar o seu nome, Pedro Pedrossian era antes o vovô Pedro, alguém cuja admiração obrigaria a uma constante busca por compreender o seu legado, sua origem e sua missão – e com ela, um pouco de si próprio. Na vida adulta, ao invés de desmistificá-lo – como talvez em outros casos fosse o natural –, caminhei no sentido oposto, reconhecendo que ali havia um homem além das explicações de seu tempo. Este orgulho é um privilégio que sempre colecionarei com muito afeto.
A saudade será uma constante em nossas vidas e, lá de cima, de onde ele deve estar contemplando a sua obra, poderá ser sentida como gesto de carinho e gratidão de todos que o amam. Que Deus lhe receba e lhe retribua, merecidamente, como um dos mais raros entre seus filhos.