Artigos e Opinião

ARTIGO

Reforma agrária e Prove dão certo

Por: Rosemeire Aparecida de Almeida - Docente da UFMS/Campus de Três Lagoas, pesquisadora da Fundect-MS

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Na última década, em Três Lagoas, interesses e conversas giraram, quase sempre, em torno do eucalipto-celulose, até mesmo na fila do pão. Apesar desta hegemonia comunicativa, felizmente, em alguns cantinhos deste gigante município, a vida e o trabalho não se resumem ao agronegócio celulósico.

Um cantinho desses é o projeto de reforma agrária Pontal do Faia, às margens da BR-158 que liga Três Lagoas ao município de Selvíria. Ainda que cercado pelo eucalipto, sua conquista representa o assentamento de famílias sem-terra no ano de 2000. Neste território de lutas e esperanças, ouvi de uma aguerrida mulher a frase que dá título a este artigo. Seu nome é dona Joana, ela tem 73 anos e vive no assentamento desde o início, no lote 12 – transformado em sítio Santo Expedito pelo trabalho na terra. 

Ao sabor do famoso “café rural” da família – regado a muitos doces, geleias, frutas cristalizadas, pães e sucos de todo tipo, embaixo de um frondoso flamboaiã, ela afirmou, com voz firme, que não abandonou o assentamento graças à conquista da unidade do Prove. Explica que, na época, essa aquisição permitiu alavancar a economia e a renda familiar, porque o gado leiteiro não gerava retorno suficiente para a reprodução social da família, somado ao desgaste físico imposto à ela pelo manejo dos animais. Ao longo da conversa, deixa a entender que o Prove foi também sua emancipação financeira e social como mulher, porque gerou renda e visibilidade ao seu trabalho.

Para que este relato tome contornos coletivos e mais explícitos, é preciso explicar que dona Joana está se referindo ao Prove-Pantanal, um programa de verticalização da produção agropecuária em Mato Grosso do Sul, criado para a agricultura familiar pelo governo do Estado em 2000, visando processamento de matéria-prima no lote e agregação de valor. Foi o que ocorreu com dona Joana, que produzia leite e frutas e, com o Prove, pode desenvolver no seu sítio a “indústria doméstica” de doce de leite e frutas, queijo, requeijão, queijo nozinho. Passada mais de uma década, ainda continua em funcionamento, gerando ganhos para a família, que, agora, conta com novos membros – sua filha e genro. 

Porém, essa história não foi fácil, aliás, nada é fácil na reforma agrária. Dona Joana teve que enfrentar verdadeira saga para transferir, em 2013, a unidade do Prove para o assentamento. Originalmente, a unidade tinha sido doada a uma família no distrito de Arapuá, em Três Lagoas, que desistiu repassando o projeto à dona Joana que recebeu somente as placas para montagem da estrutura, sem os utensílios internos.

Recentemente, vivenciou outro susto burocrático, ao receber questionamento em relação ao funcionamento da unidade, resolvido graças à existência de um contrato que ela guarda há décadas numa caixinha em seu quarto, feito relíquia. Com o documento, sua filha pôde localizar a publicação do termo público de doação, garantindo a continuidade da unidade do Prove no lote 12. A “casinha”, verde-água, agora equipada com geladeira, fogão, desidratador de alimentos, etc.batizada de “Sabores do Pontal”, dá nome aos produtos vendidos no café rural e nas feiras da agricultura familiar, como aconteceu recentemente no evento PantanalTech, em Aquidauana.

Histórias como as da dona Joana são alimento também para a utopia de uma reforma agrária que pensa a distribuição de terra articulada com políticas públicas para o desenvolvimento das famílias no campo. Como dizia Plinio de Arruda Sampaio, reforma agrária é igual feijoada, o feijão é essencial, mas sem os demais complementos, é só feijão (terra).

Dedico a reflexão à memória do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira, incansável lutador teórico-político da reforma agrária ampla e irrestrita, que partiu neste inverno de agosto, deixando de luto a geografia brasileira. Ariovaldo e reforma agrária, presentes agora e sempre!

EDITORIAL

Judiciário não é palco nem mercado

Restringir a atuação como coach e impor limites a determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental

13/12/2025 07h15

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A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, de proibir que magistrados atuem como coaches, seja nas redes sociais ou fora delas, não é apenas correta como necessária.

Trata-se de um freio institucional que chega em boa hora a um Judiciário que, nos últimos anos, tem convivido com excessos de exposição, vaidade e práticas que colocam em xeque a sobriedade exigida da magistratura.

Não é de hoje que esse limite vem sendo testado.

Há cerca de dois anos, causou perplexidade o caso de um ex-juiz federal que passou a vender cursos na internet ensinando “táticas” para ganhar recursos judiciais. O paradoxo salta aos olhos: quem julgava recursos passou a faturar dinheiro “por fora” ensinando advogados a vencê-los.

Ainda que se alegue liberdade profissional após deixar a toga, a prática é, no mínimo, eticamente questionável e contribui para corroer a confiança da sociedade na imparcialidade do sistema de Justiça.

A medida de Fachin reconhece um problema real: tem faltado comedimento à parte da magistratura brasileira.

Em tempos de redes sociais, palestras remuneradas e cursos de viés mercadológico, alguns juízes parecem ter esquecido uma máxima antiga, simples e ainda extremamente atual: o lugar em que o magistrado mais deve falar é nos autos.

A autoridade da toga não se constrói com likes, seguidores ou discursos performáticos, mas com decisões técnicas, fundamentadas e discretas.

Restringir a atuação como coach e impor limites à determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental. Não se trata de censura nem de cerceamento da liberdade intelectual, mas de preservação da função jurisdicional.

O juiz não é um influenciador digital, tampouco um vendedor de fórmulas de sucesso processual. É agente do Estado, investido de poder para decidir conflitos com independência e imparcialidade.

Isso, porém, não significa defender um Judiciário hermético ou alheio à sociedade. Ao contrário: as cortes precisam, sim, se comunicar melhor nestes novos tempos, explicar decisões complexas, dialogar institucionalmente com a população e prestar contas de seu funcionamento. Comunicação institucional é necessária; autopromoção individual, não.

No fim das contas, o que está em jogo é o respeito à própria instituição. O Judiciário é, talvez, o Poder que mais precisa ser respeitado para que a democracia funcione. E esse respeito não é um privilégio – é uma obrigação que começa dentro de casa.

Seriedade, sobriedade e autocontenção não são virtudes acessórias para magistrados; são requisitos essenciais para quem exerce uma das funções mais sensíveis do Estado.

ARTIGOS

Novas regras do Banco Central sobre ativos virtuais: um marco de maturidade regulatória

Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo

12/12/2025 07h45

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Em 10 de novembro, o Banco Central do Brasil deu um passo histórico ao publicar as Resoluções BCB nº 519, nº 520 e nº 521, que inauguram um novo ciclo de regulação do mercado de ativos virtuais no País.

Com essas normas, o Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).

Mais do que um conjunto técnico de regras, essas resoluções representam um amadurecimento institucional do sistema financeiro brasileiro diante da realidade cripto. Até então, o setor operava em uma zona cinzenta regulatória, com supervisão limitada e grande diferenças de informações entre prestadores e usuários.

Agora, o País passa a estabelecer bases claras para a operação de Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Psav), além de definir, pela primeira vez, o tratamento cambial para operações internacionais com criptoativos.

A Resolução BCB nº 519/2025 impõe um padrão de governança que coloca as Psav sob um nível de exigência comparável ao das instituições financeiras. Exige-se segregação patrimonial, controles internos robustos e políticas de PLD/FT equivalentes às do sistema bancário.

Essa medida mitiga riscos de uso indevido dos recursos dos clientes e reduz o espaço para fraudes e práticas abusivas. Pontos sensíveis em um setor historicamente marcado por volatilidade e escândalos.

Já a Resolução BCB nº 520/2025 institui o processo de autorização prévia para funcionamento das Psav, com vedações expressas à oferta de crédito e à captação de recursos de clientes qualificados.

O objetivo é proteger investidores e garantir que as operações com criptoativos não contaminem o sistema financeiro tradicional com riscos de liquidez e solvência. A exigência de sede no Brasil e critérios rigorosos de idoneidade e gestão de riscos também reforçam o compromisso com a responsabilidade corporativa e a transparência operacional.

Por sua vez, a Resolução BCB nº 521/2025 corrige uma lacuna importante ao enquadrar as operações internacionais com criptoativos, como operações de câmbio, sempre que houver conversão de moeda ou transferência internacional de valores.

Essa regra coloca as transações de cripto sob a mesma lente de compliance cambial que rege outras formas de movimentação financeira internacional, prevenindo brechas para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Para bancos e instituições financeiras, o novo marco regulatório representa tanto uma oportunidade quanto uma responsabilidade. A integração dos serviços com ativos virtuais ao portfólio bancário passa a ser viável, desde que sejam obedecidos os novos parâmetros de segurança, segregação de recursos e reporte regulatório.

Ao mesmo tempo, essas instituições terão de repensar suas estruturas de governança e compliance para acomodar o ecossistema cripto dentro de uma lógica de controle prudencial.

Alguns pontos, entretanto, merecem atenção especial: a vedação de crédito com recursos próprios em operações cripto, a segregação total de fundos de clientes, o reforço dos controles de PLD/FT, e o tratamento cambial obrigatório em transações internacionais.

Tais exigências sinalizam que o Banco Central, de maneira mais que devida e assertiva, pretende equilibrar o incentivo à inovação com a blindagem contra riscos sistêmicos e ilícitos financeiros.

Contudo, o período de adaptação será curto. As regras entram em vigor a partir de 2 de fevereiro de 2026 e as obrigações adicionais de reporte internacional passam a valer a partir de 4 de maio de 2026.

Empresas que já atuam no mercado precisam, portanto, iniciar imediatamente seus processos de adequação, revisando estruturas societárias, sistêmicas, políticas de custódia e mecanismos de compliance.

Por fim, as novas resoluções não devem ser vistas como um freio à inovação, mas como um sinal evidente de maturidade regulatória do País.

Ao oferecer um ambiente seguro, transparente e supervisionado, o Banco Central cria as condições para que o Brasil se consolide como um polo confiável de desenvolvimento em blockchain e ativos digitais. É o início de uma nova era em que a confiança institucional passa a ser o ativo mais valioso do universo cripto.

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