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Sete anos do caso Mariana Ferrer: audiência viciada x dignidade como regra de decisão

Debate sobre consentimento e proteção à vítima ganha força no Brasil

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Sete anos após o crime que chocou o Brasil, com todas as suas nuances dolorosas, o caso Mariana Ferrer chega, finalmente, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Entre pedidos de nulidade, amicus curiae, representação à Organização das Nações Unidas (ONU) e reformas legislativas, o debate sobre consentimento e proteção à vítima ganha força no Brasil.

A história de Mariana Ferrer é emblemática. Em dezembro de 2018, na época com 19 anos, ela sofreu violência sexual num beach clube, em Florianópolis (SC). O Ministério Público (MP) denunciou o empresário André Camargo Aranha pelo crime, que, em julgamento, acabou inocentado, sob alegação de falta de provas.

O caso, porém, ganhou outros contornos com os ataques brutais à honra e à vida privada de Mariana – a vítima, não podemos nos esquecer – em plena audiência judicial, pela defesa do acusado.

O caso impulsionou discussões no Congresso Nacional e resultou na promulgação da Lei Mariana Ferrer (Lei nº14.245/2021), que busca coibir a humilhação de vítimas e de testemunhas no decurso de processos judiciais.

Passados sete anos, não é apenas o tempo que pesa: é o silêncio das instituições diante de uma mulher que sofreu tortura, não apenas na audiência, mas durante toda a persecução penal. Quando o rito se sobrepõe ao humano, quando a palavra da vítima é deslocada para a periferia do processo, a balança para de funcionar.

O Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral às Vítimas (PróVítima) solicitou participação como amicus curiae na ação. Com isso, busca proteger não apenas Mariana, mas o princípio de que, nenhuma vítima pode ser submetida à violência institucional em nome da instrução processual.

A pauta transbordou fronteiras. O Pró-Vítima levou o caso ao Alto Comissariado do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça, com a denúncia de violações e para pressionar o Brasil pela aprovação do Estatuto da Vítima – Projeto de Lei (PL) nº 3.890/2020, que prevê protocolos de acolhimento e garantias para vítimas de desastres naturais, de acidentes, de crimes e de epidemias.

Aprovado na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2024, o texto segue em apreciação no Senado, sem expectativas de avanço.

Em paralelo e na contramão do Brasil, a Itália dá passos largos no que tange à proteção à vítima, sobretudo ao público feminino. Tal nação redefiniu, poucos dias atrás, o crime de violência sexual com foco no consentimento.

Para tanto, alterou o artigo nº 609 – bis do Código Penal italiano, para afirmar, a partir de agora, que, “sexo sem consentimento livre e atual é estupro”, com penas de seis a 12 anos [de prisão].

Assim, consentimento passa a ser manifestação livre, consciente e inequívoca, válida durante todo o ato e revogável a qualquer tempo – importante avanço jurídico e cultural do país europeu.

Ao reexaminar o caso de Mariana, o STF tem a oportunidade de sublinhar que, dignidade não é ornamento do texto constitucional – é regra de decisão. Que a Alta Corte reconheça a nulidade da audiência viciada, reabra o mérito, reestabeleça a centralidade do consentimento e aplique, ao final, a sanção que o conjunto probatório impõe.

Que o Brasil aprenda com a experiência italiana, com os seus erros e com os passos internacionais que deu no que tange o assunto em tela. Afinal, só há justiça quando o “sim” é livre, e quando a palavra da vítima é protegida – no rito, na cultura e na vida.

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Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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O paradoxo do crescimento

O que costuma ser celebrado como sinônimo de sucesso, há também um fenômeno recorrente de tensão: a dor do crescimento

19/12/2025 07h30

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Crescer é, indiscutivelmente, um objetivo central de qualquer organização com ambições estratégicas. Expandir a base de clientes, aumentar a receita, conquistar novos mercados e ganhar relevância setorial mobiliza investimentos, inspira lideranças e legitima planos de longo prazo.

Não à toa, o crescimento costuma ser celebrado como sinônimo de sucesso. No entanto, há um fenômeno recorrente – e muitas vezes negligenciado – que transforma esse avanço em uma fonte inesperada de tensão: a dor do crescimento.

Essa dor não é apenas uma metáfora. Ela se materializa no cotidiano das operações, nas decisões gerenciais e, sobretudo, na experiência de colaboradores e clientes.

O que deveria representar uma fase de consolidação passa, gradualmente, a se configurar como um terreno instável, em que cada avanço parece expor ainda mais fragilidades internas. Crescer não apenas amplia resultados: amplia também tudo aquilo que já estava mal resolvido.

O sintoma mais comum desse processo é o colapso silencioso da operação. Equipes antes ágeis passam a operar sob sobrecarga constante, fluxos se tornam mais complexos e lentos, decisões, antes rápidas, ficam travadas por conflitos de prioridade, falhas de comunicação e ausência de informações confiáveis.

A empresa pode continuar avançando em números, mas internamente começa a perder controle, previsibilidade e consistência.

Esse padrão não é apenas conceitual. Ele se manifesta reiteradamente na prática. Ao longo da atuação junto a nossos clientes, tornou-se evidente que o crescimento raramente fracassa por ausência de ambição.

Ele falha quando o avanço do negócio não é acompanhado por uma evolução proporcional dos processos, dos modelos de decisão e da forma como tecnologia e pessoas se articulam no cotidiano da operação.

É nesse descompasso que se instala a assimetria entre ambição estratégica e capacidade organizacional. O crescimento acontece “por fora”, enquanto a estrutura interna permanece praticamente a mesma.

Volume, complexidade e exposição aumentam, mas processos, sistemas e mecanismos de coordenação não evoluem no mesmo ritmo. A defasagem cobra seu preço: retrabalho, perda de eficiência, tensão constante e maior risco operacional.

O problema se agrava porque, nos primeiros momentos, esses sinais raramente são interpretados como estruturais. Muitas organizações entram em um “modo heroico”, no qual líderes e equipes tentam compensar falhas de base por meio de esforço extraordinário, improvisação e decisões de curto prazo.

Embora esse arranjo possa sustentar o crescimento temporariamente, ele posterga escolhas que se tornam cada vez mais difíceis de evitar.

Há também um custo menos visível, mas igualmente relevante: crescer pior em vez de crescer melhor. O crescimento sem estrutura consome energia, desgasta pessoas, compromete a experiência do cliente e fragiliza a capacidade de adaptação da organização ao próprio futuro que está tentando construir.

O paradoxo do crescimento, portanto, é direto: sem preparo, crescer amplia riscos; sem crescer, perde-se relevância. A diferença entre sucesso aparente e crescimento sustentável não está na velocidade ou no tamanho alcançado, mas na capacidade de sustentar a expansão com coerência estrutural.

Reconhecer esse paradoxo é o primeiro passo para abandonar a ilusão de que crescer, por si só, é sinônimo de maturidade organizacional e iniciar uma reflexão mais profunda sobre o que significa, de fato, crescer melhor.

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