Povos que chamamos “indígenas” habitavam as Américas, quando nelas aportaram os navegadores europeus, os quais, posteriormente, tornaram-se seus colonizadores. Estima-se que essa população nativa perfazia mais de seis milhões de almas.
Os guaranis e tupinambás eram as duas grandes nações existentes. Esses povos, ainda quando falavam a mesma língua, como os tupis-guaranis, viviam como grupos independentes, que podiam ser aliados ou inimigos. O acesso e qualquer troca entre aldeias e grupos inimigos era algo impensável, interditado, e a violação dessa norma resultaria sempre em morte ou captura, com posterior sacrifício antropofágico, quando o prisioneiro era então devorado, na crença de que os devoradores incorporariam as virtudes e valores do devorado.
Nesse universo guerreiro havia um xamã, o Caraí, que vivia à margem de todas as tribos e que seria nascido só de mãe, não pertencendo a linhagem guerreira nenhuma. Circulavam entre todas as tribos, e tinham por missão guiar os povos na direção da Terra Sem Mal, selando a paz para que as marchas migratórias não fossem cruentas.
Neste momento, não sabemos até que ponto distantes do pensamento mágico que contextualizava “o Caraí” e a busca da “Terra Sem Mal”, muitos patrícios encontram-se na adversidade proveniente de injustiças históricas e da hábil manipulação dessa condição, com fins ora ideológicos, ora fisiológicos. Brasileiros que podiam estar lado a lado buscando soluções construtivas para problemas sociais e fundiários que os afetam, foram postos na posição de inimigos, de modo a ensejar, em nossa comunidade, a ruptura com o Estado de Direito e Democrático.
A inércia do poder estatal e o projeto ideológico de transformar a luta de classes em conflito étnico, somaram-se para viabilizar “o conflito em terras indígenas”. Como se vê, por simples semântica, o estabelecimento do conflito transforma a terra em “indígena”...
Na presente quadra, tensões facilmente solucionáveis entre pioneiros e população indígena foram estimuladas com competência profissional, inclusive por quadros localizados no aparelho estatal. A posição sectária, ideológica e imatura de alguns Procuradores Federais face à problemática, tem contribuído para que brasileiros sejam expulsos das páginas da Constituição pela qual tais autoridades teriam que zelar, como a um todo. Por outro lado, a indiferença, a incompetência e o distanciamento da realidade de outros setores do aparelho estatal, somam para a manutenção do estado de coisas propicio à semeadura de ódios, já dentro de um projeto ideológico facilmente identificado.
A “função Caraí” de nosso Judiciário, distante de possíveis alinhamentos ideológicos, seria de fundamental importância na busca, não de uma “Terra Sem Mal” mítica ou utópica, mas na preservação do Estado de Direito que mantivesse o convívio civilizado entre as partes sob tensão, condição básica para a busca de soluções justas e próprias dos Estados democráticos, sob o império da Lei.
Uma injustiça histórica, de toda a sociedade brasileira, não pode justificar o crime coletivo, a manipulação de uma população ingênua e nem a transformação de nossos pioneiros fixadores de fronteiras em bodes expiatórios. Até porque o ódio, os preconceitos e a separação das comunidades estão se configurando como resultado do processo em curso. Entendemos ser esse o objetivo perverso de muitos, quando vemos a banalização da ruptura com o Estado de Direito sendo entendida, por aqueles que a engendram, como um “avanço” que comprovaria o “acerto da práxis” desenvolvida. A tese de que “retomada não é invasão” define o “avanço” e o “acerto da práxis” marxista-leninista que a inspira.
A solução do conflito vivido por comunidades rurais e populações indígenas não será dada pelo nosso Judiciário. Mas será dele a responsabilidade pela manutenção do Estado de Direito de modo tal que nenhum brasileiro possa ser expulso de sua casa e da Constituição por atuações perversas, de dentro ou fora do aparelho estatal. O Brasil espera que cada um cumpra com seu dever, que nenhum brasileiro esteja acima da Lei e que o crime coletivo, para qualquer etnia, não se torne fonte de direitos ou privilégios face ao Estado e cidadãos.