A Operação Rastro Cirúrgico, deflagrada pela Polícia Federal (PF) há uma semana e que culminou no afastamento do secretário de Saúde de Selvíria, Edgar Barbosa dos Santos, originou-se após auditoria realizada pelo governo do Estado ainda no primeiro semestre de 2024.
Em novembro de 2023, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) determinou que fosse realizada uma auditoria extraordinária, a fim de fiscalizar quatro contratos.
Em fevereiro, março e abril do ano passado, deu-se início às fases analíticas, com o encaminhamento do comunicado de auditoria (CA) e a solicitação de diversos documentos, que não foram enviados dentro do prazo.
Nos dias 11 e 12 de abril de 2024, a equipe de auditores realizou visita ao espaço da Secretaria Municipal de Saúde de Selvíria, onde foi feita uma reunião com o chefe da pasta, Edgar Barbosa, e com a diretora administrativa do Centro de Especialidades Médicas (CEM), Camila Dante.
Enquanto os documentos solicitados eram providenciados, a equipe visitou as unidades de saúde em que foram realizados os procedimentos contratados: Hospital Municipal Anésio Cabeconi e CEM Santa Rita de Cassia.
Posteriormente, foi realizada a análise de prontuários de pacientes atendidos pelos profissionais Valdenício Schmitz, Fernanda Leite Rodrigues Schmitz e Gustavo Marcatto durante o ano de 2023.
Curiosamente, durante as visitas aos espaços médicos citados, foi percebido que ambos estavam registrados no mesmo endereço (Rua Rui Barbosa, nº 1.000).
Também foram constatadas diversas irregularidades nos dois estabelecimentos hospitalares, como ausência de sala para procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, no caso do CEM, e nenhum profissional de enfermagem, médico ou colaborador da limpeza nas dependências do Hospital Municipal, bem como material cirúrgico utilizado em exposição e muita poeira, características de falta de uso.
Também foram verificadas divergências entre os preços unitários dos procedimentos contratados e os que constavam nas tabelas do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais e do Plano Estadual de Redução das Filas de Cirurgias Eletivas e Ampliação do Acesso aos Procedimentos Cirúrgicos Eletivos e exames (MS Saúde – Mais Saúde, Menos Fila), fornecendo indícios de superfaturamento e sobrepreço.
Ao pegar um dos procedimentos de exemplo, uma vasectomia (método contraceptivo masculino) custava R$ 438,87 no sistema e R$ 980,00 no programa estadual, enquanto no contrato saía por R$ 4.990,00, uma diferença de 409,18% em relação ao preço do MS Saúde e de 1.037% ao do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS).
Seis meses depois das visitas in loco, em outubro, os auditores concluíram que houve, sim, irregularidades administrativas nos contratos analisados. Por exemplo, dos 1.967 procedimentos contratados, foram efetivamente realizados apenas 35,79% deles, todos com recursos oriundos do Fundo Municipal de Saúde (FMS).
“Restou ainda comprovado em sua quase totalidade a imaterialidade de registros em prontuários médicos e nos sistemas de informações oficiais do Ministério da Saúde dos procedimentos realizados, a indefinição de local específico e apropriado para a prestação dos serviços contratados, erros administrativos formais na materialização dos processos que constituem os contratos analisados”, afirma a equipe em suas considerações finais.
Diante disso, os auditores sugeriram o encaminhamento do documento à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) para dar sequência no caso, o que resultou na operação da PF, realizada no dia 12 de agosto, com o cumprimento de 13 mandados em dois municípios do interior de Mato Grosso do Sul e um em São Paulo.
A OPERAÇÃO
A Operação Rastro Cirúrgico foi responsável por afastar o secretário municipal de Saúde, Edgar Barbosa. Os mandados foram cumpridos em Selvíria, Aparecida do Taboado e São José do Rio Preto (SP), as duas últimas cidades, sedes das empresas Clínica Médica e Cirúrgica MS e G & G Marcatto, respectivamente, que firmaram os contratos investigados com o município.
Além dos mandados de busca e apreensão, foram determinadas medidas cautelares de sequestro, arresto e bloqueio de bens, no valor de R$ 5 milhões, a cada uma das pessoas físicas e jurídicas envolvidas. Todas as ações foram deferidas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Também foram apreendidos veículos, armas, motos de grande valor e pedras preciosas.
No decorrer da investigação, a PF constatou inexecução contratual (quando não há o cumprimento total ou parcial das obrigações estabelecidas em um contrato), superfaturamento e sobrepreço na Ata de Registro de Preço (ARP) e nos contratos administrativos, com alguns deles sem publicação nos sites de transparência e com o mesmo detalhamento.
Ademais, verificou-se que uma das clínicas médicas contratadas não existia.
Os envolvidos poderão ser responsabilizados pelos crimes de peculato-apropriação e desvio, fraude em procedimento licitatório, lavagem de dinheiro e associação criminosa, cujas penas somadas podem variar de 10 anos a 33 anos de reclusão.
*SAIBA
Exonerado após a operação, Edgar Barbosa dos Santos foi substituído por Dalila Flávia Barbosa Rodrigues, que era secretária-adjunta de Saúde de Selvíria e foi nomeada pelo prefeito Jaime Ferreira (PSDB).


