Campo Grande ganha, em média, uma nova farmácia a cada 10 dias. Em junho do ano passado, a cidade tinha 307 unidades com ou sem manipulação. Em junho deste ano, às vésperas de completar 124 anos, esse número saltou para 344, conforme dados disponibilizados pelo Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul (CRF-MS).
E não é preciso procurar muito para constatar que esse número não para de crescer e que, em alguma esquina, uma nova unidade está nascendo. Na Avenida Guaicurus, onde existem seis drogarias em um trecho inferior a dois quilômetros, sem computar a farmácia da UPA, as obras de uma nova farmácia começaram em um local de intenso movimento.
Os trabalhos estão a todo vapor no entroncamento da Rua da Divisão com a Avenida Guaicurus, próximo ao Museu José Antônio Pereira, local por onde passam milhares de veículos diariamente e que é palco até de congestionamentos.
E são justamente locais assim que interessam aos empresários. “O que determina a quantidade de farmácias em determinadas vias ou regiões da cidade é o fluxo de pessoas”, diz Flávio Shinzato, que há quatro anos preside o CRF-MS, mas atua na fiscalização do setor faz 29 anos.
Embora não contradiga a lenda de que Campo Grande tem uma farmácia em cada esquina, o presidente do conselho garante que a cidade não é muito diferente daquilo que ele diz reparar em outras cidades brasileiras. “Em Rondonópolis, por exemplo, tem cinco farmácias na mesma quadra”, exemplifica.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), o aconselhável é que exista uma farmácia para cada 10 mil habitantes. Ou seja, se Campo Grande tivesse 95 farmácias, seria suficiente. Com 344 unidades, a capital de Mato Grosso do Sul tem uma drogaria para cada grupo de 2,7 mil moradores.
Mas isso ainda não significa saturação do mercado.
Prova disso é que uma das maiores redes de supermercados da cidade, o grupo Comper e Fort Atacadista, está com outdoors em algumas de suas lojas anunciando que em breve será ativada a farmácia SempreFort.
Uma dessas novas lojas está prevista para a unidade da recém-repaginada Avenida Cafezais, no extremo sul da cidade.
E não é que aquela região seja carente de farmácias. Em pouco mais de dois quilômetros dessa avenida existem outras quatro e mais três em menos de 200 metros no fim dela, em uma rua que é praticamente continuação da Cafezais.
AUTOMEDICAÇÃO
Para o presidente do CRF-MS, o risco dessa abundância de farmácias é a possibilidade de isso aumentar a automedicação. Ele não tem números locais sobre a quantidade de ocorrências, mas sabe que, anualmente, o SUS gasta R$ 60 bilhões para tratar problemas de saúde provocados pelo uso errado de medicamentos.
Ainda de acordo com Shinzato, o Centro-Oeste é a região campeã em automedicação, e Mato Grosso do Sul, por sua vez, é o primeiro colocado entre os três estados e o Distrito Federal. Então, ao que tudo indica, a grande quantidade de farmácias realmente tem influência direta nesse problema.
Para tentar reduzir o risco do uso errado de medicamentos, as farmácias são obrigadas por lei a manter em tempo integral um farmacêutico em cada unidade. E o CRF-MS parece levar muito a sério a vigilância sobre o cumprimento dessa norma.
O conselho tem seis carros e seis equipes que ficam a semana inteira nas ruas percorrendo as farmácias, segundo Shinzato.
“Quando existe alguma suspeita de irregularidade, a gente vai de três a quatro vezes por mês naquela unidade”. Quando é constatada alguma irregularidade, o caso é denunciado à vigilância sanitária, explica ele.
EMPREGO
E com tanta farmácia, a demanda por mão de obra tem a mesma proporção. Atualmente, existem em torno de 4 mil profissionais inscritos no CRF-MS, que abrange o Estado inteiro, e cerca de 85% são mulheres.
Cada um paga R$ 480 por ano para ajudar a manter a estrutura do conselho e, automaticamente, a correta regulação do mercado.
Em média, 120 novos profissionais chegam ao CRF-MS por ano, e boa parte é procedente dos novos cursos. Flávio Shinzato não tem informações sobre a quantidade de profissionais que se formam por ano no Estado, mas diz que são sete cursos atualmente em Mato Grosso do Sul.
Diferentemente daquilo que ocorria em outras épocas, quando o sonho dos acadêmicos era terminar o curso e abrir a própria farmácia, as mudanças do mercado acabam direcionando a maior parte desses profissionais para as grandes redes, embora ainda existam aqueles que conseguem abrir sua unidade e garantir o sustento.
E essas grandes redes, muitas delas de outros estados, tomaram conta das ruas de Campo Grande. De acordo com um levantamento do CRF-MS, a Drogasil está com 32 unidades na Capital, a Mais Popular tem 25, a Pague Menos já está com 24 e a Drogarias Freire, 13.
A fama de que Campo Grande tem mais farmácias do que bares não é de agora, mas nos últimos anos essa impressão meramente empírica ganhou força. Em janeiro de 2018, eram 190 unidades. Cinco anos depois, em janeiro deste ano, já eram 330. E entre janeiro e junho deste ano, 14 novas drogarias foram abertas, de acordo com o CRF-MS.