Ao mesmo tempo em que alega não ter recursos para substituir 108 ônibus velhos, que estão circulando há mais de dez anos pelas ruas de Campo Grande, a família Constantino, proprietária das quatro empresas do Consórcio Guaicurus, está na disputa para vencer uma licitação que exigirá investimento de R$ 14 bilhões na construção de linha férrea entre a capital paulista e Campinas.
Conforme informações da Folha de São Paulo, a empresa Comporte, controlada pela família Constantino, pretende entrar na disputa pela concessão formando consórcio com gigante estatal chinesa CRRC. As propostas serão abertas a partir das 14 horas (MS), na B3.
A estatal chinesa que se aliou à Comporte é a maior fabricante de suprimentos ferroviários do mundo, responsável pela produção de locomotivas e vagões usados por operadores de metrôs, bondes e outros veículos, como os trens de alta velocidade que ligam Santiago a Chillán, no Chile, conforme informações da Folha de S. Paulo.
A licitação desta quinta-feira, organizada pelo governo paulista, cujo projeto faz parte no Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), prevê que a construção terá 101 quilômetros de ferrovia ligando a estação da Barra Funda (zona oeste de São Paulo) ao centro de Campinas, com parada apenas em Jundiaí.
A velocidade máxima no trajeto será de 140 quilômetros por hora, o que fará do trem o mais rápido do Brasil. O percurso entre as duas cidades deve ser percorrido em 1h04.
CONGLOMERADO
Oficialmente, o Consórcio Guaicurus, composto por quatro empresas, não pertence à família Constantino ou ao Grupo Comporte, mas os próprios administradores das empresas deixam claro os 470 ônibus que circulam nas ruas da Capital são controlados pela família
Em outras cidades os Constantino controlam as empresas Transportes Coletivos Intermunicipal Pássaro Marron, São Paulo São Pedro, Princesa do Norte, Breda, União, Piracicabana, Empresa Cruz, Manoel Rodrigues, Itamarati, Transportes Coletivos Grande Londrina (em Londrina), Transportes Coletivos Grande Bauru (Bauru), além de empresas de transporte coletivo em Cuiabá, Maringá (PR), Vitória da Conquista (BA) e em Blumenau (SC).
Antes de tentar explorar a ferrovia entre São Paulo e Campinas, a Comporte fez sua estreia nos trilhos, em dezembro de 2014, ao vencer a licitação para operar o VLT de Santos. Depois disso, já assumiu serviços de metrô o transporte urbano de trens em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.
Mas a família é mais conhecida por ser proprietária da Gol Linhas Aéreas, empresa que fechou o ano passado com dívidas superiores a R$ 20 bilhões.
Lucro em Campo Grande
Desde outubro do ano passado o Consórcio Guaicurus entrou em disputa judicial para conseguir revisão do contrato e reajuste extra da passagem de ônibus, que desde março do ano passado está em R$ 4,65.
Porém, a Agereg (Agência municipal de Regulação dos Serviços Públicos), alega, conforme publicação do Diogrande do último dia 23, que os empresários obtiveram lucro acima do previsto entre 2012 e 2019 e uma possível revisão extraordinária do contrato poderia até reduzir o valor da tarifa, provocando efeito contrário ao pleiteado pelos empresários.
"Esta AGEREG realizará a revisão contratual no próximo ciclo, que se encerrará em 2026, considerando os lucros que o Consórcio obteve no período dos primeiros 07 (sete) anos da execução do contrato, bem como os alegados prejuízos e descumprimentos contratuais do Consórcio, mesmo porque, caso ocorra, a revisão considerando o primeiro ciclo do contrato trará efeitos negativos ao Consórcio".
Conforme a publicação da Agereg, nos sete primeiros anos de contrato empresas faturaram R$ 1,277 bilhão com a cobrança das tarifas. Neste período, o patrimônio líquido das empresas passou de R$ 17,38 milhões para R$ 55,97 milhões, o que representa alta de 321,8%.
Isso, conforme a Agereg, é “uma evolução patrimonial considerada de “bom” a “ótimo”, ou seja, praticamente triplicaram o patrimônio líquido”. Porém, o consórcio alega que trabalha o vermelho nos últimos quatro anos e por isso apelou à Justiça e conseguiu o direito a uma revisão antecipada do contrato, o que, em tese, lhe garantiria direito a um reajuste significativo da passagem de ônibus, para até R$ 7,79.
Conforme a argumentação da Agereg, os lucros acima do previsto nos primeiros sete anos devem ser usados agora para amortizar o déficit, já que o número de usuários do transporte público sofreu queda significativa de 2019 para cá. Perícia comprovou que o número de pagantes caiu 25% em sete anos, passando de 56,9 milhões para 42,5 milhões por ano.
Essa mesma perícia, feita pelo Instituto de Perícia Científica (IPC), também mostrou que o lucro acumulado nos sete primeiros anos do contrato estava previsto para ser de R$ 38,6 milhões. Contudo, chegou a R$ 68,9 milhões. Ou seja, o lucro foi 78,5% maior que o previsto.
Ao mesmo tempo, a perícia também apontou redução de quase 11% na distância percorrida. Em 2013 foram 38,3 milhões de quilômetros, ante 34,1 milhões de quilômetros ao longo de 2019.
Além disso, o número de veículos caiu de 580 para 470, o que automaticamente reduz as despesas com manutenção e de funcionários. Outra observação dos peritos é que a quantidade de veículos articulados, que consomem mais diesel e tem a manutenção mais onerosa, caiu de 50 para apenas 13.
Apesar da aquisição de 71 novos veículos no ano passado, a idade média dos 470 ônibus é de 6,73 anos, sendo que o contrato estipula que essa média não deve ultrapassar os cinco anos. Desde o começo do ano, 108 veículos estão com mais de dez anos de uso. O contrato assinado em 2012 prevê que somente os veículos articulados poderiam ultrapassar dez anos de uso.


