O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) instaurou um inquérito civil para acompanhar o andamento dos boletins de ocorrências (BOs) registrados na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Campo Grande. Segundo o promotor responsável pela apuração, Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos, no fim do mês passado, a delegacia tinha quase dois mil procedimentos sem andamento na unidade.
A investigação começou em fevereiro deste ano, após a morte da jornalista Vanessa Ricarte, que deu luz a um problema na delegacia, que é a demora no andamento dos BOs.
Agora, conforme publicação no Diário Oficial do MPMS de ontem, o procedimento virou inquérito civil porque, na visão de Oldegardo, apesar de terem se passado seis meses desde a fiscalização na Deam, o número de boletins represados segue semelhante ao do início do processo.
“Na data de hoje [28 de agosto], passado um semestre da extração, a Deam conta com 1.814 boletins de ocorrência represados. Esse número projeta o alcance de um passivo similar ao encontrado em 27 de fevereiro, em data não superior a outubro de 2026”, diz trecho do despacho que transforma o procedimento preparatório em inquérito civil.
A investigação seguirá a cargo do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gacep), coordenado por Oldegardo.
No documento assinado no fim de agosto, o promotor lembra que, na vistoria realizada no dia 21 de fevereiro deste ano, foi identificado que na Deam, que funciona dentro da Casa da Mulher Brasileira, atuavam 67 servidores, sendo 11 delegadas e 12 escrivães no total.
Esse time teria ativos 3.721 BOs no segundo semestre de 2024, “sobre os quais pesou um índice de conversão de 66,19%”.
“Em face da incerteza sobre o quantitativo referente ao sabidamente elevado número de boletins de ocorrência represados na unidade naquele momento, foi realizada visita extraordinária, por este órgão de controle externo, à 1ª Deam, na data de 27 de fevereiro, ocasião em que foram contados 6.062 BOs”, diz trecho do documento.
Oldegardo ainda lembra que por causa desta quantidade de boletins de ocorrência, houve a intitulada Força-Tarefa Deam, que recebeu esses procedimentos e que, com a força conjunta de mais de uma dezena de delegados de polícia, durante aproximadamente quatro meses, e teria dado andamento para esses boletins que estavam paralisados.
A medida, ao ver do promotor, não teria solucionado a situação da delegacia, já que atualmente há quase dois mil boletins parados e, segundo Oldegardo, “há, em 420 dias, potencial represamento de novos seis mil boletins”.
“Em par e passo às ocorrências registradas formalmente na unidade, ou a ela encaminhadas por outras unidades, são recebidas pela 1ª Deam denúncias por meio do canal Ligue 180, de cuja central adveio a notícia, em março, de que centenas de fatos (412) relatados estariam em situação de inércia”, diz a investigação.
Analisando e relatando os fatos, a titular da unidade informou que, daqueles, apenas 202 seriam de atribuição da unidade protetiva, estando 94 pendentes de resposta por não terem aportado antes na delegacia.
Ainda, afirmou que: “Não é possível analisar todas as denúncias do mês de forma célere, o efetivo é insuficiente para atender à vasta demanda recebida, e que qualquer realocação de servidores configura, ainda que minimamente, um prejuízo aos demais setores da unidade”, complementa o promotor.
CASOS SEM ANDAMENTO
Oldegardo ainda relembrou o caso de Ivone Barbosa da Costa Nantes, morta pelo marido, Wilton de Jesus Costa, em abril deste ano. Ocorre que dias antes dela morrer, segundo narra o promotor, a mulher chamou a polícia e relatou ter sido agredida pelo homem, que foi preso pela Polícia Militar e levado à Deam, no entanto, ele não permaneceu preso e, dias após esse fato, matou a companheira e acabou morto em confronto com a polícia.
Em outro caso, relatado pela Defensoria Pública, uma mulher não teria conseguido realizar boletim de ocorrência na Deam.
REPERCUSSÃO
Após a morte de Vanessa Ricarte, assassinada no dia 12 de fevereiro pelo ex-noivo, Caio Nascimento, o que mostrou as falhas existentes no atendimento à mulher vítima de violência doméstica, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) anunciou algumas medidas para solucionar a situação.
Além da força-tarefa para dar celeridade aos boletins de ocorrência, o Estado lançou no mês passado o Programa Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Protege), que reúne diversas áreas do governo para, como diz o nome, auxiliar na agilidade do combate a esse tipo de violência.
A Sejusp também anunciou a criação de uma 2ª Delegacia da Mulher em Campo Grande.


