O silêncio dos tribunais ecoou mais alto que o barulho das panelas falsificadas. Após anos de uma prática comercial predatória que lesou consumidores em diversos estados, o chamado "Golpe das Panelas" teve seu desfecho judicial na capital sul-mato-grossense.
A 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande proferiu uma sentença que não apenas condena os responsáveis, mas também expõe o engenhoso e cruel mecanismo de fraude por trás da venda de produtos de cozinha que eram pura ilusão.
A empresa no centro do esquema, a BM Comércio de Utilidades Domésticas Ltda., sediada em São Paulo, atuava com um modelo de negócio que era, na verdade, uma sofisticada operação de estelionato.
Entre 2020 e 2022, enquanto o país enfrentava as incertezas da pandemia, vendedores terceirizados, munidos de máquinas de cartão de crédito e débito registradas em nome da BM Comércio, percorriam o Brasil, incluindo Campo Grande, com uma oferta tentadora.
A Promessa e a Realidade
A abordagem era sempre a mesma: prometer panelas de "alta durabilidade", "tecnologia de ponta" e, em alguns casos, até mesmo simular a venda de marcas renomadas. Os consumidores, atraídos pela lábia dos vendedores e pela facilidade do pagamento via cartão, acreditavam estar fazendo um excelente negócio.
A realidade, porém, era amarga. O que chegava às mãos dos clientes eram produtos de qualidade inferior, com vícios e defeitos, e, em muitos casos, falsificações grosseiras. O sonho de uma cozinha equipada se transformava em frustração e prejuízo financeiro.
O Nó da Fraude: A Máquina de Cartão
O juiz Eduardo Lacerda Trevisan destacou em sua decisão o ponto central que ligava a empresa paulista diretamente à fraude: o uso das máquinas de cartão.
"A empresa e suas representantes tinham pleno conhecimento das práticas ilícitas, uma vez que os pagamentos eram processados diretamente em nome da pessoa jurídica", afirmou o magistrado.
Ao ceder as maquininhas registradas em seu CNPJ, a BM Comércio não apenas facilitava o golpe, mas se tornava a beneficiária direta dos valores pagos.
Quando os consumidores tentavam reverter a compra ou obter o estorno, encontravam a barreira da empresa, que dificultava ou negava a devolução, consolidando o prejuízo.
A Condenação e o Ressarcimento
A sentença, resultado de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), impôs severas sanções à BM Comércio e às suas representantes legais. A condenação exige:
- .Restituição Integral dos Valores: A empresa deverá ressarcir todos os consumidores lesados, com correção monetária e juros.
- .Proibição de Atuação: A empresa está proibida de continuar a aplicar vendas irregulares e de ceder suas máquinas de cartão a terceiros.
- .Multa por Transação Irregular: Foi fixada uma multa de R$ 1 mil por cada nova transação irregular que for identificada.
A decisão do juiz Trevisan, ao reconhecer a responsabilidade civil da empresa, abre caminho para que as vítimas do golpe em Campo Grande e em outros estados busquem a reparação individual.
O caso serve como um alerta contundente sobre a necessidade de cautela em compras de porta em porta ou em abordagens comerciais inesperadas, e reafirma o papel da Justiça na defesa dos direitos difusos e coletivos contra fraudes que se escondem sob a fachada do comércio legítimo.
A "Quadrilha das Panelas" foi desmantelada, e a condenação em Campo Grande marca um passo importante na luta contra o estelionato que se disfarça de oportunidade de consumo. O prejuízo, agora, deve ser devolvido, encerrando o ciclo de um golpe que transformou a promessa de qualidade em um amargo sabor de fraude.
Como evitar golpes de venda
Para se proteger de fraudes como o "Golpe das Panelas", o consumidor deve adotar uma postura de cautela e verificação:
1.Desconfie de Ofertas Irresistíveis: Preços muito abaixo do valor de mercado para produtos de marca ou de alta tecnologia são um forte indicativo de fraude ou falsificação. Lembre-se do ditado: "Quando a esmola é demais, o santo desconfia."
2.Verifique a Identidade do Vendedor e da Empresa:
- •Sempre peça o CNPJ da empresa e o nome completo do vendedor.
- •Pesquise o CNPJ e o nome da empresa em sites de reclamação (como o Reclame Aqui) e nas redes sociais para verificar a reputação e a existência de queixas.
- •Confirme se a máquina de cartão está registrada no nome da empresa que está vendendo o produto, e não em nome de terceiros desconhecidos.
3.Exija Documentação Fiscal: Todo produto vendido deve ser acompanhado de Nota Fiscal. A ausência imediata da NF é um sinal de alerta.
4.Evite Compras por Impulso: Em abordagens de porta em porta ou em locais públicos inesperados, reserve um tempo para pesquisar o produto e a empresa antes de finalizar a compra. Não ceda à pressão de "ofertas de última hora".
5.Conheça Seus Direitos: Lembre-se que o Código de Defesa do Consumidor garante o direito de arrependimento em compras feitas fora do estabelecimento comercial (como em casa ou na rua), com prazo de 7 dias para desistência.




