19 de Abril, dia dos Povos Indígenas, a celebração criada em 1943 [como data do Índio, nome trocado desde o ano passado], 80 anos atrás, pouco muda de um ano para o outro. É que as notícias ruins reinam nas mais populosas aldeias de Mato Grosso do Sul. Por lá, parece ser rotina, apenas isso, que os nativos precisam, e sempre, de enfrentar situações de penúria, como fome, violência, doenças, falta de terra, assassinatos e preconceito.
Aqui trechos de matérias divulgadas pelo país, principalmente da década de 1990 para cá, período de trinta e poucos anos.
De 1980 a 2000, o Correio do Estado e os principais jornais brasileiros, noticiavam com frequência o exagerado número de suicídios entre os indígenas, anotados na Jaguapiru e Bororo, aldeias situadas na cidade de Dourados.
Note essa, de dezembro de 2000: Índia [hoje o correto é nominá-la como indígena] se mata em aldeia no MS. Isso mesmo, a criança matou-se.
A índia guarani-caiuá Zélia Villarva, que havia completado 11 anos em outubro daquele ano, foi achada morta na aldeia Bororo, em Dourados. Sua família disse à polícia que ela havia se enforcado depois de tomar várias doses de bebida alcoólica, segundo declarou Alexandre Kroner de Abreu, o então chefe do Posto Indígena da Funai em Dourados (220 km ao sul de Campo Grande).
Com esse caso, subiu para 34 o número de índios mortos por suicídio neste ano [só em 2000] no Estado, segundo a Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
De acordo com levantamento do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), pelo menos 300 índios se mataram nessa década [entre 1990 a 2000], a maioria com idade entre 17 e 25 anos. As etnias mais atingidas foram os guaranis nhandeva e caiuá. O pior ano foi o de 1995, quando 56 índios se mataram.
À época, o então coordenador do Cimi, em Campo Grande, Nereu Schneider, afirmou que os índios se matavam por uma "situação de desespero. Tudo está relacionado à falta de perspectiva de vida".
Schneider, um dos autores do livro "Por Que os Índios Se Suicidam", achou, à época, "complexo" apontar a motivação dos suicídios.
"Existe uma série de razões. O índio vive em situação de miséria, não possui terra e é obrigado a trabalhar fora para sustentar a família. Tem casos em que o índio sai para trabalhar e, quando retorna à aldeia, se mata porque a mulher está vivendo com outro. Nesse caso, é por desestruturação familiar. Há ainda o alcoolismo", disse. Hoje, 23 anos depois, ainda há nas aldeias de Dourados, em proporção menor, episódios parecidos.
Em setembro daquele ano, em 2000, perto das eleições, na região da cidade de Aquidauana, um grupo de indígenas se preparavam para as eleições. E com discursos afinados. Porém, sem sucesso nas urnas.
"Enepo yakahá'a kevánei'i vótuna îti, yakávanea, itea akó kevâne tumune xi'íxa."
A frase, em idioma terena, foi dita no comício na aldeia Limão Verde, em Aquidauana, pelo índio terena Wanderlei de Souza, 24, que disputou o cargo de vereador pelo PT. Significa: "Se quiser vender seu voto, venda. Mas não venda o futuro de seu filho".
O argumento, contudo, não convenceu ao ponto de eleger o indígena.
Ainda em 2000, no mês de agosto, um caso de disputa de terra envolvendo indígenas e fazendeiros. Desfecho do episódio: mortes.
Dois índios guaranis-caiová foram baleados em confronto com dois seguranças em uma fazenda em Paranhos (580 km ao sul de Campo Grande).
Um dos seguranças foi detido e torturado pelos índios, segundo informação da Funai (Fundação Nacional do Índio). Não morreram.
Hoje, mais de duas décadas depois, segundo dados da Famasul, entidade que cuida dos interesses dos fazendeiros, ao menos 146 áreas rurais estariam ocupadas por indígenas. Com frequência, os indígenas queixam-se pelos ataques de milícias supostamente contratadas pelos fazendeiros.
VIOLÊNCIA
Anos depois, em 2009, ainda na região de Paranhos, a índígena guarani-caiová Olasida Ayala morreu após ser espancada na aldeia Pirajuí, palco de conflito . O genro dela era procurado pela polícia como o principal suspeito. Olasida estava a um mês de completar 90 anos.
A guarani foi levada para o hospital com diversos ferimentos na barriga, cabeça e nas costas. Ela teria conversado com os enfermeiros e dito que havia sido agredida pelo genro. Olasida morreu dois dias depois. O genro, cujo nome a polícia ainda não sabia, teria usado um pedaço de madeira para atacar a sogra.
CONFLITOS
Pirajuí é uma aldeia localizada a 25 km de Paranhos, habitada, à época por cerca de 3,9 mil índios. É o segundo conflito que ocorre na região em menos de dois meses, naquele ano de 2010.
Históricos de mortes em conflitos por terra envolvendo índios e fazendeiros ocorreram nos quatro cantos de MS, como Sidrolandia, Juti, Antônio João, Dourados, Paranhos, Amambai
ÓDIO
Em novembro do ano passado, o indígena de 16 anos guarani-kaowá Cleijomar Vasques, morreu com pancadas na cabeça e seu corpo abandonado uma rodovia perto de uma aldeia indígena, em Amambai.
O crime, segundo autoridades ligadas à causa indígena, seria o terceiro com as mesmas características na região e que já vêm sendo tratados por entidades como “crimes de ódio”. As três vítimas, eram indígenas ligadas à comunidade LGBTQIA+.
O ano todo de 2005, 18 anos atrás, notícias das aldeias de Dourados espalharam-se pelo mundo com casos de crianças indígenas que morriam de fome antes de alcançarem os dez anos de idade.
Ano passado, em 2022, ainda eram registrados casos iguais.
No início deste ano, o governo federal criou o Ministério dos Povos Indígenas e a promessa é a retomar às demarcações de terras, algumas das quais emperradas judicialmente já há três décadas.
Indígenas reclamam que há anos e com casos recentes, neste ano, que são retirados à força de áreas em conflitos por forças policiais do Estado. A queixa: as causas deles devem ser resolvidos por forças federais, apenas.
De acordo com o Censo provisório, divulgado ano passado, no Brasil vivem em torno de 1,6 milhão de indígenas, 100 mil dos habitam aldeias situadas em Mato Grosso do Sul.


