Começa com um bicho diferente aqui, uma plantinha diferente acolá. De repente, todo um ecossistema está desequilibrado por causa da inserção das chamadas espécies exóticas. O mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), por exemplo, entrou na América do Sul no início da década de 90, vindo da China, e alcançou a região do Pantanal por meio da hidrovia Paraguai-Paraná.
Hoje, há locais no Pantanal no quais a densidade do molusco chega a 35 mil indivíduos por metro quadrado, e para se espalhar por toda a Bacia do Alto Paraguai (BAP) é questão de tempo. A previsão é da pesquisadora Márcia Divina de Oliveira, doutora em ecologia, conservação e manejo da vida silvestre da Embrapa Pantanal, que estuda a espécie desde 2002.
Entre outras ações, a pesquisadora e sua equipe mapearam as áreas de ocorrência do mexilhão na região e identificaram as com maior potencial para a espécie se desenvolver na Bacia. A presença do molusco na foz do Rio Cuiabá, por exemplo, evidencia que ele está se dispersando nos principais rios afluentes da BAP, como vem ocorrendo nos rios Miranda e Apa.
O problema é que as espécies exóticas competem com as nativas, muitas vezes prevalecendo por passar um bom tempo sem temer predadores. A fauna local, aos poucos, vai se adaptando: o pacu, por exemplo, tornou-se um exímio consumidor de mexilhão dourado, mas ainda não consegue controlar a rápida e intensa proliferação do molusco. “É praticamente impossível erradicar esses animais ou estimar quais serão os impactos ambientais a médio e longo prazo”, explica a pesquisadora da Embrapa.
Ainda segundo Márcia, a densidade do mexilhão dourado só não é maior no Pantanal graças à decoada, fenômeno natural que diminui a quantidade de oxigênio e aumenta a quantidade de CO2 na água. “A água de decoada mata o mexilhão em cinco dias, ajudando a controlar a população do molusco”, explica.
Prejuízos
Nada que se compare à necessidade de paralisação das turbinas da Usina Hidrelétrica de Itaipu, na Bacia do Paraná, para retirar os milhões de mexilhões presos às comportas, mas os ribeirinhos pantaneiros também têm lá seus prejuízos.
O molusco entope o sistema de refrigeração dos barcos, causando a queima do motor. É assim, aliás, pegando carona grudados nos cascos das embarcações, que eles se espalham rios acima, “tomando conta” da Bacia. As pesquisas e ações coordenadas pela dra. Márcia não pretendem erradicar a espécie. O objetivo é estudar maneiras de controlar a proliferação desordenada do mexilhão, analisando experiências realizadas em todo o País, inclusive na Bacia do Paraná.
Mais intrusos
O que pouca gente sabe é que algumas espécies de peixes encontradas corriqueiramente nos rios pantaneiros também não são naturais dessas águas. O tucunaré e o tambaqui, por exemplo, são peixes amazônicos, que chegaram à planície trazidos por piscicultores. “Há cerca de 20 anos, houve uma grande cheia e um tanque de piscicultura localizado no Rio Piquiri transbordou, espalhando as espécies por alguns rios do Pantanal”, relata a pesquisadora Débora Marques, da Embrapa Pantanal.
O tambaqui, apesar de exótico, consegue passar quase despercebido nos ecossistemas pantaneiros, pois possui os mesmos hábitos do pacu. Ambos são onívoros e podem gerar descendentes entre si, que recebem o nome de tambacu. O híbrido tambacu, por sua vez, mantém elevado grau de fertilidade e ajuda a espalhar as três espécies. Já o tucunaré possui hábitos mais específicos. Trata-se de um predador voraz, que se alimenta de filhotes de peixes, diminuindo as populações de animais que nunca se reproduziram. Também são extremamente territorialistas: não deixam nenhuma outra espécie passar pela área onde desovaram.
Mas, mesmo assim, não há relatos de grandes impactos ambientais, como extinção de espécies naturais, causada pela permanência do tucunaré nos rios pantaneiros. “A decoada também age no controle das espécies de peixes exóticos. É realmente uma defesa natural do Pantanal contra as espécies invasoras”, reitera a pesquisadora Débora.