Uma camisa do Flamengo de presente e “mais uma lembrança”. Essa foi a deixa que um dos investigados pela Polícia Federal na Operação Vox Veritatis — desencadeada na semana passada — deu ao adjunto da Secretaria de Estado de Educação na gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB), Édio Antônio Resende de Castro, para marcar um encontro para negociar e entregar a propina retirada de um contrato de pouco mais de R$ 11 milhões em recursos federais para a compra de tablets para a rede estadual de ensino.
Na investigação, a Polícia Federal captou a estratégia dos empresários Leonardo Primo Araújo, da L&L Comercial, e da HEX — ambas empresas com contrato com o governo do Estado à época — para manter boas relações com os ocupantes de cargos públicos que supostamente cobravam propinas para a compra de produtos sem uma licitação direta, feita por meio de adesão a atas de registro de preços de outros estados ou municípios.
Antes de marcar o encontro com Édio, supostamente para acertar o valor da propina, um dos empresários enviou um print da loja do Flamengo, com a camiseta branca do clube (o uniforme número 2) e, na sequência, enviou uma nota de R$ 8,4 milhões referente à aquisição de 7 mil tablets para as escolas estaduais de Mato Grosso do Sul.
A conversa ocorreu em maio de 2022, quando o país ainda vivia os efeitos da pandemia de Covid-19 e as escolas se preparavam para restabelecer o ensino presencial. Naquela época, o uso de equipamentos eletrônicos, como os tablets, foi fundamental para o aprendizado dos estudantes e para o trabalho dos professores. Esses equipamentos foram pagos com recursos federais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Por esse motivo, a investigação é conduzida pela Polícia Federal.
O valor contratado para a aquisição dos tablets é superior ao valor da nota: R$ 11,93 milhões, para a compra de 9.868 unidades do equipamento, fabricado pela Multilaser (empresa de tecnologia cujo acionista majoritário, Renato Feder, é ligado ao setor educacional — tanto que é o atual secretário de Educação da gestão Tarcísio de Freitas, do Republicanos, no Estado de São Paulo).
Em maio de 2022, depois que Mato Grosso do Sul já havia aderido a uma ata de preços de Angra dos Reis (RJ) e a Secretaria de Estado de Educação (SED-MS) já havia comprado e pago parte dos tablets, um dos empresários chama Édio no WhatsApp:
— Tudo bem? Vou levar mais uma lembrança para você na segunda.
Ao que Édio, o adjunto da Secretaria de Educação, responde:
— Bom dia, beleza, te espero. Abraços!
Na sequência, envia um print da camisa número 2 do Flamengo a Édio e pergunta ao secretário-adjunto:
— Tem?
Édio então responde:
— Não.
O empresário responde brincando com o interlocutor:
— Achei feia, não vou levar.
E o adjunto da Educação dá sua opinião:
— Linda.
Então pergunta o tamanho, antes de partir para o que interessa, que é a compra dos tablets e o pagamento da propina:
— G, né?
— Sim — responde Édio.
— Tem uma NF (nota fiscal) nossa aí hoje, consegue fazer? — pergunta, que encaminha a nota de R$ 8,4 milhões em seguida.
Édio então dá uma resposta que mostra que ambos estão alinhados:
— Pedi para pagar ontem.
A nota fiscal e o print com a camiseta número 2 do Flamengo foram todos encaminhados para outro empresário: Leonardo Primo. Leonardo atuavam juntos, segundo indica a investigação da Polícia Federal.
A Operação
Além da Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União e a Receita Federal também integram a Operação Vox Veritatis (Voz da Verdade, em latim). O objetivo da ação é combater possíveis fraudes em licitações da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, realizadas com recursos federais, no período em que Édio era adjunto de Maria Cecília Amêndola da Mota. Os crimes identificados ocorreram em 2022, último ano do mandato de Reinaldo Azambuja (PSDB).
A investigação apontou indícios de fraudes praticadas por empresários, em conluio com servidores públicos da SED-MS, que permitiam contratações mais onerosas por meio da adesão a atas de registro de preços vigentes em outros órgãos e entidades públicas.
Verificou-se que fornecedores com atas registradas nesses órgãos obtinham a garantia de contratação junto à SED-MS e, em contrapartida, pagavam uma comissão de 5% sobre o valor contratado aos empresários responsáveis pela intermediação. Parte dessas comissões era repassada aos servidores envolvidos.
No caso da compra dos tablets, por exemplo, a Polícia Federal identificou transferências de R$ 596,5 mil da Agira Tecnologia — a empresa que vendeu os tablets — para a L&L, empresa de Leonardo Primo. Coincidentemente, o valor corresponde a 5% do valor global do contrato, de pouco mais de R$ 11 milhões.