Em uma decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) obrigou um homem a pagar pensão alimentícia ao filho da ex-companheira, mesmo diante do resultado negativo de exame de DNA. Essa prática já é consagrada no meio jurídico, revelando o que na prática todos já sabem: ser pai vai muito além de um pedaço de papel ou vínculos sanguíneos.
A questão é: como funciona e em quais ocasiões a chamada paternidade socioafetiva fica caracterizada?
Para a advogada especialista em direito civil com ênfase em família e sucessões Ariane Amorim Garcia, é preciso haver elementos concretos que caracterizem esse vínculo.
Nesse caso paulista, o homem alegou que manteve relação com a mãe da criança por apenas duas semanas, e ficou sabendo da gravidez somente após o término.
Quando saiu o exame de DNA, o resultado mostrou que o menino não era, de fato, filho dele. Porém, provas anexadas nos autos comprovaram que a criança passava tempo com o homem e inclusive com os pais dele (avós).
“O pai afetivo participa das atividades da criança, como no acompanhamento à escola, dia dos pais, inscrição em plano de saúde, clubes, tira fotos com o filho, publica em suas redes sociais, ou seja, tudo isso serve como elemento de prova para se comprovar o elo afetivo existente.
Nesses casos, quando não há esse relacionamento com a criança, não há que se apelar para este dispositivo jurídico.
“Todavia, se o companheiro registrou o recém-nascido é considerado pai e, diante disso, possui todas as obrigações inerentes à filiação, incluindo os alimentos, a não ser que ingresse com uma ação própria e comprove essa ausência de vinculo, o que será analisado caso a caso, por meio de todas as provas anexadas no processo”, diz o advogado.
Ariane acrescenta que a paternidade afetiva dá ao homem os mesmos direitos da paternidade biológica.
“Mesmo em casos de separação, o pai afetivo pode buscar o reconhecimento da paternidade e terá todos os direitos e deveres inerentes à filiação, como de guarda, visitas, além do pagamento de alimentos”, explica.
Esse mesmo entendimento vale para a solicitação de guarda, caso a mãe coloque a vida da criança em risco de alguma forma, sendo usuária de drogas, agredindo ou vivendo com alguém que abuse do pequeno ou pequena.
Outra questão é se o pai afetivo reivindica os direitos e o pai biológico aparece no mesmo do caminho, a relação de vínculo jamais poderá ser ignorada, embora seja a Justiça quem defina o resultado do caso.
Ariane diz que já houve casos em que o juiz reconheceu ambos os vínculos, em benefício da criança.
“É preciso entender que a paternidade socioafetiva uma vez reconhecida em cartório ou por meio judicial gera todos os efeitos (direitos e deveres) da filiação, portanto o pai tem direito a guarda compartilha ou até unilateral”, explicou ao Correio do Estado a advogada.
Se a mãe da criança falece, o pai afetivo também pode requerer a guarda definitiva, inclusive em face de outros parentes que também a solicite.
Conforme a advogada, “isso tudo depende da análise do caso a caso, do melhor interesse da criança, contando com a ajuda de assistentes sociais (estudo psicossocial) e com parecer favorável do Ministério Público”, pontua.
Dessa forma, o resultado da ação em São Paulo vem para lembrar que uma vez constituídos, os vínculos não podem simplesmente ser ignorados, especialmente por conta de interesses financeiros.
Ser pai vai muito além de questões genéticas, mas tem relação com participação ativa na vida de uma criança.


