Cinco dias depois da inauguração da megafábrica de celulose de Ribas do Rio Pardo, onde ouviram um “sermão” do presidente Lula e de três de seus ministros em defesa da isenção do imposto de renda para trabalhadores que recebem até R$ 5 mil mensais e sobre a necessidade de os mais abastados pagarem mais imposto, os donos e administradores da Suzano entraram com ação judicial tentando livrar a empresa do pouco imposto que paga em Mato Grosso do Sul.
O “sermão”, na presença de Beto Abreu e David Feffer, CEO e um dos principais donos da Suzano, respectivamente, ocorreu no dia 5 de dezembro. E, no dia 10 de dezembro, foi protocolada na primeira Vara da Fazenda Pública de Campo Grande um mandado de segurança da Suzano pedindo que a Justiça mande o governo estadual excluir o PIS e COFINS da base de cálculo do ICMS que incide sobre o papel vendido pela fábrica de Três Lagoas.
A empresa é praticamente isenta de ICMS sobre a maior parte de sua produção, que é a celulose destinada à exportação. O imposto, de 17%, incide somente sobre produtos acabados. Mesmo assim, a empresa, que fechou 2023 com o impressionante lucro líquido de R$ 14.084.848.764,20, conforme revela a própria ação judicial, se diz injustiçada pela cobrança do imposto.
Além de exigir a mudança na base de cálculo daqui para frente, o bilionário David Feffer, presidente do conselho deliberativo da Suzano, exige a devolução, com juros e correção, daquilo que supostamente foi cobrado indevidamente ao longo dos últimos cinco anos, deixando claro que não ficou nada comovido com o discurso do presidente e de seus ministros.
No pedido de liminar a empresa não cita o valor daquilo que teria sido cobrado indevidamente. Porém, anexa alguns documentos deixando claro que estão em jogo cifras multimilionárias.
Em dezembro de 2023, por exemplo, a Suzano informou ter acumulado créditos de R$ 25.722.980,97 relativos a PIS e outros R$ 117.666.824,30 relativos a COFINS.
E, como a alíquota de ICMS é de 17% sobre os produtos acabados, somente naquele período são em torno de R$ 24,3 milhões que a gigante da celulose tenta se livrar em imposto, que é destinado ao governo estadual e aos municípios de Mato Grosso do Sul.
AGILIDADE
E, apenas um dia depois de o mandado de segurança com pedido de liminar ter sido protocolado, a juíza Paulinne Simões de Souza já analisou e indeferiu o pedido, dando prazo para que o Governo do Estado e o Ministério público se pronunciem. Somente depois disso é que vai tomar uma decisão.
Em seu despacho, porém, já deixou claro qual sua opinião a respeito do assunto. “Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser legítima a inclusão do PIS e da COFINS na base de cálculo do ICMS, por se tratar de mero repasse econômico que integra o valor da operação do tributo (EDcl no REsp nº 1.336.985/MS)”, escreveu a magistrada.
Ou seja, a gigante que no ano passado lucrou R$ 14 milhões aqui no Estado e nas outras regiões nas quais atua, quase o mesmo tanto que os R$ 16,4 bilhões que o governo estadual faturou em ICMS ao londo de todo o ano de 2023, sofreu um primeiro revés na Justiça, mas foi somente um primeiro round daquilo que promete ser uma luta longa.
ARAUCO
E não é somente a Suzano que trava batalhas judiciais para pagar ainda menos impostos em Mato Grosso do Sul. A chilena Arauco, que em Inocência está começando a construir uma fábrica de R$ 25 bilhões após ter recebido benesses fiscais tanto para a construção quanto para a venda das 3,5 milhões de toneladas anuais que pretende produzir a partir do final de 2027, entrou com pelo menos duas ações judiciais para pagar menos ITBI.
A briga é com a prefeitura de Três Lagoas, município no qual a Arauco já “arrendou” ou está negociando o “aluguel” de cerca de 20 fazendas. Como se trata de empresa estrangeira, não pode comprar nem arrendar terras. Para driblar a legislação, usa o termo usufruto para conseguir terras para o plantio de eucaliptos.
A questão é que a prefeitura de Três Lagoas estava cobrando o Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis, o ITBI, que é de 2%, sobre o valor venal do imóvel, que é definido pelo poder público. A Arauco, porém, entende que este imposto deve ser cobrado somente sobre o valor do contrato registrado em cartório, que, em alguns casos é 50% abaixo do valor venal.
Entre outros exemplos, a ação judicial impetrada em meados de julho contra a prefeitura de Três Lagoas cita o caso da Estância Três Poderes, de 1.861 hectares. O imóvel está avaliado em R$ 64 milhões e a prefeitura cobrou 2% sobre esse valor, o que dá R$ 1,28 milhão de imposto
A Arauco, porém, diz que o tributo deve incidir somente sobre o valor do contrato, que é de R$ 33 milhões por um período de 16 anos. E ela conseguiu na Justiça, em decisão proferida em meados de outubro pela juíza Aline Beatriz de Oliveira Lacerda, reduzir o valor do imposto de R$ 1,28 milhão para R$ 664.055,62.
A prefeitura de Três Lagoas alegou na Justiça que os contratos de usufruto assinados entre a Arauco e os proprietários das terras têm valores fictícios, subavaliados justamente para reduzir os valores do imposto.
Além disso, alega que não existe legislação clara sobre a forma de cobrança de ITBI dos chamados usufrutos, já que são uma nova espécie de “arrendamento” de terras que surgiram por conta do boom da celulose e da chegada das multinacionais que exploram o setor. Por isso, entende a prefeitura, o imposto deve ser cobrado como se as terras estivessem sendo vendidas.
CANETADA MILIONÁRIA
A disputa chegou a ser remetida ao Tribunal de Justiça, mas antes que este se manifestasse a magistrada de Três Lagoas deu ganho de causa à Arauco, determinando que a prefeitura de Três Lagoas reduzisse o imposto dos contratos já firmados e ainda mandou que nos contratos futuros a base de cálculo seja o valor do contrato, e não o valor venal da terra.
Levando em consideração que a Arauco precisa de 400 mil hectares de terra na região e que paga, em média, em torno R$ 100 reais por mês por hectare, ela vai recolher imposto sobre cerca de R$ 7,6 bilhões pelos contratos já firmados ou que estão em negociação.
A maior parte destes contratos têm prazo de 16 anos e podem ser prorrogados por mais 14. Quando da renovação, o ITBI terá de ser recolhido novamente. Em 30 anos são possíveis quatro ciclos de plantio e corte de eucaliptos.
Sendo assim, supondo que os demais municípios também cobrem 2% de ITBI, ela vai recolher em torno de R$ 153 milhões de imposto. Mas, se vigorasse a tese da prefeitura de Três Lagoas, esse valor subiria em cerca de R$ 75 milhões.