Cidades

MEMÓRIA

Há 50 anos, pior cheia no Pantanal matou o gado e mudou a natureza

Muitos diziam que o bioma viraria deserto após a seca dos anos 1970, mas foi em 1974 que a planície voltou a ser o Mar de Xaraés

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“Essa água tomo no tereré...”. Depois de 10 anos de seca intensa, quando se atravessava a pé o Rio Paraguai em frente ao Porto de Corumbá e já se propagava que o Pantanal se tornaria um deserto – inclusive no meio acadêmico –, eis que a chegada das águas de forma repentina na planície, em 1974, pegou os pantaneiros desprevenidos. 

A inundação daquele ano foi uma catástrofe: morreram milhares de cabeças de gado e muitos fazendeiros empobreceram ou abandonaram a pecuária.

Não foi a maior cheia do bioma (em 5/6/1974, o nível do Rio Paraguai chegou a 5,46 m na régua fluviométrica de Ladário), porém, a planície se transformou no Mar de Xaraés preconizado no imaginário do explorador espanhol Cabeza de Vaca, no século 16.

A água chegou na velocidade de um tsunami no chão esturricado, atingiu a copa das árvores e as sedes de fazendas e levou na correnteza moradores, bovinos e animais selvagens.

Maior município do bioma, com 64 mil km² de território, Corumbá tinha na época o maior rebanho bovino do Brasil: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eram 3.041.364 cabeças.

A cheia reduziu esse expressivo volume em 35% (1.062.685) no ano seguinte, em função da morte de animais e da venda a qualquer preço do que se conseguiu salvar nos boieiros (lanchas) da antiga estatal Serviço de Navegação da Bacia do Prata, em direção ao planalto de trem.

SEM ÁGUA E PASTO, UMA TRISTEZA

“Depois da grande cheia em 1959, com chuvas intensas seguidas de um inverno rigoroso, o gado enfraqueceu e pegou essa seca braba. Não havia água nem para os animais, e a gente buscava os minadouros abrindo buracos no braço observando a natureza. O gado comia a casca dos troncos por falta de pasto, era uma tristeza”, conta o pantaneiro Manoel Martins de Almeida, 79 anos.

“A notícia se espalhou, mas ninguém acreditou na cheia. Falava-se que tomaria essa água no tereré. A gente cruzava o Pantanal de carro sem molhar os pneus”, recorda.

Dono da Fazenda São Camilo, no Paiaguás, divisa com MT, Almeida fala que não teve grandes perdas, pois a enchente foi mais avassaladora nas áreas baixas das sub-regiões do Abobral, do Nabileque e do Jacadigo, mais a leste e ao sul de Corumbá.

“O Pantanal empobreceu, aniquilou a pecuária, reduziu a área de criação e produção, foi difícil dominar a situação. Os corixos viraram rios e atoleiros, muita gente ficou ilhada, perdeu tudo”, relembra.

O fazendeiro e piloto Francisco José Boabaid, o Chico, era um adolescente de 17 anos quando presenciou a chegada das águas, com o transbordamento do Rio São Lourenço, na fazenda de sua família, a Boa Vista, também no Paiaguás.

“Voltava de um retiro com meu pai e os peões a cavalo e de longe avistamos uma nuvem de poeira. Era a água entrando no campo seco em velocidade impressionante. Retornamos para a sede zingando uma canoa”, descreve.

Após o fenômeno, a região teve uma sequência de cheias grandes e normais (4 m) até 2000. Na enchente recorde de 1988, o Rio Paraguai alcançou 6,64 m. Na época, o rebanho bovino de Corumbá era de 1.241.959 cabeças.

Para pesquisadores e pantaneiros, o ecossistema sofreu profundas alterações pós-1974. “Aquela água selecionou, retirou o lixo, fez surgir um capim maravilhoso, mudou a natureza e estabeleceu-se em algumas regiões”, observa Almeida.

Registro do gado pantaneiro na supercheia de 1974, em CorumbáRegistro do gado pantaneiro na supercheia de 1974, em Corumbá

Recuperação veio com pesquisa e readaptação do homem e do boi

A cheia de 50 anos, após o mais longo ciclo de seca – período em que os níveis do Rio Paraguai, em Ladário, oscilaram entre 1,33 m e 2,09 m, com mínimas negativas de até 0,61 cm –, mudou completamente o ambiente no bioma, o comportamento hídrico e o processo produtivo da pecuária, até então empírico.

O maior impacto, porém, foi na economia local: estima-se que, no preço atual da vaca de cria, o prejuízo dos pantaneiros à época foi de R$ 2,1 bilhões.

“Era um período de expansão, com a ocupação das áreas ao longo do Rio Paraguai e de terras baixas, e havia a discussão sobre projetos de integração com a abertura de estradas até Poconé [MT], o que não foi viabilizado depois da cheia”, observa o veterinário e zootecnista Urbano Gomes Pinto de Abreu, 63 anos, pesquisador da Embrapa Pantanal.

“Mas o pantaneiro se readaptou, aprendeu a lidar com as duas situações [cheia e seca] e investiu na melhoria do rebanho”, complementa.

ARCA DE NOÉ

A inundação causada pelo Rio Paraguai e seus afluentes – “morreu até galinha no poleiro”, contam os pantaneiros – foi um divisor de águas.

Muitas terras ficaram submersas permanentemente, como as áreas de influência do Rio Paraguai próximas a Corumbá, onde existiam agrovilas e grandes fazendas – hoje corredor de fogo, em função do acúmulo de matéria orgânica.

No Jacadigo, o transbordamento do Rio Tucavaca, na Bolívia, contribuiu para inviabilizar a atividade pecuária por uma década, em virtude do solo encharcado.

Os pantaneiros relatam que, sem ter para onde fugir, o gado se refugiava nos capões (áreas elevadas) e que o espaço se tornava uma “arca de Noé”, dividido também pelos animais selvagens, como cervo, tatu, porco-do-mato, capivara, lobinho, tamanduá... A lista continua.

O presidente do Sindicato Rural de Corumbá, Gilson de Barros, tinha nove anos e ajudou seu pai e sua avó a recolherem o gado, que era criado solto no campo. “Foi desesperador, a cheia pegou todo mundo de calça curta”, descreve.

RECUPERAÇÃO

O pantaneiro Armando Lacerda, 69 anos, discorre que o gado foi saqueado com os financiamentos que surgiram para compra, cuja desvalorização perdurou até os anos 1980.

Sem alternativas, muitos fazendeiros entregaram animais para os frigoríficos sem prazo de pagamento. “Na sequência, tivemos o assoreamento do Rio Taquari, que inundou mais de 1,5 milhão de hectares onde se produzia 250 mil bezerros por ano”, diz Luciano Aguilar Leite, 49 anos, vice-presidente do Sindicato Rural de Corumbá.

A criação da Embrapa Pantanal, em 1975, contribuiu para recuperar a pecuária – hoje reconhecida por produzir carne sustentável – e fez com que a Cidade Branca voltasse a sua posição: conta com o segundo maior rebanho (1,9 milhão de cabeças) do País.

“O gado, que na cheia de 1974 não conhecia água no campo, se aclimatou. O pantaneiro apostou na pesquisa e nas novas técnicas, como formação de pastagem, desmame antecipado, melhor manejo e nutrição e maior capacidade de suporte e produtividade”, atesta Abreu. (SA)

 Enchente de 1974 deixou parte da Cidade Branca debaixo d'águaEnchente de 1974 deixou parte da Cidade Branca debaixo d'água (Foto: Arquivo / Correio do Estado)

"Acolhe e Protege"

MS aumenta em 50% verba para policiais que 'lutam' contra violência doméstica

Valor pago para servidores das carreiras da Polícia Civil que aderirem ao programa de forma voluntária, bonifica plantões de 12 horas consecutivas, limitada a 60 horas mensais por agente

22/12/2025 10h01

Programa

Programa "MS Acolhe e Protege" busca reforçar plantões de unidades como as delegacias de Atendimento à Mulher de Campo Grande e Dourados (Deam e DAM) Marcelo Victor/Correio do Estado/Arquivo

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Entre seus últimos atos de 2025, o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul publicou nesta segunda-feira (22) um aumento do valor da verba indenizatória paga para servidores das carreiras da Polícia Civil que atuam nas demandas ligadas ao enfrentamento da violência doméstica em MS. 

Iniciativa batizada de "Programa MS Acolhe e Protege", como bem apontado pelo Correio do Estado no lançamento, a medida permite que delegados, escrivães e investigadores realizem, aproximadamente, mais 1.250 plantões, além de sua devida jornada mensal. 

Anteriormente, porém, esse valor em verba indenizatória paga era de R$200, cifra essa aumentada em cinquenta por cento pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul. 

Em outras palavras, o pagamento da hora extra agora é de R$300 reais para o servidor que aderir às atividades que envolvam os casos de violência doméstica em Mato Grosso do Sul. 

Programa "MS Acolhe e Protege" busca reforçar plantões de unidades como as delegacias de Atendimento à Mulher de Campo Grande e Dourados (Deam e DAM)Reprodução/DOE-MS

Aqui cabe explicar, conforme descrito no texto do decreto n°. 16.669, que data de 11 de setembro de 2025, a instituição desse programa visa atender com maior eficiência e foco às demandas relativas à violência doméstica ocorrida no território sul-mato-grossense, especificamente, nos Municípios de Campo Grande e de Dourados.

MS Acolhe e Protege

Colocado em prática há cerca de três meses, através da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), esse Programa nasce em meio à uma média de 1.725 ocorrências de violência doméstica por mês em Mato Grosso do Sul. 

Para o atendimento e apuração desses crimes, seja nas diligências, nos pedidos de medidas protetivas, representações por prisões preventivas, oitivas especializadas ou buscas e apreensões, o "MS Acolhe e Protege" busca justamente reforçar os plantões das seguintes unidades: 

  • Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) - Capital
  • Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), Capital, 
  • Delegacia de Atendimento à Mulher (DAM), Dourados.

Importante esclarecer que cada plantão precisa ter, no mínimo, 12 horas consecutivas, sendo limitada uma carga de 60 horas mensais por servidor, ou seja, cada agente pode registrar até cinco dessa modalidade de "hora extra" a cada mês. 

Como forma de combate à violência doméstica, o Governo do Estado tenta empregar um maior efetivo para, por exemplo, diminuir a demanda reprimida pela análise de boletins de ocorrência; identificar casos que precisem ser reavaliados ou de novas providências, entre outros pontos. 

 

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IMBRÓGLIO

Agesul reabre licitação para reforma da ponte sobre o Rio Paraguai

Empresa privada cobrou pedágio na ponte por quase duas décadas, mas ela foi devolvida parcialmente detonada e agora necessita de investimento público milionário

22/12/2025 09h26

A ponte na BR-262 já recebeu uma série de reparos emergiais, mas a reforma principal deve ser feita em 2026

A ponte na BR-262 já recebeu uma série de reparos emergiais, mas a reforma principal deve ser feita em 2026

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Onze dias depois de o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinar a suspensão da licitação para contratar uma empresa para reformar a ponte sobre o Rio Paraguai, na BR-262, próximo a Corumbá, a Agesul divulgou nesta segunda-feira (22) que retomou o certame e que pretende abrir os envelopes da disputa no dia 16 de janeiro. 

Inicialmente, as propostas seriam analisadas no dia 15 de dezembro, mas o conselheiro Sérgio de Paula entendeu que havia inconsistências no edital e determinou a suspensão do certame, que prevê investimento de até R$ 11,72 milhões na única ponte sobre o Rio Paraguai que liga as cidades de Corumbá e Ladário ao restante do Estado. 

E, na publicação desta segunda-feira, a Agesul justifica a reabertura com base em uma publicação extra do TCE liberando o pregão. Esta liberação, conforme a Agesul, teria sido publicada em edição extra do diário oficial do Tribunal. Porém, até 09:45 horas o TCE não havia feito nenhuma publicação. 

Sérgio de Paula, que assumiu o cargo de conselheiro faz pouco mais de um mês, argumentou que suspendeu o processo licitatório por conta de inconsistências no projeto básico, que podem gerar gastos acima do necessário. Para isso, foi apontada a necessidade de atualização dos dados técnicos.

“Tais inconsistências podem acarretar riscos de sobrepreço, aditivos contratuais futuros e execução inadequada da obra, comprometendo a economicidade e a eficiência. Para uma decisão embasada e para mitigar riscos futuros, é crucial que as informações complementares e as atualizações necessárias sejam providenciadas e analisadas”, alegou o novato conselheiro.

Inicialmente o Governo do Estado previa gastar em em torno de R$ 6 milhões na recuperação da estrutura da ponte, que durante mais de um ano ficou parcialmente interditada, com sistema de pare-siga, por causa das más condições da pista.

Até setembro de 2022 havia cobrança de pedágio na ponte.  Pequena fatia da receita era repassada ao Estado e a única obrigação da empresa era fazer a manutenção da estrutura, que tem dois quilômetros e foi inaugurada em 2001.

Porém, em 15 de maio de 2023 a empresa Porto Morrinho encerrou o contrato e devolveu a ponte Poeta Manoel de Barros sem condições plenas de uso, embora tivesse faturamento milionário.

Em 2022,  com tarifa de R$ 14,10 para carro de passeio ou eixo de veículo de carga, a cobrança rendeu R$ 2,6 milhões por mês, ou R$ 21 milhões nos oito primeiros meses daquele ano.

No ano anterior, o faturamento médio mensal ficou em R$ 2,3 milhões. Conforme os dados oficiais, 622 mil veículos pagaram pedágio naquele ano. Grande parte deste fluxo é de caminhões transportando minério. A maior parte destes veículos têm nove eixos e por isso deixavam R$ 126,9 na ida e o mesmo valor na volta.

Esse contrato durou 14 anos, com início em dezembro de 2008, e rendeu em torno de R$ 430 milhões, levando em consideração o faturamento do último ano de concessão. 

E, mesmo depois de parar de cobrar pedágio, a Porto Morrinho continuou cuidando da ponte, entre setembro de 2022 até maio de 2023.  Neste período, recebeu indenização milionária, de pouco mais de R$ 6 milhões. 

O pedágio acabou por causa do fim do acordo do governo estadual, que construiu a ponte, com o DNIT, já que a rodovia é federal. Porém, o governo federal só aceita receber a ponte depois que estiver em boas condições de uso. 

MOVIMENTO EM ALTA

Se a licitação finalmente avançar, as obras de reforma da ponte vão coincidir com o provável aumento no tráfego de caminhões pesados sobre a estrutura. É que em primeiro de dezembro foi desativado o transporte ferroviário de minérios entre o distrito de Antônio Maria Coelho e terminal de embarque hidroviário de Porto Esperança. 

Somente nos nove primeiros meses de 2024 a LHG Mining - MRC- Mineração Corumbaense, empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista, despachou 4,2 milhões de toneladas de minério a partir deste terminal.

Praticamente todo o material era levado pela ferrovia. Agora, porém, estes minérios terão de passar pela ponte para chegar ao porto. Se for mantida a média de exportações deste ano, serão em torno de 310 caminhões de 50 toneladas cada diariamente. Além disso, todos eles terão de voltar. Ou seja, serão mais de 600 caminhões a mais por dia utilizando a ponte. 

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