Mais de 300 famílias que não receberam caixas d'água sofrem com o desabastecimento em Dourados
Enquanto o mundo celebrava o Natal, mais de 300 famílias indígenas das aldeias Jaguapiru e Bororó, em Dourados, enfrentaram um drama silencioso: a falta de água. O desabastecimento, agravado pela diminuição dos serviços de caminhões-pipa durante o recesso dos órgãos responsáveis, transformou a data em um período de privação e desafios.
De acordo com o cacique Ramão Fernandes, metade da reserva ficou totalmente sem abastecimento. Para essas famílias, conforme ele, “foi um Natal triste”.
Dos cinco caminhões-pipa que atendiam a comunidade (dois de Dourados e três de Itaporã), apenas dois continuam operando, fazendo entregas duas vezes ao dia, segundo Ramão.
Ainda assim, o esforço não é suficiente para atender todas as famílias, as quais relatam dificuldades até para realizar tarefas básicas, como tomar banho, lavar roupas ou simplesmente matar a sede.
À BASE DE IMPROVISOS
Natieli Ramirez da Silva, mãe de dois filhos pequenos, vive essa realidade. Sem caixa d’água e recebendo abastecimento apenas duas vezes por semana, ela relata dias de extrema escassez.
“Passei cinco dias sem água. Meus porcos, minhas galinhas e minhas vacas estão morrendo de sede. Até os cães ficaram dias sem beber água”, desabafa.
A crise também comprometeu o desempenho escolar das crianças. O filho de 10 anos de Natieli reprovou em função da dificuldade de frequentar as aulas, uma vez que muitas vezes ele não tinha água para tomar banho ou lavar seu uniforme. “Tinha dias em que não dava nem sequer para lavar os pés, muito menos tomar banho”, conta.
Esfriel usa um carrinho de mão para buscar água em um poço / Foto: Valéria Araújo Esfriel Fernandes, outro morador da comunidade, recebeu uma caixa d’água de 500 litros, mas a reserva dura apenas três dias. Para sobreviver, ele pega a carriola com alguns baldes e tambores e vai a pé até um poço mantido por um centro social da Igreja Católica próxima à casa dele.
A rotina inclui banhos racionados – um balde por pessoa e apenas à noite. Para celebrar o Natal, a família se uniu a parentes, compartilhando o pouco que tinham para cozinhar. “Sem água não dá para pensar em sonhos. Que 2025 traga mudanças”, almeja.
PROTESTOS E PROMESSA
A crise hídrica desencadeou protestos em novembro, quando indígenas bloquearam a MS-156 exigindo soluções. Após confronto com a Polícia Militar, 40 caixas d’água foram distribuídas, mas deixaram centenas de famílias desassistidas.
A pressão resultou na perfuração de dois poços na reserva, com capacidade para gerar 52 mil litros por hora. No entanto, a ativação depende da instalação de energia elétrica, o que – segundo Ramão – deve ser resolvido em poucas semanas. “A construção dos poços vai amenizar a crise, mas não resolve o problema estrutural”, afirma o cacique.
Como parte do acordo firmado entre o governo do Estado, o Ministério Público Federal (MPF), o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei-MS) e as lideranças locais, mais dois poços serão construídos até março do ano que vem.
No entanto, a solução definitiva depende de um projeto orçado em R$ 53 milhões e previsto para ser incluído no Orçamento da União de 2025, por meio de uma emenda da bancada federal sul-mato-grossense.
Durante visita ao Estado, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, reconheceu os esforços, mas admitiu que as obras só devem ser concluídas no próximo ano. “Não posso mentir e estipular um prazo. A execução depende dos processos legais e das contratações necessárias”, salientou à época.
REFORÇO
Ramão, o qual acompanhou a reportagem nas casas das famílias atingidas pela falta de água, disse que recentemente a Defesa Civil esteve no local e informou que vai reforçar a disponibilização de água disponibilizando um caminhão-pipa e duas caminhonetes para transportar água na reserva até que os dois novos poços que foram perfurados sejam ativados.
Enquanto isso, os indígenas de Dourados seguem contando os dias para que a água volte às torneiras. Para eles, a promessa de um ano novo melhor depende não apenas de palavras, mas de ações concretas do poder público.
SAIBA
Resposta
A reportagem do Correio do Estado entrou em contato com a Sanesul, que informou que, em relação aos serviços de disponibilização de caminhões-pipa, os mesmos estão sendo mantidos normalmente, sem nenhum prejuízo à comunidade.
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