Para os moradores de Ribas do Rio Pardo, distante 100 km de Campo Grande, a construção do maior investimento privado do Brasil, com projeção de ser uma das maiores fábricas de celulose do mundo, acarretou algumas dificuldades estruturais no município.
A equipe do Correio do Estado esteve presente na cidade, nesta segunda-feira (13), e foi possível constatar que a elevada movimentação de pessoas envolvidas com a construção do Projeto Cerrado, da empresa Suzano, divide espaço com as falhas na expansão habitacional em diversas regiões da cidade.
Após o início da construção da fábrica de celulose, em 2021, o município recebeu uma migração intensa de trabalhadores, os quais enxergaram no local oportunidades de emprego.
Entretanto, o crescimento de habitantes resultou em um efeito cascata de falta de casas suficientes para acomodar os novos moradores, o que fez disparar os preços dos aluguéis.
Conforme apurado pela reportagem, com a valorização do preço cobrado pelo aluguel de imóveis, diversos inquilinos não conseguiram pagar o novo valor. Como consequência, diversas famílias ocupam moradias irregulares e sem estrutura básica.
De acordo com a prefeitura de Ribas do Rio Pardo, atualmente, pelo menos 400 famílias vivem em terrenos públicos invadidos, desencadeando o surgimento e a expansão das favelas. Em uma das ocupações, a equipe do Correio do Estado conversou com Thiago Ribeiro, 29 anos.
Morador há seis anos na favela, ele relatou que nos últimos meses houve aumento de famílias na mesma situação de vulnerabilidade habitacional.
“Vieram pessoas de longe para cá para trabalhar na fábrica, que não tinham casa na cidade e tiveram que erguer moradia aqui na invasão”, relatou Ribeiro.
A mesma situação se repete para quem já era morador de Ribas do Rio Pardo. “Chegou a vir gente por causa do preço dos aluguéis também, que está um absurdo. Fui ver uma casa alugada na esquina custando R$ 15 mil”, acrescentou.
Thiago também contou à reportagem as dificuldades de permanecer na ocupação urbana. “Aqui, o acesso à água e à energia é difícil, a geladeira não faz gelo porque a energia é muito fraca e o ventilador não pega direito porque os fios são remendados”, relatou o morador.
NOVA REALIDADE
Para entender melhor como está a nova realidade de Ribas do Rio Pardo, o Correio do Estado conversou com moradores mais antigos do município.
No centro da cidade, o caminhoneiro Alessandro, que mora em Ribas há 50 anos, relatou que se surpreendeu com o aumento do fluxo de pessoas no município nos últimos três anos.
“Mudou muita coisa aqui com a chegada da Suzano. Há muitas pessoas na cidade, o trânsito aqui aumentou muito e apesar dos serviços gerados, acredito que a cidade ainda não estava pronta para receber tantas pessoas”, disse.
Em contrapartida, a moradora Ruty Oliveira Gonçalves, 74 anos, nascida e criada em Ribas do Rio Pardo, vê com bons olhos o aumento repentino de habitantes na cidade.
“Aqui no centro, antes do início da construção da fábrica, estava tudo muito parado, a gente estava até triste porque a cidade estava estagnada. Mas agora melhorou muito a nossa situação”.
GERAÇÃO DE EMPREGOS
A construção do Projeto Cerrado deve criar cerca de 10 mil empregos em um município que, segundo o Censo 2022, tem apenas 25 mil habitantes.
William Lima dos Santos Scarpa, 32 anos, é natural de Bauru (SP) e é um dos hoteleiros que abriram negócio em Ribas do Rio Pardo, para prestar atendimento aos trabalhadores da fábrica.
Em entrevista ao Correio do Estado, William informou que o hotel foi construído em poucos meses, com início em novembro de 2021 e término em outubro do ano passado.
“Eu vim para Ribas porque faço parte de um grupo que já estava monitorando o crescimento da cidade por conta da construção da fábrica da Suzano. Basicamente, com o tempo, fui construindo essa ideia de vir para cá”, disse.
O hoteleiro, que tem experiência na área há seis anos, disse que já tem 320 clientes hospedados no seu estabelecimento, que é dividido em dois prédios na cidade.
Por ser de fora do Estado, William foi questionado em entrevista sobre a recepção dos moradores da região aos novos habitantes. Ele relatou que existe, sim, uma certa rejeição dos rio-pardenses ao aumento do movimento na cidade.
“Houve rejeição dos moradores aqui e eu acredito que foi por conta do aumento exagerado do preço das coisas, que chegaram a ficar três vezes mais caras. Eu tenho funcionários que em 2021 pagavam de R$ 300 a R$ 400 reais de aluguel, mas os donos dos imóveis viram que a demanda cresceu e reajustaram o valor para R$ 3 mil por mês”, salientou.
IMPACTO
A equipe de reportagem esteve presente na sede da Prefeitura de Ribas do Rio Pardo.
Em conversa com o prefeito da cidade, João Alfredo Danieze (Psol), sobre o impacto do empreendimento bilionário no município, ele foi enfático ao relatar que a Suzano não está cumprindo com a devida urgência o projeto de mitigação dos impactos causados pela construção da fábrica de celulose por meio do Plano Básico Ambiental (PBA).
“Estamos precisando de obras urgentes na infraestrutura. Até então, só conseguimos realizar a instalação de semáforos e lotes urbanizados para construção de casas”, disse.
“A cidade está cheia de buracos, o tráfego de caminhões piorou as condições das estradas, estamos tentando fazer recapeamentos e pavimentações. Não temos máquinas e equipamentos suficientes para isso, por isso tenho dito que estamos caminhando para o caos”, complementou o prefeito.
No entanto, em entrevista exclusiva ao Correio do Estado, o diretor de Engenharia do Projeto Cerrado, Maurício Miranda, explicou que os investimentos da Suzano em 25 projetos definidos via conselho de desenvolvimento sustentável no PBA são projetados para impactar a cidade após o início operacional da fábrica, e não durante a execução da obra.
“O PBA pode atender à execução da obra, mas ele demanda fortemente as questões de operação futura da própria planta. A partir disso, são em torno de 25 projetos que a Suzano se comprometeu a executar. Nós trabalhamos logicamente nessa frente, para atender aquilo que o conselho priorizou, e é o que nós temos feito”, destacou Miranda.
INVESTIMENTO
O diretor de Engenharia do Projeto Cerrado pontuou ao Correio do Estado que, dentro dos termos de compromisso do PBA, a Prefeitura de Ribas do Rio Pardo deve contar com investimento de R$ 27,2 milhões da Suzano para setores como habitação, saúde e educação.
“Nós temos R$ 4,7 milhões, que serão designados para frentes da Polícia Rodoviária Federal, e R$ 16 milhões para a parte de segurança pública, que inclui a construção de um novo quartel da Polícia Militar, a construção de uma nova delegacia, além de outras coisas de viatura e melhor aparato para a polícia”, disse Miranda.
Conforme ele, as obras do PBA estão seguindo o cronograma previsto. “Asseguramos às pessoas que o nosso investimento não será passageiro em Ribas. Tenho certeza de que fazemos tudo o que está dentro da nossa responsabilidade e entendemos que fazemos bem, mas nós não conseguimos solucionar todas as questões do município e cabe deixar isso bem claro”, frisou.
Saiba: O Projeto Cerrado vai gerar cerca de 10 mil empregos diretos no pico da obra, além de milhares de empregos indiretos. Quando concluída, a nova unidade da Suzano vai empregar cerca de 3 mil trabalhadores. O investimento total na fábrica de celulose está estimado em R$ 19,3 bilhões.