Idealizado em outubro pela Câmara Municipal, projeto está em análise e corre risco de ser inconstitucional, diz especialista
Idealizado pela Câmara Municipal de Campo Grande visando levar segurança financeira ao transporte público da Capital, o Fundo Municipal de Mobilidade Urbana e Transporte (FMMUT) pode nem sair do papel por correr risco de ser inconstitucional, segundo especialista em Direito entrevistado pelo Correio do Estado.
Em 23 de outubro, um dia depois dos motoristas pararem por 1 hora e 30 minutos a circulação dos ônibus em Campo Grande, a Casa de Leis criou o Projeto de Lei nº. 12.127/2025. Conforme consta no texto que define detalhes sobre o fundo, o objetivo dele é “assegurar a captação, gestão e aplicação de recursos destinados à execução de políticas públicas voltadas à mobilidade urbana, ao transporte coletivo e à infraestrutura viária”.
Contudo, segundo o professor de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Sandro Rogério Monteiro de Oliveira, o projeto tem um teor do chamado vício de iniciativa, que é quando um projeto de lei é criado por quem não tem a prerrogativa constitucional para tal, sendo reservada essa prerrogativa a um dos Poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário).
“Em tese tem vício de iniciativa, deveria ser de iniciativa do Executivo Municipal”, afirma.
O especialista também chama a atenção para a ausência de justificativa legal para o projeto virar lei. Nas justificativas presentes no projeto, o presidente da Câmara Municipal, Epaminondas Neto, o Papy (PSDB), cita a importância do Fundo para o transporte público de Campo Grande e o contexto atual de necessidade urgente do projeto ser aprovado, mas não cita leis ou outras normas.
“Com o Fundo, o Município passa a dispor de um instrumento permanente de financiamento e de planejamento estratégico, capaz de garantir maior estabilidade e autonomia à gestão pública da mobilidade”, diz Papy em uma das justificativas, além de acrescentar que o transporte coletivo enfrenta dificuldades financeiras e operacionais.
Caso seja comprovado o vício de iniciativa por parte da Casa de Leis, Sandro afirma que “haveria necessidade de intervenção judicial provocado pelo Executivo Municipal”.
À reportagem, a Câmara Municipal disse que o projeto segue em tramitação para “conhecimento das Comissões Permanentes”, para que depois seja levado à votação no plenário. Porém, segundo informações obtidas pela reportagem, o projeto não foi à votação porque a Procuradoria Jurídica da Casa analisa a legalidade da iniciativa. Caso seja deliberada sua aprovação, o Fundo vai entrar em vigor dentro de 90 dias a partir de sua publicação.
DETALHES
Segundo o texto do projeto em tramitação na Câmara, a ideia é que o Fundo seja gerido por um Comitê Gestor, que será formado por representantes da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran), da Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Campo Grande (Agereg), da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Gestão Urbana e Desenvolvimento Econômico, Turístico e Sustentável (Semades) e da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sisep), além de pessoas da sociedade civil ligadas ao tema.
Ao todo, as receitas do Fundo poderão ser provenientes de nove espaços diferentes, a maioria ligados a atividades e projetos públicos relacionados à mobilidade urbana e ao transporte público. Ademais, recursos oriundos dos executivos Municipal, estadual e federal também poderão compor a ferramenta.
O projeto prevê também que no final de cada trimestre, o comitê gestor seja responsável por emitir um relatório de gestão e aplicação de recursos, que deverá conter: a origem e destinação dos recursos; os projetos e ações financiados; os resultados obtidos e indicadores de desempenho; e o saldo financeiro e a execução orçamentária do Fundo.
Além disso, a movimentação financeira e as aplicações do Fundo deverão ser publicadas mensalmente no Portal da Transparência do Município.
A Casa de Leis ainda deixa claro que, caso o Fundo seja extinto, o “saldo remanescente será transferido ao Tesouro Municipal, após a quitação de todas as obrigações e compromissos assumidos”.
CRISE
Na sexta-feira, o Consórcio Guaicurus, responsável pela administração do transporte público de Campo Grande desde 2012, anunciou que está em crise financeira, sob alegação de inadimplência do poder público acerca dos repasses, que beiram os R$ 35,8 milhões anuais (R$ 22,8 milhões do Município e R$ 13 milhões do Estado).
Segundo o comunicado da empresa, as consequências da suposta dívida serão o não pagamento dos direitos dos motoristas dos ônibus, já que os vencimentos de dezembro (salário, vale e 13º) devem atrasar.
Como informado pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo e Urbano de Campo Grande (STTCU-CG), Demétrios Freitas, ao Correio do Estado, essa situação do Consórcio pode colocar em risco a circulação do transporte público, já que uma paralisação está em debate pela categoria.
Na semana passada, o governo do Estado já havia dito que estava em dia com o acordado no convênio. Ontem, a Prefeitura retornou os contatos feitos pela reportagem e também disse que está adimplente com suas obrigações financeiras previstas no contrato, ou seja, contrariando a versão dada inicialmente pelo Consórcio. Além disso, prestou esclarecimentos sobre uma possível greve dos motoristas perante a situação.
“Em relação à possibilidade de interrupção dos serviços de transporte público, o Município não foi informado previamente sobre possível paralisação ou greve geral, estando tal movimento suscetível a sanções contratuais previstas”, afirma o Executivo Municipal em resposta enviada ao Correio do Estado.
Porém, em mais uma guerra de narrativas, o Consórcio Guaicurus informou que o valor da dívida a curto prazo do poder público é de R$ 13,2 milhões, o que corresponde a pouco mais de um terço do repasse total. Também, a empresa disse que R$ 7.215.313,96 desse montante “representam apenas a quantia mais recente e urgente da dívida pendente”.
*SAIBA
Os motoristas de ônibus fazem amanhã assembleia para decidirem detalhes sobre a greve, incluindo a data. Conforme dito pelo presidente do sindicato, há risco de os ônibus não circularem na segunda-feira.
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