Morto durante um confronto na Terra Indígena Ñanderu Marangatu na madrugada da última quarta-feira (18), no município de Antônio João, o indígena Guarani Kaiowá Neri Ramos da Silva, de 23 anos, tinha diversas passagens pela polícia por roubo e latrocínio, segundo informações do Batalhão de Choque.
Uma dessas ocorrências teria sido em 2015, no próprio município de Antônio João, quando a vítima de latrocinio foi morta com um tiro na cabeça, segundo a PM.
Sobre o conflito que terminou com a morte do indígena na quarta-feira, o Choque informou que equipes foram acionadas na Terra Indígena Ñanderu Marangatu, localizada na Fazenda Barra, na região de fronteira com o Paraguai, com denúncia de que havia um confronto na região.
Em nota divulgada nas redes sociais, o Choque afirma que, na tentativa de dispersar o tumulto, um dos indígenas que estava escondido na vegetação atirou em direção às forças de segurança e atingiu o escudo protetor da tropa de um dos policiais.
Os agentes de segurança reagiram e atiraram em direção a mata, atingindo o indígena na cabeça.
Ainda segundo o Batalhão de Choque, durante a confecção do boletim de ocorrência, foi constatado que o indígena Neri tinha as passagens pela polícia.
O corpo do indígena Guarani Kaiowá foi encaminhado ao IML (Instituto Médico Legal), onde será periciado por peritos federais que vieram de Brasília para investigar o caso.
Vale lembrar que a mais recente escalada de violência contra os povos originários de Mato Grosso do Sul começou no último dia 12, quando os indígenas realizaram uma ação para retomar a propriedade onde hoje está localizada a Fazenda Barra. Na ocasião, três pessoas ficaram feridas, como o Correio do Estado acompanhou.
Ministério pede afastamento do PM que matou indígena
Em ligação por telefone com o governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, a ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sônia Guajajara, pediu que o policial que atirou no indígena Nery Ramos seja imediatamente afastado e responsabilizado pela conduta inadmissível e violenta que resultou na morte do indígena.
De acordo com a nota, a pasta enviou um ofício à Polícia Federal solicitando uma investigação imediata e a realização de perícias sobre a atuação da PM do estado, que já está envolvida no caso. Além disso, acionou o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União para que todas as providências legais sejam adotadas."
"Na última sexta-feira (13), quando tomou conhecimento de ações truculentas perpetradas pela PM contra os indígenas - que deixou 3 pessoas feridas, uma delas por munição letal -, o MPI acionou imediatamente a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP) de MS para garantir a apuração dos fatos e devida responsabilização dos agentes, alertando ainda sobre o fato de inexistir ordem de reintegração de posse para a área", diz nota.
Logo depois, a SEJUSP publicou uma nota em seu site ressaltando que não havia qualquer determinação para a desocupação da área com uso de força.
“A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul (Sejusp) esclarece que não existe qualquer ordem de reintegração de posse sendo cumprida, tampouco preparativos”, afirma a Sejusp.
O MPI afirma que, mesmo assim, os policiais militares continuaram com a mesma linha de atuação, agredindo os indígenas com tiros e pontapés, conforme relatos, e ateando fogo em barracos, apesar da presença de servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no território.
"A despeito da inexistência de determinação de reintegração de posse, a Tropa de Choque e o Departamento de Operações de Fronteira foram mobilizados, intimidando os indígenas e culminando na investida violenta realizada hoje, com a morte do jovem indígena, com sinais de execução", aponta o MPI.
Ainda na sexta-feira, um representante do Ministério se deslocou para o município de Antônio João para averiguar a denúncia de ataque na Terra Indígena Ñanderu Marangatu.
TI homologada
A Terra Indígena Ñanderu Marangatu foi declarada para posse e usufruto exclusivo e permanente do povo Guarani Kaiowá por meio da Portaria nº 1.456, de 30 de outubro de 2002, e homologada pelo Decreto Presidencial de 28 de março de 2005. O processo demarcatório está judicializado, o que acirra o conflito na região.
A área havia sido retomada pelos Guarani Kaiowá na quinta-feira passada (12).
Conflito
Nery foi morto durante ação acompanhada por forças policiais sul-mato-grossenses, sendo que desde o primeiro momento já era apontado para uma possível execução, já que o tiro fatal teria atingido a região da nuca do Guarani Kaiowá.
Diante da violência, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) inclusive emitiu nota, com pedido de afastamento imediato do Policial Militar responsável pelo disparo, acionando inclusive Polícia e Ministério Público Federal, bem como Defensoria Pública da União.
Importante ressaltar, também, que os agentes da Força Nacional não estavam na Terra Indígena, uma vez que foram destacados apenas para acompanhar membros da Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), de Ponta Porã.
Ou seja, baseados no município de Douradina, no Mato Grosso do Sul, estavam distantes cerca de 182 km de onde aconteceu o conflito que vitimou Nery Ramos da Silva Guarani Kaiowá.
Assassinado aos 23 anos, Neri Ramos da Silva Kaiowá deixa um bebê de 11 meses, somando-se a outros três nomes mortos desde a década de 80 nessa mesma Terra Indígena de Antônio João, sendo:
- 1983 | Marçal de Souza: morto em casa com 5 tiros, na Aldeia Campestre
- 2005 | Dorvalino Rocha: morto com 2 tiros por segurança privado de fazendas da região.
- 2015 | Simião Vilhalva: morto com tiro na cabeça durante conflito por terras
Briga pela terra
À espera de uma resposta há praticamente 20 anos, a derrubada da homologação em 2005 da Terra Indígena contou com apoio da atual dona da fazenda em que Nery foi morto, segundo informações da Mobilização Nacional dos Povos Indígenas.
Roseli Ruiz é dona da fazenda que, atualmente, conta com proteção da Polícia Militar por meio de rondas, além de um pelotão designado para proteção dos proprietários e funcionários da propriedade.
A decisão sob a qual a polícia age foi inclusive estendida, para que as forças policiais garantam o "ir e vir" dos funcionários e "proprietários" da fazenda, desde a rodovia até a sede, num percurso de mais de 10 quilômetros.
A família Ruiz, como ressalta a Mobilização Nacional Indígena, esteve envolvida na ação de fazendeiros que, em 2015, vitimou o indígena Simeão Vilhalva, que foi baleado na cabeça em dezembro de 2015.
Com diploma em antrologia, Roseli foi indicada pelos partidos Liberal (PL) e Republicanos, como uma "especialista" para - participar da audiência de conciliação no Supremo Tribunal Federal, marcada para o próximo dia 23, sobre a constitucionalidade do marco temporal.
Inclusive, a advogada ruralista Luana Ruiz - filha de Roseli Ruiz e Pio Queiroz Silva, proprietários da Fazenda Barra -, como destaca o Conselho Indigenista, atua na assessoria especial da Casa Civil de Mato Grosso do Sul.
Segundo apuração do Cimi, a advogada atuou na ação deferida pela Justiça Federal de Ponta Porã, em busca da proteção da Fazenda Barra, através da decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3)
Agora, os indígenas pedem revogação dessa decisão que, segundo os indígenas, "ampara, ilegitimamente, a presença violenta da Polícia Militar no território homologado".
**(Colaboraram Alanis Netto, Leo Ribeiro e Daiany Albuquerque)