A recente edição da Instrução Normativa nº 188/2025 do INSS trouxe à tona um debate delicado: o reconhecimento do tempo de trabalho infantil como parte da contagem para aposentadoria.
A medida foi determinada após decisão judicial neste ano e, embora tenha gerado dúvidas quanto a uma possível naturalização da prática, pode ser vista como uma “correção histórica”.
De acordo com a procuradora regional do Trabalho, Simone Beatriz Assis de Rezende, titular da Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) do MPT-MS, ouvida pelo Correio do Estado, a mudança tem como objetivo reparar a exclusão previdenciária enfrentada por pessoas que foram vítimas de exploração infantil.
“A Instrução Normativa n. 188, editada diante de uma decisão proferida em ação civil pública, corrige uma injustiça, pois crianças e adolescentes vítimas de trabalho infantil eram duplamente penalizadas, ou seja, além de serem exploradas, ainda não contavam com a proteção previdenciária.”
A procuradora explica que a Constituição Federal de 1988 segue proibindo o trabalho de menores de 16 anos, com exceção do contrato de aprendizagem a partir dos 14. Essa regra continua válida, e inclusive está citada na nova redação do art. 216, inciso IX, da Instrução Normativa PRES/INSS nº 128, de 28 de março de 2022.
“O motivo para se erradicar o trabalho infantil vai muito além da proibição legal, pois é sabido que compromete a integridade física, emocional, psíquica, além de outros prejuízos à vítima.”
Reconhecimento precisa de provas
Questionada sobre possíveis riscos de fraude com a nova regra, a procuradora reconhece a possibilidade, mas pondera que a exigência de comprovação reduz esse perigo.
“Para se ter direito à contagem de tempo de serviço, deve ser provado o trabalho infantil, assim como em outros casos. Risco de fraude sempre há, mas a nova disposição corrige a distorção, por exemplo, de casos de reconhecimento de vínculo de trabalho pela Justiça do Trabalho ou por constatação do trabalho infantil pela Auditoria Fiscal do Trabalho, sem a devida contagem do tempo para fins previdenciários.”
Também foi descartada a possibilidade de que a medida incentive novas ocorrências de exploração. Segundo ela, o empregador continuará sendo responsabilizado e processado caso seja denunciado pelo uso de mão de obra infantil.
“Não acredito que vá incentivar o trabalho infantil, pois o empregador/explorador, além das contribuições previdenciárias, ainda ficará sujeito a outras obrigações e sanções, podendo inclusive ser processado diante da proibição legal.”
Atuação do MPT
A procuradora destacou que o Ministério Público do Trabalho segue atuando firmemente no combate ao trabalho infantil. O papel da instituição inclui tanto medidas administrativas quanto ações judiciais.
“Uma das missões do Ministério Público do Trabalho é a erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente, garantindo-lhes o direito ao desenvolvimento pleno. A vigilância, combate e o acompanhamento dos casos de trabalho infantil pode se dar tanto administrativa como judicialmente, quando for o caso.”
Apesar dos compromissos assumidos pelo país no cenário internacional, a procuradora avalia que o Brasil está longe de atingir os objetivos estabelecidos para a erradicação da prática.
“O Brasil assumiu o compromisso de erradicar o trabalho infantil em 2025, de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 e da Meta 8.7, o que claramente não irá acontecer. Pode-se dizer que houve avanços, mas muito aquém do esperado, e a edição da Instrução Normativa n.188/2025 comprova isso, pois, apesar da proibição legal, há que considerar a realidade, qual seja, a existência de crianças e adolescentes, abaixo da idade mínima permitida, trabalhando", afirma
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua 2023) do IBGE, o Brasil registrou 1,607 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade em situação de trabalho infantil em 2023.
O levantamento também apontou que o Brasil tinha 586 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade exercendo as piores formas de trabalho infantil em 2023.
Meta 8.7
A Meta 8.7 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) prevê que o trabalho infantil em todas as suas formas seria erradicado até o ano de 2025. A eliminação efetiva do trabalho infantil é ainda um dos cinco Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo os dados mais recentes da OIT e do UNICEF, cerca de 160 milhões de crianças e adolescentes, sendo 63 milhões de meninas e 97 milhões de meninos, estavam em situação de trabalho infantil no início de 2020. Dessas, 79 milhões estavam envolvidas em atividades perigosas que colocam em risco sua saúde, segurança e desenvolvimento moral.
Mesmo com os avanços no combate a essa violação de direitos (são 86 milhões de crianças a menos em situação de trabalho infantil do que em 2000), os países não cumpriram o compromisso coletivo de acabar com essa prática até o ano 2025.
Para a procuradora, atitudes importantes, por parte de toda a sociedade, para o enfrentamento do trabalho infantil são: não dar esmolas e não comprar nada de crianças; conscientização de empregadores e consumidores; apoio à causa, organizações e entidades que combatem a prática; mobilização da Rede de Proteção; e a denúncia de casos.
Trabalho Infantil
O trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida que, no Brasil, é 16 anos completos e 14 anos na condição de menor aprendiz.
Se o trabalho for noturno, perigoso, insalubre ou atividades listadas na lista TIP (piores formas de trabalho infantil), a proibição vale até os 18 anos incompletos.
Assim, a proibição do trabalho infantil no País varia de acordo com a idade e o tipo de atividade ou condições onde ele esteja inserido.
- até 13 anos proibição total;
- entre 14 a 16 anos Admite-se somente na condição de aprendiz;
- entre 16 e 17 anos permissão parcial. São proibidas as atividades noturnas, insalubres, perigosas e penosas, nelas incluídas as 93 atividades relacionadas no Decreto n° 6.481/2008 (lista das piores formas de trabalho infantil), já que tais atividades são prejudiciais à formação intelectual, psicológica, social e moral do adolescente.
Denuncie ao MPT
Todo cidadão que presenciar alguma forma de trabalho infantil proibido pode denunciar ao MPT acessando o site www.prt24.mpt.mp.br/servicos/denuncias ou denunciar pelo MPT Pardal, aplicativo do MPT voltado para denúncias disponível para Android e IOS.


