A economia brasileira perdeu o ritmo de crescimento às vésperas da eleição. O ambiente pode comprometer o ânimo dos candidatos para defender reformas, que levam a ajuste considerados mais duros, e ainda abrir espaço para discursos populistas que pregam saídas fáceis para a complexa crise na qual o país se encontra, avaliam economistas.
Dados divulgados nesta sexta-feira (31) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que a atividade está girando em um ritmo baixo desde meados do ano passado. No segundo trimestre, drenado pelos 11 dias de greve dos caminhoneiros, o PIB cresceu apenas 0,2% em relação ao número já fraco do primeiro trimestre (0,1%).
Nas próximas semanas até o início de outubro, a expectativa de economistas é que haja alguma melhora na atividade. Mas insuficiente para afetar a sensação de estagnação.
"Vamos ficar girando em torno desse patamar baixo de crescimento, não vamos acelerar, nem descer a ladeira, vamos ficar por aí", afirma Silvia Matos, economista do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) .
Ela diz fazer parte do grupo de economistas otimistas, que esperam um crescimento ao redor de 1,5% neste ano. Com os números divulgados, as revisões de baixa nas projeções (ao redor de 1,47%) deverão acelerar.
No segundo trimestre, a greve dos caminhoneiros drenou a atividade de setores relevantes, como a indústria, e abateu o investimento, que caiu 1,8% ante o resultado do primeiro trimestre.
Para além dos dias parados, economistas observam que a reação do governo, cedendo aos grupos grevistas com mais gastos públicos em meio a uma grave crise fiscal, adicionou incertezas ao futuro.
Somada à indefinição eleitoral, o efeito é um clima de "esperar para ver" em boa parte do setor produtivo.
A principal dúvida é se o presidente eleito será capaz de conduzir reformas econômicas necessárias para dar sustentabilidade às contas do governo sem que seja necessário um forte aumento de impostos.
Já entre as famílias, os números do mercado de trabalho têm mais apelo do que os do PIB, apostam os analistas. Na quinta-feira (30), o IBGE mostrou que 12,9 milhões de pessoas seguem desempregadas e que um recorde de 4,8 milhões sofriam de desalento entre maio e julho –ou seja, desistiram de procurar trabalho.
"O povão não está nem aí para as reformas. A previdência não chama tanto a atenção deles quanto a segurança pública, por exemplo", afirma Murillo de Aragão, da consultoria política Arko Advice.
Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, afirma que, neste contexto de crescimento fraco, outras pautas ganham destaque, e reformas econômicas positivas, como as feitas durante a gestão de Michel Temer, perdem relevância na retórica política.
"A economia teria que estar bombando para as pessoas esquecerem os casos de corrupção, como o envolvimento de Temer com Joesley Batista", afirma.
Para Juan Jensen, professor do Insper e sócio da consultoria 4E, o eleitor é mais sensível ao emprego e ao salário.
"A renda está caindo e as classes de rendimento mais baixo estão sofrendo, com a queda do valor real do salário mínimo. Não é um bom cenário para o consumidor, distante do verificado nos anos Lula", diz Juan Jensen.
No segundo trimestre, o que se viu foi o efeito negativo do repique inflacionário da greve dos caminhoneiro negativamente sobre o consumo -a conta oscilou 0,1% após ter crescido 0,4% nos três primeiros meses do ano.
Zeina afirma que, se estivéssemos crescendo mais, a greve não teria feito tanto estrago, e o dólar não teria subido com tamanha velocidade, na esteira da incerteza criada pela paralisação e pelo cenário externo mais conturbado.
"Esse é o problema de se crescer pouco, há mais vulnerabilidade a choques adversos, como uma greve ou uma quebra de safra, por exemplo", disse.
Ela e Silvia Matos observam que o risco de uma economia estagnada durante a campanha eleitoral é dar força a discursos extremistas ou de cunho populista, com soluções fáceis para problemas complexos na economia.
"Se o próximo presidente entender a missão que tem pela frente e tiver a capacidade política de fazer as reformas, vamos nos surpreender com a capacidade de crescimento rápido da economia", afirmou Zeina.
Segundo o analista Thiago Xavier, da consultoria Tendências, mais do que a economia real, o que vale na campanha é a interpretação do momento econômico.
Se o país estivesse indo bem, disse, talvez candidatos mais alinhados com a política econômica do governo de Michel Temer fariam o uso político desse discurso. Com o marasmo, é provável que os candidatos busquem identificar o "pai da crise".
"Se estivéssemos com dinâmica econômica diferente, a discussão seria não quem colocou o país na crise, mas quem o tirou dela", disse.
Queda da construção puxa retração de 1,8% dos investimentos
São Paulo, Rio de Janeiro e Franca (SP)"O recuo da construção contaminou os números da indústria e também os dos investimentos, que responde por mais da metade desse item dentro do cálculo do PIB. Assim, depois de quatro trimestres seguidos no positivo, o investimento voltou a cair de abril a junho deste ano.
O IBGE informou que o investimento caiu 1,8% no segundo trimestre, em comparação com os primeiros três meses do ano. Em relação ao mesmo período do ano passado, quando o país começava a sair da recessão, houve uma alta de 3,7%, em razão da baixa base de comparação.
O investimento é uma variável volátil, pois depende da disposição do empresário e de sua confiança no futuro.
A greve dos caminhoneiros, porém, derrubou os indicadores de confiança tanto de empresários quanto de consumidores. Em julho, houve até uma leve melhora, mas o baque teve efeito determinante no potencial de crescimento da economia brasileira neste ano, segundo os economistas Aloísio Campelo e Viviane Seda, do Ibre/FGV, afetando investimentos e de contratações.
Um dos retratos da retração da indústria está em Franca (a 400 km de São Paulo). Denominada capital nacional do calçado, o município viu as vagas nessa indústria cair de 30 mil há cinco anos para 19.727 em julho. É o pior quadro para o mês desde 2002. Só entre maio e julho, foram fechadas 1.302 vagas.
A produção das indústrias, desde então, também só despenca: dos 39,5 milhões de pares fabricados em 2013, a previsão é que neste ano sejam feitos apenas 28 milhões.
A empresa de Téti Brigagão, diretor das marcas Sândalo/Clave de Fá, chegou a produzir 600 pares de calçados por dia, mas agora tem feito 400, dos quais 20% para exportação.
"Não tem como tapar o sol com peneira. Estaríamos nadando em braçadas maiores se a economia ajudasse", disse ele, cuja família foi uma das primeiras a exportar para os EUA, nos anos 70.
A fábrica de Téti não consegue manter o quadro ideal de funcionários. Emprega cem de dezembro a maio, quando há mais pedidos. No resto do ano, são apenas 80.
Psicóloga e coordenadora de RH da Agiliza, empresa que atua no recrutamento e seleção, Rosângela Baldini Silva disse que em 19 anos na atividade nunca viu um cenário tão ruim. Recebe de 60 a 70 currículos por dia, ao menos 80% para o setor que não tem vagas.