O projeto de lei antifacção, apresentado pelo deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), pode reduzir o protagonismo do governo federal e enfraquecer o papel de ministérios públicos e polícias estaduais nas investigações sobre o crime organizado.
É o que apontam especialistas e autoridades da segurança pública, que também alertam para brechas que podem levar à criminalização de movimentos sociais e à confusão entre os conceitos de facção criminosa e terrorismo.
A proposta relatada por Derrite altera o texto original do Ministério da Justiça e Segurança Pública, enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim de outubro ao Congresso em regime de urgência.
O texto do governo criava a figura jurídica da “facção criminosa”, atualizava a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013) e previa medidas como o fortalecimento das investigações, a criação de um banco nacional de dados sobre facções, o bloqueio de bens e operações financeiras e o monitoramento da comunicação entre integrantes desses grupos.
Derrite, ex-secretário de Segurança Pública do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, endureceu a proposta. No parecer, defendeu a inclusão de novos dispositivos na Lei Antiterrorismo, com penas que podem chegar a 40 anos de prisão, ou até 65 anos para líderes de facções, e sem possibilidade de anistia, graça, indulto, fiança ou liberdade condicional. Segundo ele, “é preciso legislação de guerra em tempos de paz”.
A mudança provocou reação imediata da base governista, que criticou a escolha do relator e apontou motivação política na decisão. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que buscará diálogo entre as bancadas.
Para especialistas, contudo, o principal risco é jurídico e institucional. O procurador da República e doutor em direito Vladimir Aras considera problemática a inclusão de facções na Lei Antiterrorismo, que atualmente trata apenas de atos motivados por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. “Misturar crime organizado com terrorismo pode gerar incertezas sobre a competência de investigações e aumentar o risco de nulidades processuais”, afirmou.
O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que há mais de 20 anos atua no combate ao PCC e participou da elaboração do texto original, alerta que o substitutivo esvazia a experiência acumulada nos estados.
“Na prática, todas as mais de 80 facções do país passariam a ser tratadas como organizações terroristas. Isso neutralizaria o trabalho dos Gaecos e transformaria as polícias estaduais em forças auxiliares das investigações federais”, avaliou.
O texto do Ministério da Justiça previa também o endurecimento de penas para crimes cometidos por ordem ou em benefício de facções criminosas,de 8 a 15 anos de prisão, punições maiores em casos de homicídios e mecanismos para confisco de bens e responsabilização de agentes públicos ligados a esses grupos. Já o substitutivo apresentado na Câmara será votado em regime de urgência nesta terça-feira (11).
A expectativa é de que o debate se intensifique entre o Planalto e o Legislativo, diante da preocupação de que o projeto, ao endurecer o combate às facções, acabe por desequilibrar a coordenação entre os entes federativos e criar insegurança jurídica na aplicação das novas regras.
*Com informações do O Globo
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