Na última quinta-feira, a procuradora Carla Fleury de Souza, do MP-GO (Ministério Público do Estado de Goiás) viralizou nas redes sociais ao reclamar do salário de R$ 35 mil e ao afirmar que tem dó dos promotores em início de carreira por causa da baixa remuneração, de R$ 28 mil. Porém, a procuradora certamente não teria motivos para ter dó dos colegas de MS. No mês passado, por exemplo, 57 deles receberam acima de R$ 100 mil. O menor salário do mês por aqui foi de R$ 57,8 mil.
Além disso, a maior parte deles receberam ainda entre oito e nove mil reais relativos a verbas indenizatórias de anos anteriores. Somando-se esse valor, pelo menos 80 dos 224 procuradores e promotores da ativa de Mato Grosso do Sul tiveram rendimento bruto superior a cem mil reais no pagamento que receberam no começo de maio.
Pelo menos quatro deles receberam pouco mais de 134 mil reais como rendimento bruto no começo de maio. Somando-se verba de anos anteriores, três deles chegaram perto de R$ 145 mil.
A renda líquida, porém, foi um pouco menor. O campeão de renda líquida, sem incluir valores referentes a anos anteriores, é um promotor de segunda entrância, que embolsou R$ 123.439,89.
Os dados estão disponíveis no site do próprio Ministério Público Estadual, que publica as verbas de anos anteriores numa tabela separada. E, quando são somadas as duas tabelas, o campeão de vencimentos líquidos do mês passado foi um procurador, que já está no topo da carreira, com R$ 125.795,52.
E, se a procuradora de Goiás trabalhasse do lado de cá do Rio Aporé, certamente não precisaria reclamar que seu rendimento, que em média é de R$ 39 mil. Em audiência de com demais procuradores reclamou que “meu dinheiro é só para eu fazer minhas vaidades, graças a Deus. Só para os meus brincos, as minhas pulseiras e os meus sapatos”, enfatizando que é grata a Deus por ter um marido que banca as demais despesas de sua casa.
Uma das colegas dela de Mato Grosso do Sul certamente deve estar mais satisfeita. Embora também tenha a sorte de ser esposa de um bem-sucedido arquiteto, no mês passado foram depositados em sua conta bancária R$ 124.098,12, já descontado o imposto de renda. Ela foi a vice-campeã em rendimento líquido no pagamento relativo a abril deste ano.
Ela, assim como os outros três campeões de rendimentos do mês passado receberam um pouco a mais do que o restante dos colegas por conta da indenização de férias, de quase oito mil reais, que é pega duas vezes por ano.
Contudo, a explicação principal para os gordos salários são as chamadas verbas indenizatórias. O felizardo que embolsou R$ 125,79 mil no mês passado, por exemplo, recebeu R$ 3,7 mil de auxílio alimentação, outros R$ 5,6 mil de assistência médica, mais R$ 3,5 mil de auxílio transporte (suficiente para rodar sete mil quilômetros de carro), R$ 7,8 de indenização de férias, invejáveis R$ 37,5 mil de compensação de plantões e, por fim, R$ 12,5 mil por uma rubrica identificada apenas como cumulação.
E a vantagem é que sobre esses chamados penduricalhos não incide o desconto do imposto de renda. No caso deste procurador, a Receita Federal mordeu apenas R$ 8.865,00 no mês passado. Se fosse um trabalhador com carteira assinada da iniciativa privada cujo holerite fosse de quase R$ 145 mil, a mordida do leão estaria na casa dos R$ 30 mil.
Com salário-base dos promotores e procuradores da ativa, que varia de R$ 33,9 a R$ 37,6 mil, o MPE gastou R$ 7,76 milhões no mês passado. As verbas indenizatórias, por sua vez, consumiram mais que isso, chegando a R$ 9,16 milhões dos R$ 585 milhões que a institução deve custar aos bolsos dos contribuintes de Mato Grosso do Sul em 2023.
PRIMOS POBRES
Além de afirmar que gasta seus “míseros” R$ 35 mil com futilidades, a procuradora de Goiás se compadeceu dos colegas novatos. “Uma coisa eu falo: eu tenho dó dos promotores que estão iniciando a carreira, os promotores que têm filhos na escola, porque hoje o custo de vida é muito caro”, declarou. Lá, o salário inicial é de R$ 28 mil.
Aqui em MS o valor é bem parecido. Conforme o edital do concurso mais recente, o salário inicial é de R$ 27,3 mil. Porém, o site do próprio MPE deixa claro que o menor salário do mês passado foi mais que o dobro disso, chegando a R$ 57.795,00, sem os descontos. No mês anterior, porém, essa “prima pobre” da categoria e que trabalha em Naviraí, recebeu quase R$ 69 mil, evidenciando que existe grande variação de salários de um mês para outro.
Se for levado em consideração o menor salário líquido, o pagamento foi de R$ 45.011,57, depositados na conta de um promotor de segunda entrância, que trabalha em Coxim. Sem considerar a verba relativa a anos anteriores, o renda líquida média dos membros do MPE foi de R$ 70,6 mil em abril, o que é exatamente o dobro dos R$ 35 mil que provocaram a desabafo da procuradora de Goiás.
Entre os “primos pobres” da categoria também podem ser enquadrados os cerca de 65 aposentados, que recebem “apenas” entre R$ 40 e 50 mil, além de verbas relativas a anos anteriores, de R$ 9 mil, que está sendo repassada a boa parcela deles.
E esta queda nos rendimentos possivelmente é a explicação para que pelo menos 34 integrantes da ativa estejam adiando a aposentadoria. Além de terem direito aos chamados penduricalhos, garantem mais R$ 5,2 mil, em sua maioria, como abono de permanência.
Dos 38 promotores que alcançaram o topo da carreira, pelo menos 23 recebem abono de permanência, indicando que já poderiam estar aposentados mas preferem continuar na ativa por conta dos rendimentos, que caem pela metade, mas mesmo assim seriam maiores que os da colega goiana que está na ativa e que tem o privilégio de gastar tudo com "brincos, pulseiras e sapatos".


