Endividado com bancos e em colapso financeiro há meses, a Santa Casa pegou novo empréstimo para pagar uma das cinco folhas salariais atrasadas com os 400 médicos, mas ainda continua com débito de cerca de R$ 30 milhões com os profissionais da saúde.
Em conversa com a reportagem, João Carlos Marchezan, diretor de Negócios e Relações Institucionais da Santa Casa, afirmou que a instituição precisou ir ao banco pegar uma quantia emprestada para pagar parcialmente o valor atrasado dos médicos.
“A gente precisa também entender o lado dos médicos. Que não é porque são médicos que eles vão trabalhar de graça. Tinha médicos aqui com muita dificuldade, tem médicos que dependem muito aqui do hospital. Então o hospital foi ao banco pegar um dinheiro para pagar uma folha [salarial] para eles. Médico não tem culpa da crise que está instalada”, disse o representante do complexo hospitalar, sem citar o valor, porém, como a folha quitada foi de R$ 7,5 milhões o valor deve girar em torno disso.
O diretor evitou dar uma previsão de quando será quitada toda a dívida com a classe, afirmando que isso depende de “conversas para a gente realinhar o contrato”.
O Correio do Estado também entrou em contato com o presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul (SinMed-MS), Marcelo Santana, que confirmou que um dos meses foi realmente depositado, mas ainda com congruência de qual folha teria sido paga.
“Para alguns foi pago metade de maio, para outros metade de junho e não foi pago maio. Então, está uma confusão de folha ainda, mas se for avaliar, foi pago a competência de um mês, o restante ainda não”, explicou o médico.
Em matéria publicada na semana passada, foi divulgado que os profissionais afetados são da categoria Pessoa Jurídica (PJ) e somam quase 400 médicos.
Em valores, o montante de pagamento é de R$ 7,5 milhões por mês, o que resulta em uma dívida total que ultrapassa os R$ 37,5 milhões, porém 20% deste total foi pago com o novo empréstimo.
HISTÓRICO PESADO
Segundo a prestação de contas de 2024, divulgado em maio deste ano, o hospital ainda teria que pagar R$ 256.916.856,00 por causa de empréstimos e financiamentos, desses R$ 16.141.304,00 em circulantes (12 meses, considerado curto prazo no mundo financeiro) e R$ 240.775.552,00 em não circulantes (longo prazo).
Nos últimos seis anos, os empréstimos da Santa Casa totalizaram R$ 321,2 milhões. O maior deles foi feito em janeiro de 2024, quando a entidade pegou R$ 248 milhões na Caixa Econômica Federal (com taxa de juros mensal de 1,36%), quantia que foi utilizada para amortizar outros dois empréstimos que foram feitos anteriormente.
Porém, a última anunciada oficialmente pelo hospital foi realizada um mês depois, em fevereiro do ano passado, quando pegou R$ 8 milhões com o banco Daycoval – com juros mensal de 1,56% –, empréstimo com prazo de quitação em até cinco anos (60 meses).
De acordo com os fluxos de caixa mensais publicados pela entidade, de janeiro a setembro foram pagos R$ 33.928.257,99 de empréstimos e financiamentos, o que seria somente os juros cobrados pelos bancos, dos quais todos são entre 1,21% e 2,93% de taxa por mês.
COLAPSO
O salário atrasado dos médicos é apenas a “ponta do iceberg” de uma crise financeira que vem atingindo a Santa Casa há meses.
A instituição alega que o repasse mensal atual realizado pelo poder público está desproporcional em relação às despesas operacionais da estrutura, o que já resultou na suspensão do atendimento de 15 serviços menos essenciais à população.
Além disso, o hospital afirma que o valor do contrato não é reajustado desde agosto de 2023.
Hoje, o repasse municipal e estadual somados estão na ordem de R$ 32,7 milhões, porém, a instituição pede a correção deste valor para R$ 45,9 milhões, um aumento de aproximadamente 40,37%, com a recomposição retroativa referente aos últimos dois anos sem reajuste.
Diante do caos financeiro, a Santa Casa foi à Justiça pedir que o contrato fosse renovado com o reajuste, e ficou determinado um prazo de 30 dias para que a organização filantrópica, a prefeitura e o governo do Estado entrem em comum acordo, ou seja, até sexta-feira.
Porém, conforme anunciou o hospital até a semana passada, o poder público ainda não buscou os diretores da instituição para iniciar as tratativas.
Em resposta, os Executivos municipal e estadual disseram que foi criado um Grupo de Trabalho Interinstitucional que terá a função de analisar técnica, jurídica e administrativamente o convênio.
Este grupo é formado por servidores da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) e da Secretaria de Estado de Saúde (SES), além da possibilidade de convidar técnicos, especialistas e representantes de outros órgãos para subsidiar os estudos.
Ainda na nota enviada à reportagem, “o relatório conclusivo com as propostas deverá ser apresentado aos secretários signatários no prazo de até 20 dias, prorrogável por igual período mediante justificativa”.
Para o Superintendente Estadual do Ministério da Saúde no Mato Grosso do Sul, Ronaldo de Souza Costa, os valores atuais recebidos pela Santa Casa deveriam “dar conta” das despesas mensais do hospital, afirmando que “os recursos transferidos mensalmente são bastante significativos”.
*SAIBA
O atraso nos pagamentos tem afetado os atendimentos nas áreas de cirurgia cardíaca, pediátrica, vascular, plástica, urologia, anestesia, ortopedia, radiologia e anestesia. No entanto, pacientes para atendimento nas áreas de urgência e emergência são atendidos normalmente.


