A liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo Banco Central nesta semana, mobilizou servidores públicos de Campo Grande e de Mato Grosso do Sul que têm empréstimos e operações de crédito consignado vinculadas à instituição.
Em uma publicação do Instagram, a Federação dos Servidores Públicos do Mato Grosso do Sul (Feserp/MS) confirmou que protocolou requerimento na Secretaria de Estado de Administração (SAD), solicitando que o governo estadual suspenda, de forma preventiva, todos os descontos de consignados relacionados ao Banco Master. A entidade afirma que, com o banco em liquidação, não há segurança jurídica para que o salário do servidor continue sendo usado como canal automático de cobrança.
A Feserp reforça que a medida não perdoa dívidas, mas protege a remuneração dos trabalhadores e a estabilidade financeira dos regimes próprios de previdência do Estado, que também podem enfrentar impactos diante da situação da instituição bancária.
No âmbito municipal, o movimento também avançou e representantes da categoria confirmam que um requerimento será protocolado na Prefeitura de Campo Grande na próxima semana, pedindo a suspensão dos descontos em folha relacionados ao Banco Master.
A medida atende à demanda de servidores que relatam problemas com o chamado "credcesta", que nada mais é que um cartão de crédito com juros mensais de pelo menos 4,5% ao mês, o Município reajustou no ano passado a margem de empréstimos consignados em 15%.
Com isso, houve uma enxurrada de agentes financeiros oferecendo empréstimos a servidores negativados. Os juros e o status de cartão de crédito eram omitidos. A venda era de um empréstimo consignado, embora o dinheiro vivo que os servidores sacavam nada mais fosse que o limite do próprio cartão.
Para piorar, o desconto consignado em folha é apenas do pagamento mínimo, o que coloca o servidor em crédito rotativo, fazendo sua dívida disparar.
Nos bastidores, a avaliação entre profissionais da área jurídica é de que a suspensão administrativa pode encontrar obstáculos, já que a Prefeitura mantém contrato de consignação com o Banco Master. Nesses casos, uma interrupção unilateral poderia exigir respaldo judicial. Ainda assim, servidores articulam para que o Município adote uma solução semelhante à solicitada ao Governo do Estado, priorizando a proteção da renda dos trabalhadores enquanto o banco permanece em liquidação.
Denúncia
O Correio do Estado chegou a denunciar a armadilha à qual os servidores do município estavam sendo submetidos em julho do ano passado. A reportagem foi anexada no processo de uma agente comunitária de saúde R. E. S. A., que tem um salário de R$ 3.703,67, mas vinha tendo descontos de R$ 3.157,35, sobrando apenas R$ 546 de seu pagamento à sua disposição.
A maior parte do valor retido pela prefeitura do salário da servidora é pelo Banco Master, que no ano passado, com apoio do próprio Município, ofereceu o produto Credcesta a seus servidores, que não passava de um cartão de crédito comum, cujos descontos poderiam ser feitos diretamente na folha do servidor, mediante juros abusivos.
Agora, a servidora está com uma dívida crescente, mesmo depois de a prefeitura ter tornado sem efeito, em maio do ano passado, o convênio firmado em maio de 2023.
Mesmo sem poder utilizar o cartão, a servidora tem descontados todos os meses R$ 385 pelo Banco Master. A dívida desta servidora ainda é baixa diante de outros casos, como o de um servidor que viu uma dívida de R$ 20 mil saltar para mais de R$ 100 mil.
Porém, ela pede a suspensão unilateral do contrato com o Banco Master e o fim do recolhimento pela Prefeitura de Campo Grande, por ultrapassar a margem consignada permitida por lei. Ainda não houve decisão.
Assim como essa agente de saúde, outra servidora pública, I. V. S. L., também tem uma dívida crescente, mas apenas atendeu o vendedor e nunca sequer utilizou o cartão. Mesmo sem ter feito saque algum ou qualquer compra, ela tem descontados todos os meses, pelo Banco Master, R$ 265.
Apesar da liquidação do banco, tecnicamente as dívidas impagáveis permanecem. A obrigação desses servidores continua, a não ser que consigam sair na Justiça da armadilha a que foram submetidos.
O fato
A liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo Banco Central, interrompe o funcionamento da instituição e organiza sua retirada do Sistema Financeiro Nacional. A medida deve resultar em prejuízos milionários a três fundos de pensão de prefeituras de Mato Grosso do Sul. O IMPCG possui R$ 1,4 milhão aplicados em letras financeiras da instituição. Reportagem publicada pelo Estadão revelou que os fundos de Angélica e São Gabriel do Oeste também investiram no Master: R$ 2 milhões e R$ 3 milhões, respectivamente.
Alertas sobre a possibilidade de calote já haviam sido noticiados pelo Correio do Estado em reportagens de abril e agosto do ano passado. De acordo com as publicações, servidores municipais da Capital não concordavam com a decisão de aplicar recursos previdenciários no banco.
Em nota enviada ao Correio do Estado, a Prefeitura de Campo Grande afirmou que todas as aplicações financeiras do IMPCG seguem rigorosamente a Resolução CMN nº 4.963/2021, que regulamenta os investimentos dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).
A administração municipal também destacou que o Banco Master constava, na época da aplicação, na lista oficial de instituições autorizadas pelo Ministério da Previdência Social a receber recursos previdenciários. O município explicou ainda que o investimento foi feito por meio da aquisição de uma letra financeira com vencimento em abril de 2029, sem possibilidade de resgate antecipado. Caso a falência do banco se confirme, este será o segundo calote sofrido pelo IMPCG: em 2013, com a quebra do Banco Rural, o instituto perdeu cerca de R$ 50 milhões.
Relatório obtido pelo Correio do Estado mostra que as aplicações no Banco Master representam 2,99% dos R$ 47,8 milhões investidos pelo IMPCG. A maior parte dos recursos está aplicada na Caixa Econômica Federal (R$ 23,4 milhões ou 49,14%) e no Banco do Brasil Gestão de Recursos (R$ 14,9 milhões ou 31,37%). O restante está distribuído entre Bradesco (R$ 2,99 milhões 6,26%), Daycoval (R$ 2,90 milhões 6,07%), Itaú (R$ 1,7 milhão 3,66%), RIJ Corretora (R$ 222 mil 0,47%), Banco Genial (R$ 21,8 mil 0,05%) e Finaxis (R$ 2,5 mil 0,01%).
Apesar da diversificação, o IMPCG enfrenta desequilíbrio financeiro. Em 2024, a autarquia registrou receita de R$ 515,3 milhões, mas gastou R$ 640,8 milhões com o pagamento de aposentadorias e pensões um déficit anual de R$ 125,5 milhões. Para cobrir o rombo e manter os salários em dia, a Prefeitura tem aportado cerca de R$ 10,5 milhões por mês. Mesmo assim, por exigência federal, o instituto é obrigado a destinar parte de seu faturamento a um fundo de reserva.
O BC determinou também a liquidação do Master SA Corretora de Câmbio, do Banco Letsbank S.A. e do Banco Master de Investimento S.A., nomeando a EFB Regimes Especiais de Empresas como liquidante, com amplos poderes de administração. Além disso, foram tornados indisponíveis os bens da controladora Master Holding Financeira, da 133 Investimentos e Participações LTDA e dos controladores Daniel Bueno Vorcaro, Armando Miguel Gallo Neto e Felipe Wallace Simonsen.
Neste mês, a Polícia Federal prendeu o dono do banco, Daniel Vorcaro, em São Paulo. A liquidação ocorreu pouco mais de um mês após o BC vetar a venda de parte do Master ao Banco de Brasília (BRB), negociação que havia sido anunciada juntamente com o Grupo Fictor.
Segundo a Agência Brasil, a situação dos investidores do banco dependerá do montante aplicado e do perfil de cada cliente. O Fundo Garantidor de Créditos (FGC) cobrirá valores de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, incluindo rendimentos, por conglomerado financeiro.
Clientes com valores superiores poderão recuperar apenas parte do montante na liquidação ou na via judicial, processo que pode se arrastar por anos. O FGC estima R$ 41 bilhões em garantias envolvidas e cerca de 1,6 milhão de credores elegíveis, assegurando que há patrimônio suficiente para honrar os pagamentos dentro das regras.
*Colaborou Alison Silva e Eduardo Miranda


