O Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a pedido do Banco do Brasil, em recurso especial julgado na sexta-feira, e barrou o pagamento pelo banco de honorários sucumbenciais de, pelo menos, R$ 178 milhões a vários advogados de Mato Grosso do Sul, entre eles o lobista investigado na Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal (PF), Felix Jayme Nunes da Cunha, e os filhos do desembargador Vladimir Abreu Silva.
O caso é um dos mais emblemáticos investigados na Operação Ultima Ratio, que apura um esquema de corrupção no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), porque o honorário – que se fosse um prêmio da Mega-Sena estaria entre os 10 maiores da história da loteria, considerando apenas os concursos regulares – tem origem controversa: o Banco do Brasil teve de pagar o valor mesmo sendo o vencedor da causa.
O relator do recurso especial que o Banco do Brasil ajuizou no STJ, ministro Raul Araújo, reverteu o julgado do Tribunal de Justiça de MS, que havia dado ganho de causa aos advogados no honorário de mais de uma centena de milhões de reais em uma ação na qual o banco nem sequer perdeu.
“Não se justifica a imposição de sucumbência à parte exequente, que teve frustrada a pretensão de satisfação de seu crédito em razão de prescrição. A parte devedora, ao deixar de cumprir a obrigação (pagar a dívida), deu causa ao ajuizamento da execução. A causalidade diz respeito a quem deu causa ao ajuizamento da execução – no caso, a parte devedora, que deixou de satisfazer a obrigação –, não tendo relação com o motivo que ensejou a decretação da prescrição (inércia/desídia da parte credora)”, afirmou o ministro do STJ em decisão.
Em Mato Grosso do Sul, o caso foi julgado, à época, na câmara cível investigada por corrupção pela Polícia Federal, que tinha entre seus membros o desembargador Sideni Soncini Pimentel. Foi Pimentel quem defendeu a tese de que caberia o pagamento de honorários sucumbenciais pelo vencedor de uma ação, apenas pelo fato de os devedores não terem bens para penhora.
Suspeição
Na representação que fez ao STJ para o desencadeamento da Operação Ultima Ratio, o titular da investigação, delegado Marcos Damato, da PF, fez o seguinte comentário:
“O fato de Pimentel ter decidido em favor do cliente de Marcos Vinícius Abreu, o qual tem escritório no mesmo local que o filho de Pimentel, o advogado Rodrigo Pimentel, agrava os indícios de vendas de decisões, com pagamento realizado por meio da cessão de parte do crédito”, argumentou.
À época, Marcos Vinícius Abreu, filho do desembargador Vladimir Abreu, dividia o mesmo condomínio de escritórios de advocacia que Rodrigo Pimentel, filho de Sideni.
Sideni, que já foi alvo de relato endereçado à Procuradoria-Geral da República, em que Damato pede o indiciamento do desembargador por corrupção, deixou claro em seu depoimento que não teve qualquer remorso por não ter colocado seu nome sob suspeição no caso.
“É, doutor, eu vou contrariar inclusive orientação dos meus advogados que querem que eu seja bem sucinto. Com relação ao fato de ser Mané ou José o advogado, eu nunca me senti impedido, e eu sempre julguei, a não ser naqueles casos em que a lei me impunha o dever de não julgar por causa do impedimento. É o que eu tenho a dizer para o senhor nesse caso de julgamento”, disse em depoimento à Polícia Federal.
Sideni, também em depoimento, ainda deu sua opinião sobre a atuação do Banco do Brasil no processo, e culpou o banco pelo calote que levou.
“Contratou mal, doutor. Ele contratou mal com quem não tinha garantia boa? Se tinha garantia ou quem lhe emprestou não tinha lastro ou não tinha patrimônio para responder no caso de um não pagamento, essa é a realidade. Isso no foro, doutor Marcos, isso no foro é a coisa mais corriqueira e mais comum de existir. Lamentavelmente, né?”, afirmou Sideni, ao ser indagado sobre a alternativa que restava ao banco, que tentava receber uma dívida.
A origem
A execução que levou o TJMS a calcular um valor similar a um prêmio da Mega-Sena contra o Banco do Brasil teve origem em um contrato de financiamento agrícola feito por um casal de Três Lagoas, na década de 1990.
Por causa da inadimplência, o Banco do Brasil ajuizou uma execução contra o casal na Justiça e foi vitorioso. O banco, contudo, passou anos tentando localizar bens dos devedores, sem sucesso algum. O processo de execução acabou prescrito em 2018.
Os advogados do casal devedor, contudo, recorreram ao TJMS reivindicando o direito aos honorários e, após se associarem aos envolvidos no esquema de venda de sentenças, o direito ao pagamento pelo Banco do Brasil foi então estabelecido.
No julgamento em primeira instância, houve o entendimento de que nenhuma das partes precisaria arcar com honorários advocatícios, pois o banco não conseguiu recuperar sua dívida e o casal também não obteve decisão favorável.
A situação começou a mudar quando Felix Jayme Nunes da Cunha, investigado pela PF na Operação Ultima Ratio e apontado como um dos lobistas do esquema de compra de decisões judiciais, entrou no processo.
Ele firmou um contrato de parceria com os advogados do casal: Patrícia Alves Gaspareto de Souza Machado e Geilson da Silva Lima. O contrato de parceria ainda contou com o anuente Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva, filho do desembargador Vladimir Abreu da Silva, investigado na Operação Ultima Ratio.
O contrato consistia na cessão de parte dos honorários a Felix em qualquer valor da execução que excedesse R$ 60 milhões. O acordo ainda permitia que ele recebesse o dinheiro diretamente do Banco do Brasil.
BB não desistiu
Mesmo após a Operação Ultima Ratio, a tentativa do banco de derrubar a decisão controversa continuou. Ele perdeu todas as disputas em Mato Grosso do Sul. Uma delas foi uma ação rescisória contra o Acórdão que o obrigou a pagar os honorários milionários. O Banco do Brasil teve julgamento desfavorável e unânime nesta tentativa, em que o relator, desembargador Amaury da Silva Kuklinski, foi acompanhado por Vilson Bertelli, Geraldo de Almeida Santiago e Eduardo Machado Rocha.
Insatisfeito, o BB apresentou embargos de declaração, recurso no qual solicita que os julgadores esclareçam melhor a decisão, especialmente em pontos que possam ter ficado obscuros. Porém, o pedido foi novamente rejeitado, com o desembargador Kuklinski negando o recurso, em 19 de agosto de 2024. Restou ao banco ingressar com este recurso especial, com a intenção de levar o caso ao STJ e contestar a decisão que lhe impôs o pagamento de R$ 178 milhões em honorários, em uma ação sem vitória da outra parte.
Ainda assim, o banco seguiu na disputa, agora, no Superior Tribunal de Justiça e conseguiu decisão favorável.
Comparativo
Maiores prêmios da Mega-Sena x honorários do TJMS contra o BB
- 1 – 1º/10/2022
- R$ 317.853.788,54
- 2 – 11/5/2019
- R$ 289.420.865,00
- 3 – 27/2/2020
- R$ 211.652.717,74
- 4 – 5/3/2024
- R$ 206.475.189,75
- 5 – 25/11/2015
- R$ 205.329.753,89
- 6 – 22/12/2015
- R$ 197.377.949,52
- 7 – 19/3/2022:
- R$ 189.381.872,36
- 8 – 4/7/2024
- R$ 162.788.325,19
- 9 – 8/2/2023
- R$ 152.807.887,30
- 10 – 22/11/2014
- R$ 135.315.118,96
* Concursos regulares, exclui a Mega da Virada.
- Honorários do TJMS a lobista e filhos de desembargador: R$ 178 milhões.


