O comportamento, nunca antes registrado em um tatu-canastra (Priodontes maximus) no Pantanal de Mato Grosso do Sul, surpreendeu especialistas após o animal permanecer inativo por 12 dias na toca, levantando vários questionamentos.
A pesquisa do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), liderada pelo biólogo Gabriel Massocato, acompanhou o indivíduo por meio de monitoramento de câmeras e flagrou a inatividade do animal, que não saiu da toca.
Em conversa com o Correio do Estado, o pesquisador contou que o tatu vem sendo monitorado através de armadilhas fotográficas há um ano e meio, na região da Nhecolândia, na fazenda Baía das Pedras, no município de Aquidauana.
O período em que o animal, conhecido como “engenheiro da floresta”, se recolheu na toca ocorreu em novembro de 2024, em uma época em que o Pantanal não estava registrando temperaturas extremas.
Segundo o pesquisador, as noites variaram entre 28 °C e 23 °C, o que chamou a atenção dos especialistas e levantou questões relacionadas ao metabolismo do animal.
Divulgação ICASInatividade
Apesar da possibilidade de uma toca possuir mais de uma passagem, a hipótese dele ter deixado o local por outra foi descartada, já que as câmeras instaladas na região teriam capturado uma eventual saída.
O pesquisador, que estuda a espécie há 15 anos, até então não havia se deparado com um período tão longo de reclusão. Diferentemente de espécies que diminuem o batimento cardíaco entrando em estado de hibernação ou torpor, isso não ocorre com tatus.
Observações
Existem registros de dois outros casos, na Amazônia, em que o animal permaneceu de 17 a 30 dias na toca. No entanto, Gabriel pontuou que, nessas situações, havia certa atividade do animal dentro da toca.
“Seja ele tentando sair, colocando o focinho para fora... então, ele estava ativo de alguma forma.”
Ao contrário do ineditismo encontrado no Pantanal sul-mato-grossense, em que o animal não esboçou atividade alguma.
“Como a gente sabe disso? Temos uma armadilha fotográfica em frente à toca. Não vimos, em momento nenhum, o animal saindo. Não observamos nenhuma outra toca ou túnel de fuga ao redor. Não tem, não existe. Então, o animal estava de fato dentro da toca.”
Pesquisador do Icas Gabriel Massocato, instalando a armadilha fotográficaUso de tecnologia
Os tatus-canastra monitorados pelo ICAS e que passaram por captura recebem um GPS e um pequeno transmissor com um componente chamado acelerômetro, que funciona como um relógio de pulso capaz de registrar movimentos.
No caso do acelerômetro, o monitoramento é feito 24 horas por dia e, a cada 10 minutos, ele registra o movimento do animal. O tatu que ficou inativo por 12 dias ainda não passou por captura, mas deu um novo “norte” para as linhas de pesquisa sobre mudanças de hábitos e adaptação da espécie.
Linhas de pesquisa
O acelerômetro instalado em outros indivíduos da espécie já havia demonstrado movimentação quase nula em determinados períodos.
“Então, a gente deduz que esse animal, durante os 12 dias em que ficou dentro da toca, estava inativo: não se movimentava e não se alimentava.”
Para o pesquisador, uma das teorias levantadas é a da conservação de energia, já que se trata de um animal de metabolismo peculiar, que difere de outros mamíferos.
Isso ocorre por dois fatores: a baixa temperatura corpórea, em torno de 32 °C, e a alimentação baseada em formigas e cupins, que não representa uma dieta rica em proteínas, resultando em metabolismo reduzido.
“Como o metabolismo dele é reduzido e, com a temperatura [corpórea] mais baixa, tudo o que ele pode fazer para conservar energia e não perder, ele vai tentar.”
No caso do canastra, a toca possui cerca de 1,5 metro de profundidade e pode chegar a 4 metros de extensão, construída sob áreas florestadas que mantêm temperatura amena de aproximadamente 24 °C.
“Tudo isso são adaptações ecológicas e de sobrevivência que o animal adquiriu ao longo de milhares de anos para manter energia e sobreviver.”
Em média, a espécie passa 17 horas por dia dentro da toca. Alguns indivíduos podem ficar de duas a três noites sem sair, especialmente no inverno, quando as temperaturas são mais baixas. O registro desse animal permanecer recluso em uma situação distinta foi visto pela equipe como um comportamento surpreendente.
“Isso mostra o quanto a espécie tem uma estratégia fisiológica, ecológica e comportamental diferente, tudo para conservar energia. Também nos instiga a querer desenvolver outros trabalhos para entender melhor o metabolismo do animal. Como a temperatura corporal afeta ou pode servir de modelo para adaptações climáticas.”
Próximos passos
Os próximos passos incluem o alinhamento com outros pesquisadores que utilizam um modelo de tecnologia capaz de medir o metabolismo de diferentes espécies.
Segundo Gabriel, entender o uso desse aparelho deve dar à pesquisa do ICAS um avanço ainda maior na compreensão do metabolismo. Para isso, será necessário adaptar o dispositivo às necessidades específicas do tatu-canastra.
“Estamos curiosos para entender: por que será que ele permanece tantos dias sem sair e fica inativo na toca? O animal não tem necessidade de se alimentar? É tudo para conservar energia? Essa curiosidade também nos provoca a querer dar outro passo e compreender melhor as questões fisiológicas.”




