O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) manteve, por unanimidade, a demissão do médico ginecologista Ricardo da Fonseca Chauvet por improbidade administrativa, devido à cobrança por pelo menos seis procedimentos oferecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em Corumbá, município localizado a 425 km de Campo Grande.
O caso veio à tona quando uma paciente que precisava passar por um procedimento para retirada de um pólipo deu entrada na Santa Casa de Corumbá, em 23 de novembro de 2019. Na ocasião, o médico teria cobrado valores entre R$ 4 mil e R$ 5 mil para realizar a cirurgia.
Após voltar para casa, ela conversou com o companheiro, que sugeriu que gravasse a conversa. Os dois retornaram à maternidade e, durante a conversa com o médico, a mulher pediu que ele explicasse ao seu marido a questão dos valores.
Na gravação, o médico confirma que o procedimento seria realizado pelo SUS e, mesmo afirmando que a cobrança era ilegal, pediu R$ 1.000,00 para realizar a cirurgia. O pagamento deveria ser feito diretamente a ele, e sem emissão de recibo.
“Só que isso é ilegal, tá? Mas eu tenho duas opções: ou ilegal, ou eu não faço. E você não vai conseguir fazer com outros colegas. Pode até tentar iludir o sistema. Em outra condição, o senhor não vai conseguir. Para fazer com outros colegas vai ser na mesma condição que estou te propondo, ou mais, tá? Então, é a grande chance. ‘Pô, doutor, tô fudido!’ Eu sei, bicho, tem que sair da zona de conforto”, diz o médico na gravação.
Em outro ponto, o especialista chega a dizer que recebe R$ 24,00 para realizar o procedimento e afirma que não iria "colocar a mão no útero de uma mulher desse tamanho, com cinco cesarianas anteriores", por esse valor.
“Isso aqui é uma maternidade, o procedimento dela é ginecológico, tá? Então, eu posso dar alta para ela e encaminhá-la para o posto, um ginecologista, procurar no posto para fazer um tratamento ginecológico. E eu vou pegar ela, dar os exames de ultrassom e falar: ‘Você tem que (inaudível), ou a histeroscopia com cirurgia’. Eu não faço pelo SUS, tá? O motivo é simples: o SUS me paga 24 reais para fazer isso e eu não vou botar a mão no útero de uma mulher desse tamanho, com cinco cesarianas anteriores, por 24 reais. Meu parceiro, não dá. Eu não vivo disso”, afirma o médico.
Após fazer a gravação, a mulher registrou um boletim de ocorrência. Além da denúncia dela, outros cinco casos de mulheres que foram atendidas pelo médico confirmaram a mesma situação: cobrança para realizar atendimentos, incluindo um parto em que, segundo relato, o bebê já havia nascido quando o médico chegou.
Outros casos
Em 2019, uma mulher relatou ter sido atendida pelo profissional no Centro de Saúde da Mulher. O médico informou que ela precisava retirar quatro nódulos do seio, que, segundo ele, não apresentavam risco imediato, mas poderiam vir a se tornar um problema no futuro.
Ela contou que o ginecologista cobrou R$ 4.000,00 em espécie, dos quais R$ 2.000,00 deveriam ser pagos no dia da cirurgia e o restante após o procedimento. O médico a liberou para "pensar", com a orientação de não contar a ninguém do local. A mulher ficou nervosa e decidiu não dar prosseguimento ao processo.
Outra paciente, atendida em 2015, estava grávida e procurou o médico, que cobrou para fazer o parto pelo SUS. Ela optou por ser atendida por outro profissional.
Mesmo assim, conforme consta no processo, o médico chamou o marido dela para uma sala em que estavam apenas os dois e cobrou R$ 1.250,00 para realizar o parto. No entanto, o procedimento foi feito por outro médico e não houve pagamento.
Até mesmo em uma consulta em um posto de saúde, o médico cobrou R$ 3.000,00 do pai de uma paciente, em janeiro de 2019, para realizar uma cirurgia de retirada de um mioma uterino. Ele deixou claro que todo o procedimento seria feito pelo SUS, mas o valor seria usado para pagar o anestesista.
Parto sem assistência
Chama a atenção o caso de uma gestante que deu entrada na maternidade pelo SUS em 13 de dezembro de 2017, já em trabalho de parto. O médico constatou que o bebê estava pequeno e administrou soro e medicação.
No dia seguinte, a pressão da paciente subiu, e o médico informou ao marido que ela e o bebê corriam risco de vida. Segundo o relato, ele sugeriu transferi-la para Santa Cruz ou Campo Grande, ou realizar a cirurgia ali mesmo, mediante “locação de equipamentos e contratação de equipe médica”, ao custo de R$ 4.000,00.
O homem aceitou a proposta, mas, nesse meio-tempo, a mulher entrou em trabalho de parto natural e teve o bebê na enfermaria da Maternidade Municipal. O médico apareceu apenas no final, pois estava preparando a sala cirúrgica. Apesar de o parto não ter exigido equipamento ou equipe particular, parte do valor já havia sido entregue ao médico.
Outra gestante também atendida por ele perguntou sobre a demora no nascimento do bebê e recebeu como opção a realização do parto de forma particular, mediante pagamento de R$ 1.000,00 em espécie. O pagamento foi feito em 21 de dezembro de 2018, após o parto. A situação ficou comprovada por mensagens trocadas via WhatsApp entre a paciente e o médico.

Manutenção da decisão
Por decisão unânime, os juízes mantiveram a sentença anterior, sem alterações, que estabeleceu:
- Perda da função pública como médico do Município de Corumbá;
- Devolução de R$ 5.000,00 ao erário (valor recebido ilicitamente);
- Multa civil de R$ 5.000,00 (equivalente ao valor indevido recebido);
- Proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios por 10 anos.




